Corre pelos campos em liberdade
Os primeiros dias de verão sabiam a liberdade. As escolas fechavam e as crianças abandonavam as batas brancas e imaculadas onde apenas as mais descuidadas exibiam uma ou outra mancha de tinta azul, e corriam, corriam pelos campos onde as searas moldadas pelo vento imitavam as ondas do mar e algumas flores resistiam criando um manto colorido.
Olhando a beleza de tanta liberdade as crianças sentiam que o mundo lhes pertencia e correndo até caírem exaustas entre as flores perdiam -se no azul do céu tentando inspirar todo o ar que os pulmões conseguiam reter entre inocentes gargalhadas.
Tudo é teu, tudo te pertence, desde a imensidade do céu até ao horizonte longínquo da terra. Tudo é teu… Farei correr para ti a paz como um rio e a riqueza das nações como torrente transbordante.
LEITURA I Is 66, 10-14c
Alegrai-vos com Jerusalém,
exultai com ela, todos vós que a amais.
Com ela enchei-vos de júbilo,
todos vós que participastes no seu luto.
Assim podereis beber e saciar-vos
com o leite das suas consolações,
podereis deliciar-vos no seio da sua magnificência.
Porque assim fala o Senhor:
«Farei correr para Jerusalém a paz como um rio
e a riqueza das nações como torrente transbordante.
Os seus meninos de peito serão levados ao colo
e acariciados sobre os joelhos.
Como a mãe que anima o seu filho,
também Eu vos confortarei:
em Jerusalém sereis consolados.
Quando o virdes, alegrar-se-á o vosso coração
e, como a verdura, retomarão vigor os vossos membros.
A mão do Senhor manifestar-se-á aos seus servos.
Aos regressados de Babilónia o profeta anuncia um futuro de esperança. De facto, a missão do profeta consiste em abrir caminhos de futuro onde Deus vem ao encontro do seu povo para restaurar a paz e a liberdade. Convencido do amor materno de Deus pelo seu povo, o profeta sabe que não se engana quando anuncia um tempo em que todos seremos consolados e saciados como as crianças ao colo da mãe.
Salmo 65 (66), 1-3a.4-5.6-7a.16e.20 (R.1)
O salmista lê a sua história à luz da ação de Deus na criação e da história da salvação onde Deus libertou o seu povo. De facto, “são admiráveis as tuas obras” e os homens podem contemplá-las. Também no passado Deus realizou ações de libertação para salvar o seu povo “converteu o mar em terra firme… foi ele quem salvou a nossa vida”. O salmista sente que também ele deve oferecer sacrifícios porque “quando eu me encontrava em aflição” experimentou a bondade de Deus na sua vida, “atendeu o clamor da minha súplica”, e convida todos os homens para que glorifiquem com ele ao Senhor, “todos os que temeis a Deus, vinde e ouvi, vou narrar-vos quanto Ele fez por mim”.
LEITURA II Gal 6, 14-18
Irmãos:
Longe de mim gloriar-me,
a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo,
pela qual o mundo está crucificado para mim
e eu para o mundo.
Pois nem a circuncisão nem a incircuncisão valem alguma coisa:
o que tem valor é a nova criatura.
Paz e misericórdia para quantos seguirem esta norma,
bem como para o Israel de Deus.
Doravante ninguém me importune,
porque eu trago no meu corpo os estigmas de Jesus.
Irmãos, a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo
esteja com o vosso espírito. Amen.
Paulo escreve pessoalmente aos gálatas para lhes dizer que a sua glória está na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele não se gloria, como fazem alguns, pelos êxitos da sua ação missionária, pois tudo o que realiza é dom de Deus e é a graça de Deus que atua na sua fraqueza. Sabe também que os seus sofrimentos não são em vão, pois encontram na cruz de Cristo a sua realização total.
EVANGELHO – Lc 10, 1-12.17-20
Naquele tempo,
designou o Senhor setenta e dois discípulos
e enviou-os dois a dois à sua frente,
a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir.
E dizia-lhes:
«A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos.
Pedi ao dono da seara
que mande trabalhadores para a sua seara.
Ide: Eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos.
Não leveis bolsa nem alforge nem sandálias,
nem vos demoreis a saudar alguém pelo caminho.
Quando entrardes nalguma casa,
dizei primeiro: ‘Paz a esta casa’.
E se lá houver gente de paz,
a vossa paz repousará sobre eles;
senão, ficará convosco.
Ficai nessa casa, comei e bebei do que tiverem,
que o trabalhador merece o seu salário.
Não andeis de casa em casa.
Quando entrardes nalguma cidade e vos receberem,
comei do que vos servirem,
curai os enfermos que nela houver
e dizei-lhes: ‘Está perto de vós o reino de Deus’.
Mas quando entrardes nalguma cidade e não vos receberem,
saí à praça pública e dizei:
‘Até o pó da vossa cidade que se pegou aos nossos pés
sacudimos para vós.
No entanto, ficai sabendo:
Está perto o reino de Deus’.
Eu vos digo:
Haverá mais tolerância, naquele dia, para Sodoma
do que para essa cidade».
Os setenta e dois discípulos voltaram cheios de alegria, dizendo:
«Senhor, até os demónios nos obedeciam em teu nome».
Jesus respondeu-lhes:
«Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago.
Dei-vos o poder de pisar serpentes e escorpiões
e dominar toda a força do inimigo;
nada poderá causar-vos dano.
Contudo, não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem;
alegrai-vos antes
porque os vossos nomes estão escritos nos Céus».
Lucas recorda a alegria de todos os que foram enviados porque, apesar da fragilidade dos meios e métodos de anúncio, experienciaram um poder maior do que eles, capaz de dominar até os demónios.
Reflexão da Palavra
Isaías recusa o discurso derrotista tanto do tempo do exílio como no regresso a Jerusalém, quando se levantam problemas de reconciliação entre os que partiram e os que ficaram.
Perante o drama de um povo que vive na carne, de muitos modos, o peso da derrota, o profeta convida à alegria porque Deus é como uma mãe que tem colo para todos os filhos, ele pode “saciar-vos com o leite das suas consolações” e “deliciar-vos no seio da sua magnificência”.
Apesar de parecer distante esta possibilidade, ela será uma realidade quando “a mão do Senhor” se manifestar. A mão do Senhor é como a de uma mãe, uma mão larga e um braço comprido que chega a todos os filhos “como a mãe que anima o seu filho, também Eu vos confortarei: em Jerusalém sereis consolados”.
Israel tem na sua história situações semelhantes, nas quais experimentou o poder da mão do Senhor. É isso que recorda o salmo 65. Aquele que criou todas as coisas admiravelmente e tem poder sobre o mar ao ponto de o transformar em terra firme para fazer passar o seu povo da escravatura para a liberdade, é o mesmo que “com os seus olhos vigia as nações” e o mesmo que “salvou a nossa vida” e “não permitiu que os nossos pés resvalassem”. Depois de uma experiência de aflição ele devolve-nos a liberdade.
Esta experiência do salmista transforma-se em anúncio “vinde e ouvi, vou narrar-vos quanto Ele fez por mim” e em motivo de louvor, “fazei ressoar a voz do seu louvor” e “hei de oferecer… holocaustos, e farei sacrifícios…”.
O reconhecimento de que tudo é dom de Deus e não glória dos homens surge pela mão de Paulo na carta aos gálatas. O apóstolo recusa gloriar-se “a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo”, pois o que aconteceu nele não foi obra dos homens, mas de Deus que fez dele uma “nova criatura”. De tal modo, Paulo, reconhece o que Deus operou na sua vida que considera a cruz, da qual possui “no meu corpo os estigmas de Jesus”, garantia de que não é em vão tudo o que sofreu pelo evangelho, pois é na cruz que encontra a verdadeira liberdade de viver, não para o mundo que, “está crucificado para mim e eu para o mundo”, mas para Cristo.
A mesma dinâmica transformadora, surge no evangelho quando Jesus distribui pelos setenta e dois discípulos o poder sobre as forças do mal que se opõem ao reino. Jesus começa por desafiar os discípulos a rezar. Um tempo de oração diante daquele que é o dono “Pedi ao dono da seara que mande trabalhadores para a sua seara”, porque é tão importante partir, “ide: eu vos envio”, como pedir, “pedi”. Este sentido da confiança depositada no dono da seara é a garantia do sucesso no meio de muitos sinais de insucesso e de grandes e sérias dificuldades e oposições ao trabalho missionário dos discípulos.
A fragilidade com que os discípulos avançam para a missão, “não leveis bolsa nem alforge nem sandálias, nem vos demoreis a saudar alguém pelo caminho”, é sinal de que uma força maior é necessária, a da confiança no dono da seara e ao mesmo tempo a consciência de que tudo se realiza no contexto do dia chamado ‘hoje’, sem a preocupação pelo amanhã, que só Deus conhece e só ele pode providenciar.
A paz é a maior riqueza e simultaneamente o sinal de que a missão não vem do discípulo, mas daquele “que te pode trazer a paz” (Lc 19,42). Daí que o importante não é o êxito do discípulo recebido por todos, mas da mensagem que deve chegar até aos que não acolhem o discípulo, “ficai sabendo: Está perto o reino de Deus”.
Também a alegria do discípulo não vem de ser recebido, mas de ver que nele se manifesta o poder de Deus, que é mais forte que todas as forças do mal que se opõem ao reino, “os setenta e dois discípulos voltaram cheios de alegria”, porque “os demónios nos obedeciam em teu nome”.
Meditação da Palavra
Como discípulos de Cristo somos chamados a encontrar as razões para a verdadeira alegria. O profeta Isaías convida os israelitas regressados do exílio de Babilónia à alegria, não porque a integração na vida ordinária da cidade tivesse sido um êxito, mas porque Deus atua no meio do seu povo cuidando de todos e de cada um como uma mãe faz aos filhos de colo.
As dificuldades de integração são reais e assentam tanto na organização social como na vivência da fé ao ponto de os fazer sentir estrangeiros na sua própria pátria. No entanto, conscientes de que Deus, o criador de todas as coisas, é também o Deus de Israel, que os salvou em tantos momentos da história e os retirou de Babilónia, podem viver a alegria que nasce da esperança no futuro, construído com a ajuda de Deus.
A alegria proposta por Isaías não tem origem no êxito das ações humanas, mas na atitude de Deus para com eles, apesar das dificuldades. Com o seu longo braço, Deus chega a todo o lado e salva a todos os que o reconhecem como Senhor, “a mão do Senhor manifestar-se-á aos seus servos”.
A intenção de Isaías é levar todo o povo a reconhecer, como o salmista, o poder de Deus. Poder que ele já manifestou em outros momentos da história da salvação e da vida do salmista, como ele próprio reconhece quando diz “vou narrar-vos quanto Ele fez por mim… foi ele quem salvou a minha vida”. Muito embora não tenham conseguido realizar o que sempre sonharam, foram libertados dos inimigos e está nas suas mãos construírem no meio das diferentes posições, um povo que confia no Senhor seu Deus.
No evangelho é Jesus quem chama os discípulos a uma alegria que não brota dos êxitos humanos, mas da pertença incondicional a Deus. Depois de apresentar as exigências da vocação apostólica, Jesus, que tomou a firme decisão de entregar a sua vida na cruz, em obediência ao Pai, ensina aos discípulos que também eles são confrontados com a urgência de tomar decisões difíceis. A sua morte na cruz vai exigir que se afirmem com ele ou contra ele. Esta não é uma decisão que se tome de ânimo leve porque aquele que decide não pode voltar atrás.
No texto do evangelho deste domingo, Jesus recorda aos discípulos que a missão a que os envia é difícil porque a “seara é grande e os trabalhadores são pouco” e porque eles são “como ovelhas no meio de lobos”. Para o cumprimento da missão não podem contar com os mesmos meios que o mundo utiliza. Os meios para a missão são demasiado precários do ponto de vista humano, pelo que, o êxito será sempre posto em causa. Os setenta e dois discípulos contam consigo próprios e com o Pai, que é o dono da seara. Jesus ensina que podem contar com o Pai, a confiança nele é o suficiente para alcançar sucesso, por isso, insiste que comecem antes de tudo por pedir, “pedi ao dono da seara”.
A missão é de paz e não de guerra, pelo que, a ideia de pedir que venha fogo do céu para destruir os que não os receberem, está fora de questão, como já ficou claro no domingo passado. O conteúdo do anúncio é destinado a todos, aos que os receberem e aos que não os receberem, “ficai sabendo: ‘Está perto o reino de Deus’”.
Rejeitar os enviados de Jesus é rejeitar o próprio Jesus, por isso, “haverá mais tolerância, naquele dia, para Sodoma do que para essa cidade”.
Paulo, na carta aos Gálatas recorda a difícil missão que ele próprio viveu enquanto enviado por Jesus a anunciar o evangelho aos gentios. A imposição das exigências judaicas por parte de alguns convertidos do judaísmo, pôs em causa a verdade do evangelho anunciado por ele. Paulo sente-se crucificado, rejeitado, mas não desiste porque, para ele, o importante é a cruz de Cristo em que participamos pelo batismo e na qual nos tornamos novas criaturas, revestidos de Cristo. A salvação não está no cumprimento de ritos antigos, mas na pertença a Cristo mediante a experiência da cruz, pelo que ele afirma “trago no meu corpo os estigmas de Jesus”. A glória, para Paulo, não está no cumprimento da lei mas na cruz de Cristo.
Esta atitude está em consonância com a advertência de Jesus aos setenta e dois quando, alegres, regressam da missão por terem conseguido um êxito para eles inesperado. Nessa altura, Jesus recorda que a razão da alegria não pode ser colocada no sucesso humano da missão, mas na pertença a Deus, “alegrai-vos antes porque os vossos nomes estão escritos nos Céus”.
Chamados e enviados, hoje, como os setenta e dois discípulos, a ir pelo mundo anunciar a chegada do reino de Deus, também nós sentimos a importância de nos desprendermos de tudo o que nos pode levar a confiar mais em nós do que em Deus, “o alforge e as sandálias”, e a colocar toda a confiança no Pai, o dono da seara, para encontrar a verdadeira razão para a alegria, mesmo no meio das dificuldades e sofrimento que a missão também comporta, porque realizamos a missão numa total entrega nas mãos de Deus e confiados nele como uma criança confia na sua mãe.
Rezar a Palavra
Olha, Senhor, para a tua seara. Vê como é enorme e nos esmaga perante a dificuldade de entrar a ceifar cada espiga, cada grão. Somos tão poucos e tão frágeis e usamos instrumentos tão rudimentares. O mundo ri-se de nós, às vezes até nos rimos uns dos outros julgando que, por usar as mesmas armas do mundo, conseguimos mais do que os nossos companheiros. Abre os nossos olhos para compreendermos que é de ti que vem o êxito e que só na cruz, unidos a ti, poderemos participar da mesma glória.
Compromisso semanal
Tomo, como Jesus, a firme decisão de anunciar o reino de Deus.