Com o aproximar do final do ano litúrgico e o início de um novo ciclo, a Liturgia da Palavra aponta-nos para um limite, um termo. Na representação deste fim utilizam-se imagens que transmitem a ideia de uma transformação radical. É o “dia do Senhor” no dizer do profeta Malaquias, “ardente como uma fornalha”, em que desaparecerão todos os soberbos e os que praticam o mal. A história regista uma sucessão de impérios e revoluções que, no geral, deixaram a humanidade mergulhada em grandes crises. E Jesus também viveu num desses impérios, aquele império romano que era “uma fábrica de violência”. As expressões: “não ficará pedra sobre pedra”, “haverá guerras, epidemias, fenómenos espantosos, grandes sinais no céu, perseguições…” traduzem todas as consequências de muitas situações de violência na história.
Mas, para os que seguem os caminhos do Senhor, nascerá o sol da justiça que traz a salvação nos seus raios (1ª leitura). No discurso do Evangelho, em linguagem apocalíptica, Jesus tranquiliza os seus discípulos pois, no meio da violência da história, Deus continua a oferecer o seu amor e a salvação: “nenhum cabelo da vossa cabeça se perderá. Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas”. Haverá um dia em que a verdade e a justiça triunfarão.

  1. A situação difícil dos cristãos

– Para compreender o Evangelho de hoje temos que nos situar no ambiente vivido pelas comunidades cristãs ao tempo da redacção do Evangelho de Lucas: a situação era dolorosa e trágica e o autor, sabendo tudo o que se tinha já passado com Jesus na cidade de Jerusalém, transpõe para aqueles momentos as circunstâncias de violência e perseguição que afectavam a vida dos cristãos…
– Globalmente, o contexto era este: os romanos, com a sua intervenção nos anos 70 d.C., quando destruíram Jerusalém, ditaram o fim da “nação judaica”. No princípio, alguns cristãos tinham sido também judeus e, por isso, viveram estes acontecimentos como um final… Por outro lado, a comunidade judaica, enquanto tal, procurou refazer-se e, nesta remodelação, expulsou os cristãos das suas sinagogas e começou também a persegui-los…
– Os cristãos são, assim, atacados por todos os lados: pelos romanos que destroem tudo em território judeu; e pelos judeus que os acusam de heréticos e, por este motivo, perseguem-nos. Os cristãos são marginalizados e perseguidos pelos “seus irmãos”; há mentiras e perseguições, traições e assassinatos… Era esta a situação das comunidades quando este texto do Evangelho foi escrito…
– Certo é que, como demonstram tantos períodos da história, os momentos difíceis são ocasião para dar testemunho, para manifestar a perseverança no compromisso da fé e na fidelidade ao Evangelho… Os sinais externos estão aí e alguns são mesmo brutais mas, não são o definitivo… São chamadas de atenção a todos para testar a nossa fé, para saber se está viva ou adormecida, se tem raízes ou é superficial, se está comprometida ou acomodada…
– Estes tempos são oportunidades para dar testemunho de Jesus e do seu Reino, para cada um se situar no quotidiano, na vida concreta e verificar o dinamismo da sua fé…

  1. A segurança está em Jesus

– Esta situação difícil e incerta em que hoje também vivemos, conduz a muitas interrogações e pode deixar-nos na obscuridade e nas dúvidas quanto à superação dos conflitos… Mas também é nestas ocasiões que os cristãos se recordam das palavras de Jesus: “não vos assusteis”, “não vos deixeis enganar”… Ele convida a confiar no Espírito que nos há-de defender nos tribunais sem ser necessário preparar a defesa…
– O motivo da perseguição e da incompreensão é o nome de Jesus: “por causa do meu nome”. Por causa do nome de Jesus os cristãos foram expulsos da sua comunidade de origem (a sinagoga dos judeus) e levados aos tribunais para serem julgados… Hoje também há territórios dos quais os cristãos são expulsos ou onde são julgados e condenados…
– Mas o mesmo nome de Jesus dá serenidade e confiança: “nenhum cabelo da vossa cabeça se perderá”; “permanecei firmes, salvareis a vossa vida…” Até o julgamento na praça pública ou nos tribunais será uma boa ocasião para dar testemunho do nome de Jesus…

  1. Compromisso diário

– Fixamo-nos nas palavras do apóstolo Paulo e na recomendação que nos dirige para que “trabalhemos tranquilamente” (havia gente, na comunidade de Tessalónica, que estava à espera da manifestação definitiva de Jesus e entendia que já não valia a pena esforçar-se nas actividades diárias…). As notícias, os acontecimentos tristes e os sofrimentos que provocam, não podem tirar-nos as energias e a tranquilidade necessárias para continuar a edificar o Reino de Deus…
– Há textos na Sagrada Escritura que nos apontam para um fim eminente, para a ceifa depois de o fruto estar maduro… Mas outros, principalmente as palavras de Jesus no Evangelho, convidam a deixar crescer as sementes, a continuar atentos aos acontecimentos sem se deixar dominar por eles, e a fazer com que o Reino de Deus aconteça segundo a palavra de Jesus…
– Será o nosso trabalho, a nossa perseverança e a nossa serenidade, o maior sinal de que Deus continua a actuar na história. Não são as guerras e os tumultos que ditam o fim… É pela constância que seremos salvos…