Mistagogia da Palavra
Transcrevo a seguinte oração, que nos dá o sentido da Liturgia deste domingo:
«Nós Te damos graças, Senhor, porque o clamor do Advento pelos novos céus e nova terra, em que habita a justiça, se expressa como uma esperança renovada e um optimismo libertador pelos lábios do profeta: “Consolai, consolai o meu povo!”. Uma voz grita: “Preparai no deserto um caminho para o Senhor”, porque a sua glória se revelará e todos os homens a verão. Faz-nos, Senhor, que o fermento do teu reino nos converta em homens e mulheres novos à medida de Jesus Cristo, para que sejamos fermento capaz de transformar, a partir de dentro, as estruturas familiares, laborais, politicas e económicas, possibilitando o nascimento do homem e mundo, novos». (A Palavra de cada Domingo, de B. Caballero).
A 1.ª leitura é do profeta Isaías. O profeta convida os Israelitas exilados na Babi1ónia a prepararem-se para acolher o Senhor, que está a chegar para os libertar. A situação de escravatura em que se encontram está a terminar; Deus salvá-los-á, mas é necessário que também eles façam a sua parte, acolhendo esta libertação, atravessando o deserto e iniciando uma nova vida, numa nova terra.
A 2.ª leitura é da Segunda Epístola de S. Pedro. Diz-nos que, quando falamos da vinda do Senhor não devemos procurar a data do fim do mundo, mas preocupar-nos em estarmos preparados para acolher o Senhor, que vem para criar um mundo novo.
O Evangelho é de S. Marcos, o evangelista deste Ano B. João Baptista apregoa nas margens do rio Jordão um baptismo de conversão. A novidade que hoje se anuncia é a presença do Messias Jesus e do reinado de Deus que se inaugura na sua pessoa. É também uma feliz novidade, o baptismo no Espírito e a criação do homem novo. Numa palavra, proclama-se a mudança e a revolução total, porque Cristo é a novidade radical, o homem novo que nos transforma, à sua imagem, em filhos de Deus e irmãos de todos os outros. Deus está presente entre nós e caminha ao nosso lado pelo deserto da história humana. A nós compete-nos preparar os seus caminhos pela conversão pessoal.
A Palavra do Evangelho
Diante da Palavra
Vem, Espírito Santo, com a tua força renovadora reaviva a marca do meu batismo, e acende o vigor da sua profecia!
Evangelho Mc 1, 1-8
Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Está escrito no profeta Isaías: «Vou enviar à tua frente o meu mensageiro, que preparará o teu caminho. Uma voz clama no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas’». Apareceu João Baptista no deserto, a proclamar um baptismo de penitência para remissão dos pecados. Acorria a ele toda a gente da região da Judeia e todos os habitantes de Jerusalém, e eram baptizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados. João vestia-se de pêlos de camelo, com um cinto de cabedal em volta dos rins, e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre. E, na sua pregação, dizia: «Vai chegar depois de mim quem é mais forte do que eu, diante do qual eu não sou digno de me inclinar para desatar as correias das suas sandálias. Eu baptizo-vos na água, mas Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo»!
Caros amigos e amigas, a liturgia deste II Domingo do Advento convida-nos a começar… Palavra milagrosa que convoca todas as componentes da vida que há em nós e deixa em aberto a liberdade de todos caminhos que há a percorrer! O Evangelho de hoje tem o condão de nos inquietar…
Interpelações da Palavra
A força de recomeçar
Algo que me encanta na vivência da Liturgia é o movimento cíclico, a abertura ao recomeço. O nosso encontro com Jesus nunca é dado adquirido e acabado. O discípulo de Jesus é aquele que está sempre disponível para começar, para se reerguer após as quedas, para se deixar surpreender pela novidade de Deus e pelos convites (ou anunciações) que Ele lhe quiser enviar. No tempo da peregrinação, nunca seremos cristãos perfeitos. Precisamos constantemente de arejar os recantos que a rotina já estava cristalizar irremediavelmente, precisamos de acionar novos movimentos que há muito deixáramos esquecidos nas arrecadações das nossas capacidades. A liturgia é como esta semente que contém uma potência dentro de si, mas requer a nossa abertura e correspondência. Iniciamos uma aventura com S. Marcos que nos propõe, logo de rajada, a figura de João Batista revestida apenas do essencial, para nos dizer que não é a quantidade de bagagens, mesmo espirituais, que nos servirá de socorro, mas este constante abandono da nossa fragilidade, (reconhecida e assumida) à fortaleza de Deus.
Preparai os caminhos
O equipamento de João é a simplicidade e a profecia. Quer no modo de se apresentar, quer no contexto que o envolve: o deserto. E é esse equipamento que lhe permite aparelhar caminhos. Ele provoca, no deserto da ignorância, da maldade, da corrupção, do pecado… um novo êxodo. Denuncia e anuncia. A sua mensagem para nós parece ressoar: “Estai sempre numa predisposição de caminhantes, num estado de abertura e de liberdade que vos permita olhar o mundo e as circunstâncias com os olhos amorosos de Deus!” Este movimento do olhar de Deus sobre o nosso mundo não nos pode deixar sossegados. Um cristão sossegado é como um depósito em decomposição. Deus tem projectos de amor para o mundo para cada pessoa e são esses (não os nossos interesses mesquinhos e parciais) que devem motivar as nossas opções. Ele nos provoca a abrir novos êxodos sobre tantos desertos de pecado que nos rodeiam!
Vai chegar
Esta é a boa notícia, no meio da aridez do consumismo e da banalidade! João Batista anuncia-a com a solenidade de uma festa e a urgência de uma necessidade… preparai, endireitai, lavai. Tudo verbos de faxina, de labor, de alvoroço. Nós talvez a anunciemos como mais uma, mortiça e volátil, no meio da força de luzes e presentes. Amigos e amigas, não deixemos esmorecer a notícia de que o Senhor vai chegar no meio das modas e das tendências de estação. Não deixemos abafar o ambiente de expectativa cristã, no afogadilho das compras que as marcas impingem. O nosso presente é Jesus, Ele é a nossa notícia! A nossa marca é o batismo. Façamos viver fulgorosamente a certeza de uma espera que nos muda a vida de alto a baixo, deixemo-nos transformar pelo sobressalto da sua chegada, única e ardentemente aguardada. Façamos viver a marca do nosso batismo num compromisso irradiante de Evangelho!
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
O acolhimento é uma gota de água nas terras áridas da solidão, porta para hospedar a singularidade do irmão.
O acolhimento anula distâncias e prepara o banquete da paz.
Senhor, Tu me acolhes e, apesar das minhas ingratidões, nunca me rejeitas.
Anula as minhas trincheiras de egoísmo, abate os montes de insensatez, que me vedam aos outros,
ajuda-me a chegar ao irmão para aceder a Ti. Abre-me ao banquete da comunhão.
Senhor, ajuda-me a proporcionar espaços de encontro que promovam a paz!
Viver a Palavra
Esta semana vou visitar alguém que viva sozinho e levar-lhe uma mensagem de esperança.