Mais forte que todos os inimigos
Um tempo novo começa em cada nascimento. Um tempo novo de alegria e de esperança. Um tempo novo aberto à vida e à história. Começa hoje, para muitos recém-nascidos, um tempo novo. Começa também a luta pela igualdade, pela justiça, pela paz, pelo amor, pela construção de um mundo novo. Começa hoje a luta entre o bem e o mal. Começa hoje a esperança no mundo que virá com o Filho do homem, sobre as nuvens deste mundo velho, cansado, desiludido, desanimado, incapaz de acreditar. Mas virá o tempo novo de vida e ressurreição, porque a vida é mais forte que a morte e o amor mais criativo que o ódio e a violência.
LEITURA I Dn 12, 1-3
Naquele tempo, surgirá Miguel, o grande chefe dos Anjos, que protege os filhos do teu povo. Será um tempo de angústia, como não terá havido até então, desde que existem nações. Mas nesse tempo, virá a salvação para o teu povo, para aqueles que estiverem inscritos no livro de Deus. Muitos dos que dormem no pó da terra acordarão, uns para a vida eterna, outros para a vergonha e o horror eterno. Os sábios resplandecerão como a luz do firmamento e os que tiverem ensinado a muitos o caminho da justiça brilharão como estrelas por toda a eternidade.
No meio da perseguição movida por Antíoco Epifânio, os judeus encontram nas palavras de Daniel a consolação e a esperança. O anjo Miguel “protege os filhos do teu povo” e no final, quando parecer que o mal venceu, vai manifestar-se a verdadeira vitória com a ressurreição daqueles “que estiverem inscritos no livro de Deus”.
Salmo 15 (16), 5.8.9-10.11 (R. 1)
O salmista, vendo a multiplicação dos ídolos no seu país, afirma a sua fé no Senhor, reconhecendo que “nada existe acima” do Senhor seu Deus. Reconhecendo que a sua sorte está nas mãos de Deus ele confia que não verá a morte nem descerá à sepultura, e, por isso pode dormir tranquilo. Esta certeza, porém, supõe um combate contínuo para permanecer fiel no meio de tantos que correm atrás dos ídolos.
LEITURA II Heb 10, 11-14.18
Todo o sacerdote da antiga aliança se apresenta cada dia para exercer o seu ministério e oferecer muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca poderão perdoar os pecados. Cristo, ao contrário, tendo oferecido pelos pecados um único sacrifício, sentou-Se para sempre à direita de Deus, esperando desde então que os seus inimigos sejam postos como escabelo dos seus pés. Porque, com uma única oblação, tornou perfeitos para sempre os que Ele santifica. Onde há remissão dos pecados, já não há necessidade de oblação pelo pecado.
Jesus ofereceu-se a si mesmo ao Pai em sacrifício pelos pecados dos homens. O seu sacrifício é único e irrepetível e concretiza a vitória sobre o pecado de uma vez para sempre. Os sacrifícios de animais realizados pelos judeus, não têm comparação com o sacrifício de Cristo, porque não têm o poder de salvar.
EVANGELHO Mc 13, 24-32
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Naqueles dias, depois de uma grande aflição, o sol escurecerá e a lua não dará a sua claridade; as estrelas cairão do céu e as forças que há nos céus serão abaladas. Então, hão de ver o Filho do homem vir sobre as nuvens, com grande poder e glória. Ele mandará os Anjos, para reunir os seus eleitos dos quatro pontos cardeais, da extremidade da terra à extremidade do céu. Aprendei a parábola da figueira: quando os seus ramos ficam tenros e brotam as folhas, sabeis que o Verão está próximo. Assim também, quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o Filho do homem está perto, está mesmo à porta. Em verdade vos digo: Não passará esta geração sem que tudo isto aconteça. Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão. Quanto a esse dia e a essa hora, ninguém os conhece: nem os Anjos do Céu, nem o Filho; só o Pai».
A linguagem apocalítica, usada por Marcos para falar da paixão de Cristo, que está prestes a acontecer, e dos tempos que se seguem à ressurreição, que serão de perseguição aos discípulos por causa do nome de Jesus, não pretende amedrontar o leitor mas despertar nele a capacidade de ver para lá das circunstâncias atuais e viver a esperança certa da salvação que vem de Jesus, que venceu a morte pela ressurreição
Reflexão da Palavra
O livro de Daniel, personagem principal mas não autor do livro, situa-nos no século II a.C., no tempo do rei Antíoco Epifânio. Este rei, ao contrário dos seus antecessores, proíbe o culto aos deuses dos povos dominados e impõe que as honras devidas a Deus se devem prestar a ele, como a um deus.
Perante a ordem do rei, muitos judeus recusam-se a obedecer o que provoca uma onda de perseguição que leva à morte muitos, que preferiram enfrentar a tortura e a morte e permanecer fiéis ao Senhor.
O povo, ao sofrer os horrores de uma perseguição sangrenta e sem piedade, questiona-se sobre quando terminará tudo isto, que sentido faz este terror e como agir perante tamanha perseguição.
O autor do livro procura dar uma resposta anunciando que, o que os seus olhos veem é o fracasso, o fim, a morte dos mais valentes e a vitória do horror, do terror e do mal, mas no final “nesse tempo”, aqueles que agora perecem serão os grandes vencedores.
A história do povo desenrola-se como um grande combate que se trava entre o céu e a terra. Os olhos humanos só veem o que se passa na terra e é o horror, a desgraça, a destruição e morte daqueles que são fiéis ao Senhor. O que não podem ver é que no céu já se levanta o vencedor.
No pequeno texto da primeira leitura, Daniel adianta a grande proteção do anjo Miguel que consola o povo do Senhor. E anuncia a vida eterna, a ressurreição, para aqueles que dão a vida pelo Senhor. “Nesse tempo virá a salvação para o teu povo” e esta salvação surge como ressurreição “muitos dos que dormem no pó da terra acordarão, uns para a vida eterna, outros para a vergonha e o horror eterno”.
O salmo 15 começa com uma súplica “defende-me, ó Deus”, que desemboca numa profissão de fé. O autor reconhece que à sua volta existem muitos ídolos e que muitos homens vão atrás deles, mas ele não, “não tomarei parte nas suas libações de sangue, nem sequer pronunciarei os seus nomes”. Porque “tu és o meu Deus, és o meu bem e nada existe acima de ti”.
Depois da profissão de fé o salmista manifesta a sua confiança no Senhor, pois a sua herança e a sua sorte estão nas suas mãos. O Senhor é quem aconselha salmista e ele sabe que não “me entregará à morada dos mortos, nem deixarás o teu fiel conhecer a sepultura”, por isso, tem “sempre o Senhor diante dos meus olhos”, não vacila e “o meu corpo repousará em segurança”.
Continuando a comparação entre os sacrifícios do antigo culto com o sacrifício de Cristo, o autor da carta aos Hebreus afirma a vitória definitiva sobre o pecado realizada de uma vez para sempre no único sacrifício da nova aliança. Após o sacrifício da sua vida, Cristo entrou no céu e “sentou-se para sempre à direita de Deus”.
A luta entre o bem e o mal que atravessa a história da humanidade como se percebe na primeira leitura, é vencida por Cristo “com uma só oferta”, a da sua própria vida e consequente ressurreição. Desta forma ganha atualidade o sacrifício de Cristo “porque, com uma única oblação, tornou perfeitos para sempre os que Ele santifica” e perdem sentido os sacrifícios da tradição judaica porque não “podem apagar os pecados”.
O evangelho, numa linguagem apocalíptica ou escatológica, pouco própria de Marcos mas muito de acordo com a literatura da sua época, adianta, com sinais extraordinários, o fim dos tempos onde se revelará a salvação, triunfo sobre as forças do mal que lutam contra a humanidade na tentativa de a destruir. Os sinais da sua chegada, ao contrário do que nos diz a esperança cristã, são de destruição “uma grande aflição, o sol escurecerá e a lua não dará a sua claridade; as estrelas cairão do céu e as forças que há nos céus serão abaladas”. Marcos serve-se deste forma de linguagem para adiantar o que vai acontecer com os discípulos depois de Jesus partir.
Deve notar-se que estamos no capítulo 13, imediatamente antes da paixão de Jesus, à qual se seguirá a sua ressurreição e em consequência, os discípulos ficam no mundo e vão ter que enfrentar a tribulação e a perseguição por causa do nome de Jesus.
Marcos não pretende assustar mas, como Daniel na primeira leitura, quer deixar antecipadamente a esperança nos discípulos de Jesus que enfrentam a luta pela fidelidade. Os sinais anunciados devem ser compreendidos pelo discípulo como sinais da vinda do Senhor, o Filho do Homem, que traz a salvação para os fiéis, do mesmo modo que compreende os sinais da natureza que anuncia o verão. Se a história se apresenta dramática, o discípulo sabe que a vitória não é do mal mas de Cristo e de todos os que permanecem firmes por terem sabido ler os sinais da figueira.
Marcos coloca diante do leitor o quadro antecipado da paixão. Do mesmo modo que Jesus teve que passar pela paixão para chegar à ressurreição, também os seus discípulos, que “não são mais que o Mestre”, não podem chegar a glória da ressurreição sem antes passar pela morte. A confiança é o segredo. Jesus confiou que os sinais de destruição, terror e morte, não podem ofuscar os sinais da vitória que já está presente na sua ressurreição que é garantia da nossa própria ressurreição. Se o tempo tarda em cumprir a promessa, o discípulo não pode desanimar, pois, não sabendo quando, sabe que vai acontecer porque confia em Jesus, quando ele diz “as minhas palavras não passarão”.
Meditação da Palavra
A liturgia deste XXXIII domingo do tempo comum, o penúltimo do ano litúrgico, está marcada pela luta que travam os homens. A história da humanidade está marcada pela luta entre o bem e o mal, luta que começa logo no início, como relata o livro dos Génesis ao descrever a entrada do pecado no mundo. Esta luta, tantas vezes sangrenta, como a conheceram os judeus do tempo de Antíoco Epifânio e os discípulos depois da ressurreição de Jesus, pode dar lugar ao desânimo e com ele ao sem sentido de uma luta que parece interminável e inglória porque termina na morte dos fiéis.
Todas as leituras, incluindo o salmo, têm a preocupação de revelar que há um sentido nesta luta e vale a pena travá-la, porque a vitória não pertence ao mal mas ao bem. A vitória é dos que permanecem fiéis ao Senhor Deus de nossos pais, dos que permanecem fiéis a Cristo.
De facto, na leitura de Daniel fica claro que o “tempo de angústia, como não terá havido até então”, provocado pela perseguição, será mudado no tempo em que “virá a salvação para todo o povo, para aqueles que estiverem inscritos no livro de Deus”. E, não se trata de uma salvação passageira, do aqui e agora, trata-se de uma salvação definitiva e permanente, trata-se de ressuscitar “muitos dos que dormem no pó da terra acordarão… resplandecerão como a luz do firmamento… brilharão como estrelas por toda a eternidade”.
O salmista afirma a vitória depois da luta conta os ídolos, para aqueles que, como ele, são capazes de uma profissão de fé inabalável no Senhor e colocam nele a sua confiança. Só no Senhor está a herança do homem, só ele pode livrar da morada dos mortos e ensinar o caminho da vida.
Para a carta aos Hebreus o único que é capaz de salvar, de tirar da morte aqueles que desceram ao sepulcro e os que estão cativos do pecado, é Cristo, o Messias. Ao contrário dos sacrifícios antigos realizados pelos sacerdotes diariamente no templo, o sacrifício de Cristo, realizado uma única vez, vence o pecado e dá a vitória àqueles que travam a luta contra o mal, Estes, como Cristo, chegarão à perfeição porque serão santificados por ele.
O evangelho aponta para a vitória daqueles que aprendem a ler os sinais, como Cristo. Ele, ao chegar a Jerusalém, observa os sinais claros da morte que se mostrava eminente por causa da intolerância das autoridades judaicas que não conseguiam ver nele o Messias. Do mesmo modo não vão conseguir ver nos discípulos os sinais de um tempo novo que começa e que traz a salvação.
Os discípulos de Jesus podem reconhecer nos horrores da perseguição os sinais claros desse novo tempo que chega, “o sol escurecerá e a lua não dará a sua claridade; as estrelas cairão do céu e as forças que há nos céus serão abaladas”. Aprendendo a ver com Jesus, os discípulos permanecerão fiéis, certos de que a vitória está ao seu alcance, “não passará esta geração”, porque o “Filho do Homem” já vem sobre as nuvens para “reunir os seus eleitos dos quatro ventos, da extremidade da terra à extremidade do céu”.
Todos os textos desta liturgia, apesar de usarem imagens dramáticas da luta dos homens contra o mal, revelam que a luta do homem não é solitária nem inglória. Deus luta com os homens contra as forças do mal e garante-lhes a vitória do amor sobre os poderes do ódio. Ainda que a realidade se mostre na sua expressão mais horrível e dramática, a última palavra não pertence às forças do mal, mas a Deus. No final, o mal será definitivamente destruído e viverão na alegria os que “estiverem inscritos no livro de Deus”. A vitória que se espera para o final é já uma certeza em Cristo, porque ele, Cristo, passou pela morte e saiu vencedor.
Aqueles que hoje sofrem os horrores da fome, da guerra, da injustiça, todos os que entre nós sentimos a vida paralisada por causa de uma doença grave, de um problema complexo, por causa da violência dos homens que não permitem que vivamos em paz ou aqueles de entre nós que sentem a angústia por causa do pecado que não conseguem vencer, temos, na palavra deste domingo, a razão da esperança. Não estamos sós na nossa luta contra as diversas expressões do mal. O mal que enfrentamos não vai vencer em nós. Cada um de nós tem o seu nome inscrito no livro de Deus e Deus não vai deixar na morte aqueles que lhe pertencem. A última palavra na nossa vida pertence a Deus e não ao mal. A última palavra de Deus é vida, é ressurreição. Ainda que os nossos olhos só vejam os horrores do tempo presente, a fé que nos anima já aponta para o tempo novo da vitória de Cristo que nos espera. Como o salmista digamos “dar-me-eis a conhecer os caminhos da vida,
alegria plena em vossa presença, delícias eternas à vossa direita”.
Rezar a Palavra
Na travessia escura do dia a dia, com tantas experiências dolorosas, a luz da tua ressurreição ilumina o nosso caminho e faz renascer em nós a esperança. Na vida nova que brota da tua Páscoa experimentamos a vitória sobre todos os males que se levantam contra nós na luta pela fidelidade e pelo amor. Dá-nos, Senhor, a capacidade de ver mais longe como Daniel e afirmar a nossa confiança na tua palavra, que jamais passará.
Compromisso semanal
Como o salmista faço a minha profissão de fé a partir da realidade existencial que experimento hoje.