Mistagogia da Palavra
Problemas graves afligem a humanidade e põem em risco a sua própria sobrevivência. A morte lenta de milhões de irmãos nossos subalimentados, as discriminações sociais e rácicas, os refugiados e o tormento da guerra e da doença quase nos levam a concluir pela impossibilidade de uma convivência pacífica entre os homens. O cristão, que conhece a vontade de Deus, tem de se empenhar na instauração da justiça entre os povos. E uma das condições é não se deixar escravizar pelos bens do mundo.
A 1ª leitura, do Antigo Testamento, é do Livro de Coélet. A acumulação da riqueza gera a injustiça social, a desproporcionada repartição de bens, criados por Deus para sustento de todos os homens. O apego desmedido às coisas deste mundo é vão e cria no homem um estado de insatisfação.
A 2ª leitura é de S. Paulo aos Colossenses. A aceitação de Jesus como único Senhor supõe do crente a sujeição de tudo a Ele. O futuro do homem está escondido em Cristo Jesus e só a ressurreição no-lo revelará. Por isso devemos orientar toda a nossa vida para Cristo. Isto é já despojarmo-nos do homem velho e revestirmo-nos do homem novo.
O Evangelho é segundo S. Lucas. No tempo de Cristo, como hoje, reinavam as desigualdades sociais, injustas na maioria dos casos. Para o rico e avarento o único motor da vida é o dinheiro. Nenhum outro valor lhe merece quaisquer cuidados. Condenando este procedimento, Jesus apresenta uma parábola onde o calculista se vê, de um momento para o outro, na presença de Deus e tudo tem de deixar.
A Palavra do Evangelho
Diante da Palavra
Espírito Santo de Deus, luz da vida, esclarece as minhas escolhas e decisões!
Evangelho Lc 12, 13-21
Naquele tempo, alguém, do meio da multidão, disse a Jesus: «Mestre, diz a meu irmão que reparta a herança comigo». Jesus respondeu-lhe: «Amigo, quem Me fez juiz ou árbitro das vossas partilhas?». Depois disse aos presentes: «Vede bem, guardai-vos de toda a avareza: a vida de uma pessoa não depende da abundância dos seus bens». E disse-lhes esta parábola: «O campo dum homem rico tinha produzido excelente colheita. Ele pensou consigo: ‘Que hei-de fazer, pois não tenho onde guardar a minha colheita? Vou fazer assim: Deitarei abaixo os meus celeiros para construir outros maiores, onde guardarei todo o meu trigo e os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Minha alma, tens muitos bens em depósito para longos anos. Descansa, come, bebe, regala-te’. Mas Deus respondeu-lhe: ‘Insensato! Esta noite terás de entregar a tua alma. O que preparaste, para quem será?’ Assim acontece a quem acumula para si, em vez de se tornar rico aos olhos de Deus».
Caros amigos e amigas, no Evangelho de hoje, o Senhor acautela os nossos impulsos de poder e ter sempre mais, propondo a partilha em vez da reivindicação. Acumular tesouros no céu será sempre a melhor gestão económica (e espiritual) que poderemos fazer.
Interpelações da Palavra
Mestre, diz a meu irmão…
As partilhas aparecem no Evangelho de Lucas como espaço concreto de discussão e de caminho espiritual. Em Jesus, homem sábio e humilde, alguém do meio da multidão procura ajuda para interceder diante da justiça necessária. Até me arriscaria a ir mais fundo e perguntar se hoje as nossas partilhas são justas e procuram a ajuda do Senhor para que ocorram na verdade. Mais ainda, será que as nossas partilhas conjugam o verbo partilhar ou o verbo acumular? Tenhamos a coragem de colocar também Jesus na mesa das negociações para que, com o Seu Espírito, se iluminem as nossas decisões. Precisamos do Espírito Santo nas nossas contas, nos nossos investimentos, nas nossas decisões… não como um meio de conseguir os nossos objectivos pessoais, mas como Aquele que ilumina e ajuda a discernir o bem comum. Mas Jesus, como aqui nos apresenta S. Lucas, devolve a “resolução do problema” para os envolvidos através de uma parábola. Com ela descobrimos o essencial para os que acreditam num Reino diferente e numa herança que não perece.
Que hei de fazer…?
Temos, verdadeiramente, nas nossas mãos, uma herança enorme: a vida, os amigos, a família, a história, a criação, o tempo e o espaço que nos envolve. Mesmo sem sermos merecedores, fazemos parte deste jardim que o Senhor cuidou para nós. Só os corações gratos veem as maravilhas do Senhor e saboreiam a beleza da vida. Somos tanto e temos tanto… que nem sabemos contar o quanto o Senhor deposita em nós.
Não há celeiros que consigam recolher as maravilhas do Senhor, mesmo nas vidas mais feridas e chagadas. Estaremos sempre em dívida para com Aquele que nos criou e nos deu a vida, o dom maior. E, nesta gestão que o Senhor nos exige, perguntamo-nos como no Evangelho: “Que hei de fazer pois não tenho onde guardar a minha colheita?”
O que preparaste para quem será?
E que fazer com tudo isto? Guardar para, isoladamente, viver dos rendimentos? Que fazer com os dons-dados que vamos guardando-acumulando? Cedo damos conta de que já não temos espaço, e mais, nem sabemos, muitas vezes, onde guardamos as coisas e perdemos-lhe o tino. Esta pergunta de Jesus bem que nos pode desinstalar. Nós, como cristãos, acolhendo o conselho do Senhor, precisamos uma conversão da power bank à power share, isto é, do consumo à partilha, do egoísmo à comunhão, do guardar ao oferecer… gratuitamente!
A nossa vida não depende da abundância dos seus bens (acumulados), mas do investimento que fazemos deles, ou seja, da partilha. De Jesus aprendemos a dar a vida, o nosso maior investimento!
Rezar a Palavra
Senhor, abre as minhas mãos para a gratuidade,
que liberta o coração para o encontro com o outro.
Senhor, abre os meus olhos para a contemplação,
que deslumbra o coração na novidade de cada hora.
Senhor, abre os meus celeiros para a partilha,
que desprende o coração no risco de ser comunhão.
Senhor, ajuda-me a dar-me!
Viver a Palavra
Esta semana vou investir numa pessoa da qual me tenho isolado e arriscar partilhar com ela o que sou!