Mistagogia da Palavra
Na pessoa, mensagem e obra de Jesus de Nazaré já está presente a salvação do Reino de Deus. Mas, para aceder a este Reino é condição realizar a conversão à fé em Cristo. Esta conversão, porém expressa-se na renovação da mentalidade e do comportamento, do coração e da vida. É no mundo interior do homem, no seu coração que tem de germinar a pequena semente do Reino. A mudança das estruturas na família e na sociedade, na política e na economia é uma fraude e uma utopia impossível sem esta conversão interior. Só o fermento que age a partir do interior, ou seja, a opção evangélica, pode transformar toda a massa e tornar efectivo o projecto do Reino na nossa vida e no nosso mundo.
A 1ª leitura é da Profecia de Jonas. O autor sagrado sublinha um facto surpreendente: enquanto o povo de Israel, que se julga justo, na realidade tem um coração duro e não escuta a voz dos Profetas, os Ninivitas, pagãos desprezados e pecadores, as primeiras palavras do enviado de Deus, mudam imediatamente de vida. É difícil renunciar ao prazer de ver sofrer os que nos oprimiram e humilharam. Este sentimento, porém, não é cristão. Nesta leitura Deus ensina-nos que não há inimigos a derrotar, mas só irmãos a converter, ajudando-os a ser felizes.
A 2ª leitura é da Primeira Epístola de S. Paulo aos Coríntios. A síntese da mensagem que nos transmite esta leitura é que o tempo é breve e, por isso, quem usa dos bens materiais deve fazê-lo como se não existissem. Não é um convite a desprezar as realidades materiais, mas o que é preciso é dar o justo valor às realidades terrenas: são importantes, mas não eternas. É este o motivo por que os cristãos devem estar dispostos inclusivamente a aceitar renúncias corajosas por amor de Deus e dos irmãos.
A 3ª leitura, o Evangelho, é segundo S. Marcos. O texto de hoje tem duas secções bem diferenciadas. A 1ª é o resumo da pregação inaugural de Jesus na Galileia: “Cumpriu-se o tempo e está próximo o Reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no Evangelho”. A 2ª parte é a narração das quatro primeiras vocações de discípulos. No conjunto fica bem patente que a opção pelo Reino de Deus só se efectiva pelo seguimento de Cristo. Ele é um ideal novo e uma nova luz para os caminhos dos homens.
A Palavra do Evangelho
Diante da Palavra
Vem Espírito Santo, descerra as cortinas de cepticismo do meu olhar incrédulo e ajuda-me ver Jesus que me chama.
Evangelho Mc 1, 14-20
Depois de João ter sido preso, Jesus partiu para a Galileia e começou a proclamar o Evangelho de Deus, dizendo: «Cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no Evangelho». Caminhando junto ao mar da Galileia, viu Simão e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores. Disse-lhes Jesus: «Vinde comigo e farei de vós pescadores de homens». Eles deixaram logo as redes e seguiram Jesus. Um pouco mais adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, que estavam no barco a consertar as redes; e chamou-os. Eles deixaram logo seu pai Zebedeu no barco com os assalariados e seguiram Jesus.
Caros amigos e amigas, na Palavra que saboreamos, vemos o nosso nome, as nossas redes e os nossos barcos. A rede está lançada, é tempo do Reino (res)surgir e (re)construir.
Interpelações da Palavra
Arrependei-vos e acreditai
Jesus vem trazer uma boa notícia: a proximidade do Reino. O projecto de Deus ganha agora forma com a proposta de Jesus, a construção de um novo Reino, reino de paz e de justiça, reino de amor e de verdade. É este o tempo do acolhimento e da missão. Quando Deus reina a vida renasce, a esperança floresce, toca o hino da liberdade e ergue-se a bandeira da vitória do bem sobre o mal. Jesus propõe a atitude do arrependimento e a virtude da fé como passaporte para este ditoso Reino. Hoje, somos alérgicos à conversão, custa-nos muito inverter a marcha quando nos enganamos no caminho, por mais que o GPS da vida espiritual e dos irmãos nos alerte. Somos avessos ao rever a orientação da nossa vida. Dá trabalho pormo-nos a pensar, mergulhar na essência da nossa missão. Cumpre-se neste agora o tempo de Deus. Somos chamados à conversão, a eliminar os medos que nos impedem de crescer, a cuidar as raízes das nossas decisões a confiar totalmente no amor de Deus. A conversão faz-nos bem. Abre-nos as mãos e o coração para a experiência de Deus e dispõe-nos a entrar no projecto de Deus, o Reino de Deus.
Viu…chamou-os
Para levar por diante este projecto, Jesus precisa de colaboradores do Reino. É um profeta nómada que procura seguidores para fazer com eles um caminho apaixonante. Enquanto caminha, Jesus vê a vida do trabalho e da entrega diária, vê os nomes, os objectos, as famílias, os sonhos, os medos… Enquanto caminha pela nossa vida, Jesus vê também as nossas mãos nas redes lançadas ao mar, amados irmãos e irmãs. Jesus vê os nossos remendos nas redes desgastadas pelo labor e pelo tempo. Vê os barcos onde fazemos família e colegas. E aí, onde estamos, porque “somos pescadores”, no que fazemos e somos, diz o nosso nome e chama-nos para O seguirmos.
Já ouvimos o nosso nome dos lábios de Jesus? Ou deixamo-nos distrair pela força das redes e das pressas dos barcos de hoje? Não nos fascina a experiência de escutar da boca de Jesus o nosso próprio nome para O seguir?
Seguiram Jesus
De um convite deveras estranho, ser pescador de homens, sem saber onde, nem como, nem até porquê, surge um salto de disponibilidade e de coragem que os leva a deixar tudo: as pessoas, o trabalho, os amigos, as coisas, as metas, as redes…
Seguir Jesus não é aprender e ensinar doutrinas, é experimentar a alegria de ser encontrado por Ele.
Quando escutamos o olhar de Jesus que nos precisa e soletra ao nosso coração a essência da nossa identidade, somos apanhados por esta rede de graça que nos abraça e faz pescadores de homens. No barco ou na praia, na montanha ou no vale, no trabalho ou em casa, no café ou na escola, Deus chama pelo nosso nome, diz cada letra com a ternura do Espírito, e precisa-nos como colaboradores de um Reino de paz e de bem, e isso, queridos amigos e amigas, é Evangelho.
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, hoje quero deixar-me comprometer pelo teu convite a rever os meus caminhos
e entender os fluxos de maldade que se camuflam no meio dos meus propósitos quotidianos.
Denuncia o meu egoísmo, faz-me ver a minha ganância, com o sinal do teu amor até ao fim,
Denuncia o meu desejo de poder, a minha arrogância, com o termómetro da humildade…
Chamas-me pelo nome, Senhor?! Quero olhar cada sinal que me envias como um chamamento.
Quero fazer fecunda a força que me deixas em cada momento de encontro mais denso contigo!
Quero dar-te graças, porque a tua Palavra é um incentivo a crescer e a deixar melhor o mundo!
Viver a Palavra
Vou considerar em cada sinal que vem até mim, um chamamento de Deus a tornar-me melhor.