Mistagogia da Palavra

Solenidade do Nascimento de S. João Baptista

1 – Celebramos o nascimento de S. João Baptista.

Além do nascimento de Jesus e de Maria, este é o único santo cujo nascimento a Igreja celebra. A celebração litúrgica de qualquer santo faz-se, na generalidade no dia da sua morte, considerada como o nascimento para a felicidade eterna. Porquê então esta excepção com o caso de S. João Baptista?

– Porque do mesmo modo que Maria, João foi chamado a exercer uma missão de estreita relação com o mistério de Cristo Salvador, pois foi o profeta que directamente pode identificar, aos olhos dos homens, a pessoa do Messias;

– Porque, assim como Maria fora purificada, sendo preservada do pecado no momento da sua Conceição, assim também João foi purificado do pecado, estando ainda no seio de sua mãe Isabel, quando se deu o encontro da Mãe de Jesus com ela.

2 – João é o «elo» de ligação entre o Antigo e o Novo Testamento. Ele é homem ainda no tempo considerado «antes de Cristo», mas foi também contemporâneo de Jesus. E foi neste período da vida dos dois que João exerceu a missão que Deus lhe confiara: apresentar ao povo de Israel Jesus de Nazaré como o verdadeiro Messias, esperado desde há séculos. Todos os profetas falaram de Jesus à distância do tempo e do espaço; João falou dele, apontando para a sua pessoa: «Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo». Por sua vez, Jesus, ao falar de João, classifica-o como o «maior de todos os profetas».

João, tal como o profeta Isaías, foi chamado por Deus, desde o seio materno, para ser o «servo de Javé» a fim de lhe congregar o povo, em presença de Deus. Mas Deus não o fez apenas seu servo; fê-lo luzeiro capaz de iluminar os caminhos que conduzem a Cristo, verdadeira luz do mundo, para que todos os povos, vendo essa luz, se deixem inundar com os seus raios e encontrem a salvação. Era este o pensamento central da primeira leitura que nos descrevia a vocação profética de João a exemplo da vocação de Isaías. De facto, ninguém, como o profeta João, pôde apontar tão directamente para a pessoa do Messias Salvador.

3 – A segunda leitura, extraída do Livro dos Actos, faz também uma referência à pessoa de João, afirmando que, ainda antes de Jesus aparecer em público, Já João Baptista lhe preparava o caminho, convidando o povo ao arrependimento e à purificação dos pecados. E fazia-o desprendidamente. Com a sua habitual sinceridade e lealdade, soube esclarecer, desde o início da sua missão profética: ele não era o Messias; e apontava para Jesus, afirmando a messianidade deste; ele não baptizava para purificar o interior do homem, mas apenas para que os homens pudessem dar um sinal externo de que se sentiam arrependidos. O Messias, esse Jesus de Nazaré é que é o «Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo». Por isso, Ele baptizará no Espírito Santo.

4 – É deste João que nos fala também o texto do Evangelho, ao narrar-nos o episódio da sua circuncisão, oito dias após o seu nascimento. Juntamente com o rito da circuncisão era dado ao circuncidado um nome que, para os judeus, deveria significar, de algum modo, o futuro da criança. O nome escolhido pela mãe e confirmado pelo pai foi o nome de «João» que tem a tradução de «agraciado de Deus» ou «dom de Deus». João é um dom de Deus feito ao seu povo, por causa da missão que virá a desempenhar: ele será o grande anunciador da graça maior por Deus concedida à humanidade, a presença do Salvador no meio deste mundo.

Bela missão a de João: apontar para Cristo, salvador da humanidade. Semelhante a ela é a missão de todos nós: sermos, pela vida e pelo testemunho, verdadeiros mensageiros de um Deus que salva os homens em Cristo Jesus.

A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra

Vem Espírito Santo, prepara a minha vontade para o acolhimento da missão que em cada dia Deus tem para mim.

Evangelho segundo S. Lucas 1, 57-66.80
Naquele tempo, chegou a altura de Isabel ser mãe e deu à luz um filho. Os seus vizinhos e parentes souberam que o Senhor lhe tinha feito tão grande benefício e congratularam-se com ela. Oito dias depois, vieram circuncidar o menino e queriam dar-lhe o nome do pai, Zacarias. Mas a mãe interveio e disse: «Não, Ele vai chamar-se João». Disseram-lhe: «Não há ninguém da tua família que tenha esse nome». Perguntaram então ao pai, por meio de sinais, como queria que o menino se chamasse. O pai pediu uma tábua e escreveu: «O seu nome é João». Todos ficaram admirados. Imediatamente se lhe abriu a boca e se lhe soltou a língua e começou a falar, bendizendo a Deus. Todos os vizinhos se encheram de temor e por toda a região montanhosa da Judeia se divulgaram estes factos. Quantos os ouviam contar guardavam-nos em seu coração e diziam: «Quem virá a ser este menino?». Na verdade, a mão do Senhor estava com ele. O menino ia crescendo e o seu espírito fortalecia-se. E foi habitar no deserto até ao dia em que se manifestou a Israel».

Caros amigos e amigas, do silêncio de Zacarias e da esterilidade de Isabel nasce a última palavra profética da antiga Aliança e o percursor daquele que fecunda a vida.

Interpelações da Palavra

Da mudez ao louvor
Desde que recebera a mensagem do anjo no templo Zacarias permanecera mudo. Ficara incrédulo e silencioso diante do surpreendente anúncio do nascimento de um filho, porque as leis da natureza já não o consentiam. Talvez tenha ficado mudo para, em silêncio, contemplar a acção de Deus, na sua família e na história do seu povo.
Zacarias só reencontra a sua voz quando se torna pai e lhe nasce o filho. Regressa à palavra só quando um novo amor o solta das fronteiras obsoletas e dos pensamentos arcaicos. Recomeça a falar quando a sua própria vida gera uma nova vida. Então inicia a louvar e a bendizer: Benedictus, que é a oração que a Igreja repete diariamente ao amanhecer. Zacarias reinicia a viver só quando a sua vida se abre ao dom!
Também nós reencontramos as palavras justas e boas quando nos tornamos pais, quando cuidamos e nos responsabilizamos pela vida, quando aprendemos a amar. A vida deixa de ser muda e silenciosa quando geramos um filho, um amigo, um irmão, um amor! De contrário as palavras tornam-se pedra, silêncio e aridez, que gelam e ensurdecem a vida.

Um nome grávido de futuro
A tradição hebraica, com o costume de impor o nome do pai ou de um antepassado, procurava assegurar nos bebés a continuidade com o passado. Ainda hoje o nome indica a pessoa, a pertença a uma família, a uma história. Define-nos! Contudo, João (=Deus abençoa) é um nome novo, estranho à tradição familiar. O seu nome não representa uma linhagem, mas um futuro inesperado. O filho de Zacarias e Isabel não terá o olhar voltado para o passado, mas estará fixo no futuro, naquele que há de vir. Cada nascimento é um dom, uma dilatação do amor de Deus. Através do nosso nome, Deus não marca encontro connosco no passado, mas abre-nos para um futuro. A fé não consiste em perpetuar uma tradição, mas é uma relação a alimentar, uma aventura a percorrer, uma paixão a amar, um sonho a realizar!

“Quem virá a ser este menino?”
Todos os vizinhos ficaram admirados, bendizendo a Deus, com tão grande milagre realizado em Isabel e Zacarias. Depois de uma vida estéril ambos vêem o fruto de uma espera e de uma esperança.
A semente lançada à terra finalmente dá fruto! Tudo é estéril se o desejo de Deus não deixar em nós as suas pegadas. Quando Deus visita a nossa pobreza, o que era mudo torna-se voz! O imprevisível sonho de Deus é capaz de destruir a aridez vazia de um útero que não gera filhos e até a árvore mais velha do nosso coração, mesmo que seca, torna-se ainda capaz de dar fruto. Acreditar é deixar Deus irrigar a secura dos nossos velhos hábitos e palavras, é acolher o Espírito na nossa vida e viver com alegria o nome novo com que Deus nos chama e nos ama. Assim, caros amigos e amigas, nos preparamos à novidade do Evangelho.

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Senhor, nada sai ao acaso das Tuas mãos,
ensinas a Palavra pelo silêncio, exaltas na humildade, preenches o vazio!
Senhor, Deus de amor, de esperança, de luz,
envias instrumentos, mensageiros, profetas, soldados da paz e do bem
que me ensinam o Teu amor, mostram a Tua luz e ecoam a Tua Palavra.
És bom, Senhor! Senhor da história, do tempo e do meu crescimento!

Viver a Palavra 

O Senhor tem para mim uma missão! Quero traduzir, na minha vida, a Sua proposta de fidelidade.