Mistagogia da Palavra

A maior aspiração do homem do nosso tempo é construir um mundo novo, em que a injustiça e a exploração do homem pelo homem não possam ter lugar. Este anseio responde plenamente aos desígnios de Deus. Insere-se também no plano de libertação evangélica, que visa a destruição do pecado e de todas as suas consequências. O mundo novo não pode construir-se sem Deus ou contra Deus. Não pode também surgir do ódio, da luta, da violência, pois a força propulsora da história não é a violência, mas o amor.
A 1ª leitura é do Livro dos Actos dos Apóstolos. Terminada a primeira viagem missionária, através da Ásia Menor, Paulo regressa a Antioquia, visitando pelo caminho as comunidades nascidas do seu trabalho, sob a acção do Espírito Santo. Preocupa-se sobretudo em consolidar as jovens comunidades, preparando-as para suportarem as tribulações. Ao mesmo tempo organiza hierarquicamente a Igreja, pondo à sua frente os anciãos (presbíteros) por ele escolhidos. Assim se asseguravam as relações entre a Igreja local e a universal.
A 2ª leitura é do Livro do Apocalipse. A Ressurreição de Jesus não eliminou totalmente o mal, que continua a estar presente na nossa vida. Contudo a humanidade conhecerá um dia, em Cristo, a vitória plena e definitiva sobre o mal. No fim dos tempos, a humanidade resplandecerá com a mesma juventude de Deus, e o próprio mundo material será transformado, transformação que se vai já realizando pelo trabalho do homem. A obra iniciada na manhã de Páscoa atingirá a sua plenitude.
A leitura do Evangelho é de S. João. Jesus entrega aos discípulos, como seu testamento espiritual, o mandamento novo: amar os homens, nossos irmãos, como Ele os amou, até ao amor do inimigo, até ao dom da vida, até às últimas consequências. É este amor que torna a Igreja, esta “nova” comunidade de Deus com os homens, uma comunidade distinta de todas as comunidades humanas e um sinal do “mundo novo”, onde só se fala uma linguagem – a do amor

A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra
Vem Espírito Santo, lava-me e ensina-me a amar os meus irmãos e irmãs.


Evangelho    Jo 13, 31-33a.34-35
Quando Judas saiu do Cenáculo, disse Jesus aos seus discípulos: «Agora foi glorificado o Filho do homem e Deus foi glorificado n’Ele. Se Deus foi glorificado n’Ele, Deus também O glorificará em Si mesmo e glorificá-l’O-á sem demora. Meus filhos, é por pouco tempo que ainda estou convosco. Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros».


Caros amigos e amigas, o evangelho convida-nos a sermos comunidade cristã, isto é, com o mesmo espírito de Cristo: irmãos e irmãs que se amam até se lavarem mutuamente os pés e a alma.

Interpelações da Palavra
“Quando Judas saiu do cenáculo”
O trecho do Evangelho (de João) que escutamos neste domingo situa-nos na véspera da execução de Jesus. Esta é uma cena de intimidade entre Jesus e os discípulos: a última ceia que celebra com eles. Jesus tem disso perfeita consciência; e de tão consciente, todos os seus gestos e palavras são duplamente significativos. Lembremos que lhes lavou, com delicadeza serviçal, os pés; e cheio de ternura lhes diz: «Meus filhos, é por pouco tempo que ainda estou convosco». Os últimos momentos de Jesus com a sua comunidade foram de ternura, delicadeza e serviço. Nenhum deles O percebeu. E Judas, provavelmente o único que O percebeu, tragicamente decidido, sai do cenáculo e abandona a comunidade, pois tem outra missão: entregar o mestre das palavras mansas e do serviço fiel e carinhoso.

“Dou-vos um mandamento novo”
A comunidade acabada de nascer da ternura de Jesus é pequena e frágil. Como as sementes. Tudo, porém, está em risco, menos o amor de Jesus que confia naqueles discípulos frágeis e volúveis. Que será daquele pequenino rebanho quando caçarem o pastor e o degolarem como um cordeiro tenro?
Antes de morrer, Jesus deixa-lhes um presente: “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei”. Que presente! Que força poderosa capaz de transformar o futuro! Sempre que os discípulos de Jesus se amarem mutuamente tal amor, aquele com que Jesus os amou – e amou-os com amor escravo, lavando-lhes inclusive os pés! – hão-de sentir a presença do Mestre no meio deles!
O Senhor que em breve lhes será arrebatado deixou a ternura e a tremura do seu amor entregue à fragilidade dos discípulos e discípulas, de espírito embotado. E assim, onde está o amor de Jesus, Ele está. E onde está Jesus ninguém fica só ou ocioso, pelo que o Evangelho continuará a difundir-se. Só o amor é missionário!

“Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos”
Cada tempo carece de discípulas e discípulos, servos do amor que incendeiem o mundo! Por essa razão, Jesus acrescentou: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros”; o que permitirá que a comunidade seja realmente missionária, isto é, discípula e serva do Amor; e não o será pela confissão de uma doutrina, nem pela ortodoxia dos ritos, nem pelo cumprimento rigoroso de uma disciplina. O que torna uma comunidade cristã e missionária é o amor dado sem preço, tal como o de Jesus que se desviveu pelos seus discípulos e discípulas. Somos comunidades cristãs se o coração e as mãos – também as mãos! – estão banhados pelo amor de Cristo. Só o amor derramado é a nossa identidade.


Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Lava-me, Senhor,
Que estou sujo do pó do egoismo frio e do pó do orgulho insaciável.
Sujo do pó de auto-sufuciência e do pó da doutorite protocolar.
Sujo do pó da autoridade convencida e do pó da eficácia a toda a prova.
Sujo do pó da pressa e do pó dos compromissos feitos a preceito.
Sujo do pó das desilusões e do pó das desesperanças.
Lava-me, Senhor, que se não me lavas a boca, as entranhas e o coração
Nem o teu pão não me sabe a pão.

Viver a Palavra
Farei das minhas mãos que lavam, e de meu coração bacia de água que refresca.