A Liturgia da Palavra deste Domingo continua o tema da oração. Se, no Domingo passado, o acento era colocado na necessidade de rezar sempre, sem desfalecer, hoje, as leituras proclamadas insistem na qualidade da oração. Melhor: interpelam-nos sobre a atitude de quem reza e com que finalidade. Rezar como e para quê? Em que termos?
Há quem reze manifestando a sua superioridade, justificando-se diante de Deus, mas, pelos vistos, este tipo de atitude e de oração não leva a lado nenhum. Há que abandonar de vez a ideia de pertencermos a uma Igreja triunfalista porque só uma Igreja humilde, só os simples, é que nos podem conduzir a Deus. É preciso ser humilde para se dirigir a Deus. Não tenhamos medo de descer até junto dos pobres, não pensemos que isso rebaixa a Igreja. É com eles que a Igreja pode e deve caminhar.
- Os simples e os pobres têm lugar especial junto de Deus
– O livro de Ben Sirá diz que Deus é um juiz que não faz acepção de pessoas. É, portanto, alguém de uma imparcialidade total. Mas, logo a seguir, esclarece que “não favorece ninguém em prejuízo do pobre e atende a prece do oprimido”. Logo, deste ponto de vista, é parcial a favor do pobre… Assim, a parcialidade de Deus no campo da justiça situa-se do lado dos desprotegidos, dos que não têm meios para se defender da prepotência dos poderosos…
– O Salmo confirma a mensagem do Eclesiástico: Deus coloca-se do lado dos humildes e dos desprotegidos, não suporta a injustiça e a discriminação dos mais fracos… E Paulo confirma a mesma orientação: ele manteve-se fiel na pregação da Boa Nova de Jesus, mesmo quando esteve preso por esta causa…
- Os dois exemplos de oração
– A parábola do fariseu e do publicano coloca em confronto duas atitudes na oração: o fariseu, que reza em voz alta e se julga superior aos outros, muito cumpridor de todos os seus deveres, com direitos a ser recompensado, faz barulho para ser ouvido por aqueles que estão à sua volta, para que todo o mundo saiba que dá esmolas, que cumpre os seus deveres religiosos, e depois acusa todos os que não são como ele…
– Ao fundo está o publicano que, apesar de socialmente ser considerado herege, corrupto e aliado do poder dominante, sem que ninguém dê por isso, de um modo muito reservado, reconhece o seu pecado diante de Deus e pede compaixão…
– Podem-se esquecer os personagens e centrar-se nos dois estilos que denunciam os nossos comportamentos. Como é que nós nos dirigimos a Deus? Somos daqueles que se consideram superiores aos outros, que exigem que nos agradeçam pelas nossas “boas obras”, ou dos que assumem o espírito das bem-aventuranças, da Boa Notícia do amor e da ternura de Deus?
– Apesar da soberba e do fanatismo dos fariseus, alguns deles, para defender a lei de Moisés, até entregaram a vida. Mas, como se focavam exclusivamente nos aspectos legais e não olhavam para os outros e para as suas necessidades, acabavam por ser incapazes de fazer o discernimento e de ligar o amor a Deus, através do cumprimento dos preceitos da lei, ao amor do próximo, que foi a grande novidade deixada por Jesus e de que o publicano dá mostras na sua oração…
- Rezar a Deus sem desprezar os pobres
– De facto, é preciso ter confiança em Deus, cultivar essa atitude na nossa oração, reconhecer que ele nos atende (nisto insistiam as leituras do domingo passado) mas, ao mesmo tempo, temos de olhar para as pessoas que estão ao nosso lado, sobretudo para os mais desfavorecidos que sofrem directamente as injustiças…
– O pecado que o Evangelho denuncia pode chamar-se de “aristocracia espiritual”: considerar-nos a nós próprios bons e justos e olhar com certo desprezo para os outros; sentir-nos seguros pelos méritos que julgamos ter conseguido diante de Deus e menosprezar os outros…
– Puro engano!… Porque “Deus não faz acepção de pessoas e ao mesmo tempo não favorece ninguém em prejuízo do pobre” (1ª leitura)… Mais ainda: é o clamor do pobre que pede compaixão que chega mais facilmente a Deus…
– E quem é que se poderá considerar justo quando cresce o clamor dos pobres? Quem poderá ter uma consciência tranquila diante da injustiça que nos rodeia? Ninguém pode ficar satisfeito com o que faz quando a pobreza aumenta e os oprimidos são cada vez mais…
– O apóstolo Paulo apresenta-nos o seu itinerário e diz que está a chegar à meta com a consciência de ter sido salvo, ter guardado sempre a fé e de ter lutado pela justiça… Poderíamos perguntar também nós em que ponto é que estamos da nossa caminhada cristã no que toca ao compromisso a favor dos mais pobres…
– Ninguém se pode considerar bom quando há tanto sofrimento e tantos problemas à nossa volta; muito menos desprezar os outros e reivindicar direitos diante de Deus…
– Se calhar, todos deveríamos falar menos de Deus e, quando o fizermos, deverá ser com simplicidade, olhando mais para a nossa situação e para a de todos os que estão à nossa volta. Sempre com verdade como o publicano, e sem sobranceria à maneira do fariseu…