Buscadores inquietos
Nas grandes cidades do mundo moderno, cidades que não dormem, iluminadas dia e noite, há pessoas que nunca olharam o céu, nunca viram uma estrela.
O céu do Alqueva, no coração do Alentejo, é procurado por muitos turistas que vêm simplesmente para ver as estrelas, como a última novidade nos pacotes das agências de viagens.
Faltam estrelas na noite dos homens de hoje. Faltam homens inquietos em busca de da luz. Faltam homens que façam brilhar na escuridão a luz do evangelho e indiquem o caminho para o encontro com o “mistério de Cristo” que revela o amor de um Deus que salva.
LEITURA I Is 60, 1-6
Levanta-te e resplandece, Jerusalém,
porque chegou a tua luz
e brilha sobre ti a glória do Senhor.
Vê como a noite cobre a terra
e a escuridão os povos.
Mas sobre ti levanta-Se o Senhor,
e a sua glória te ilumina.
As nações caminharão à tua luz,
e os reis ao esplendor da tua aurora.
Olha ao redor e vê:
todos se reúnem e vêm ao teu encontro;
os teus filhos vão chegar de longe,
e as tuas filhas são trazidas nos braços.
Quando o vires ficarás radiante,
palpitará e dilatar-se-á o teu coração,
pois a ti afluirão os tesouros do mar,
a ti virão ter as riquezas das nações.
Invadir-te-á uma multidão de camelos,
de dromedários de Madiã e Efá.
Virão todos os de Sabá,
trazendo ouro e incenso
e proclamando as glórias do Senhor.
Enquanto a luz chega para Jerusalém e sobre a cidade brilha a glória do Senhor, os outros povos da terra continuam na escuridão da noite. Israel torna-se o farol que indica o caminho a todos os povos e nações. Todos os reis, particularmente de Madiã, Efá e Sabá virão ao encontro da luz, trazendo os seus presentes.
Salmo 71 (72), 2.7-8.10-11.12-13 (R. cf. 11)
O verdadeiro rei de Israel é o Senhor. Todos os reis são representantes de Deus e seus filhos. O Messias é, por excelência, o verdadeiro filho. Para o rei pede-se que prestígio e poder diante dos outros reis. Ao rei pede-se que governe com justiça e que tenham em atenção os pobres, os miseráveis, os fracos e os oprimidos.
LEITURA II Ef 3, 2-3a.5-6
Irmãos:
Certamente já ouvistes falar
da graça que Deus me confiou a vosso favor:
por uma revelação,
foi-me dado a conhecer o mistério de Cristo.
Nas gerações passadas,
ele não foi dado a conhecer aos filhos dos homens,
como agora foi revelado pelo Espírito Santo
aos seus santos apóstolos e profetas:
os gentios recebem a mesma herança que os judeus,
pertencem ao mesmo corpo
e participam da mesma promessa,
em Cristo Jesus, por meio do Evangelho.
Paulo fala de uma revelação que ele recebeu em favor de todos. Esta revelação é um mistério escondido, o mistério de Cristo, que o Espírito Santo dá a conhecer e que consiste em que, por meio do evangelho, todos são filhos de Deus, herdeiros e membros do corpo de Cristo, mesmo os pagãos.
EVANGELHO Mt 2, 1-12
Tinha Jesus nascido em Belém da Judeia,
nos dias do rei Herodes,
quando chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente.
«Onde está _ perguntaram eles _
o rei dos Judeus que acaba de nascer?
Nós vimos a sua estrela no Oriente
e viemos adorá-l’O».
Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes ficou perturbado
e, com ele, toda a cidade de Jerusalém.
Reuniu todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo
e perguntou-lhes onde devia nascer o Messias.
Eles responderam:
«Em Belém da Judeia,
porque assim está escrito pelo profeta:
‘Tu, Belém, terra de Judá,
não és de modo nenhum a menor
entre as principais cidades de Judá,
pois de ti sairá um chefe,
que será o Pastor de Israel, meu povo’».
Então Herodes mandou chamar secretamente os Magos
e pediu-lhes informações precisas
sobre o tempo em que lhes tinha aparecido a estrela.
Depois enviou-os a Belém e disse-lhes:
«Ide informar-vos cuidadosamente acerca do Menino;
e, quando O encontrardes, avisai-me,
para que também eu vá adorá-l’O».
Ouvido o rei, puseram-se a caminho.
E eis que a estrela que tinham visto no Oriente
seguia à sua frente
e parou sobre o lugar onde estava o Menino.
Ao ver a estrela, sentiram grande alegria.
Entraram na casa,
viram o Menino com Maria, sua Mãe,
e, prostrando-se diante d’Ele, adoraram-n’O.
Depois, abrindo os seus tesouros, ofereceram-Lhe presentes:
ouro, incenso e mirra.
E, avisados em sonhos
para não voltarem à presença de Herodes,
regressaram à sua terra por outro caminho.
Alguns sábios pagãos reconhece a luz e deixam-se guiar por ela até ao lugar onde está o menino recém-nascido e sua mãe. As profecias de Israel são claras, mas os habitantes de Jerusalém em vez de se deixarem seduzir como os sábios, ficam inquietos e perturbados como Herodes. Um dia, também Jerusalém receberá a Luz, quando aquele que nasceu em Belém, ressuscitar.
Reflexão da Palavra
A primeira leitura é tirada do terceiro Isaías que retrata a situação do povo alguns anos após o regresso do exílio de Babilónia. Os que regressaram tinham ouvido os seus pais falarem da sua terra com saudade e criaram a ideia de uma terra onde corre leite e mel, onde a felicidade se consegue facilmente. Mas, não foi assim.
Os que regressaram eram filhos dos que partiram e, muitos nunca tinham estada ali, outros saíram dali em criança. Julgavam poder recuperar tudo o que os pais ali deixaram, a casa, as terras, os bens. Acontece, porém, que muitos não partiram, permaneceram ali e foram ocupando o espaço deixado pelos que partiram. Vieram instalar-se ali também algumas pessoas de outros povos, de costumes diferentes. Ao fim de cinquenta anos, nada era como antes.
Perante o desânimo, o profeta provoca a esperança anunciando a chegada da luz. Jerusalém é a Cidade Santa, a cidade do Deus Altíssimo, a cidade escolhida para ali “brilhar a glória do Senhor” pois “sobre ti levanta-Se o Senhor e a sua glória te ilumina”. Enquanto os povos permanecem na noite, na escuridão, Jerusalém, ou seja, o povo de Israel já vê resplandecer a luz. Esta luz é do Senhor e não do povo, bem como a glória pertence a Deus e não a Israel. Os sinais da chegada da luz são o regresso o regresso dos filhos e filhas desse povo, e os reis dirigem-se para a cidade Santa trazendo as suas ofertas, prestando homenagem e “proclamando as glórias do Senhor”.
O salmo é uma resposta ao desafio da esperança já presente na primeira leitura. Construído a partir da celebração de consagração do rei de Israel. Começa com uma invocação, que pede para o rei o poder de Deus, “concedei ao rei o poder de julgar”, que saiba governar com justiça, que tenha longa vida, riqueza e fama, que o seu reinado seja de prosperidade, dominando sobre os inimigos e com a vassalagem dos outros reis. Pede-se também que governe a pensar nos pobres, nos humildes, nos fracos e nos oprimidos porque são também aqueles que Deus privilegia.
O salmista sabe que um rei com estas característica só pode ser aquele que Deus prometeu a David através do profeta Natan. E nós sabemos que este rei ´Jesus, nascido em Belém. A quem os magos vieram prestar homenagem trazendo presentes.
Na carta aos efésios, Paulo fala do “mistério de Cristo”, este “mistério” é salvação dos homens. Trata-se do “mistério da vontade de Deus” de que ele fala desde o primeiro capítulo “de acordo com o beneplácito da sua vontade” (1,5), “manifestou-nos o mistério da sua vontade” (1,9), “de acordo com a decisão da sua vontade” (1,11).
Para Paulo, conhecer este mistério é uma graça que Deus lhe “confiou a vosso favor”. Não é para benefício privado, mas para alegria geral e consiste numa revelação do Espírito Santo. Esta revelação dá a conhecer o “mistério de Cristo”, a “vontade de Deus” para a salvação de todos os homens, também dos pagãos, “os gentios recebem a mesma herança que os judeus, pertencem ao mesmo corpo e participam da mesma promessa, em Cristo Jesus, por meio do Evangelho”. Esta revelação marca uma nova etapa na história, porque “nas gerações passadas, ele não foi dado a conhecer aos filhos dos homens”, mas agora pode conhecer-se “por meio do evangelho”.
Esta afirmação parece, nos tempos atuais, uma evidência, porque, não sendo judeus, nós somos participantes da herança, pertencemos “ao mesmo corpo” e participamos “da mesma promessa”, mas no tempo de Paulo não era evidente a possibilidade de os pagãos participarem da salvação realizada por Cristo. Estamos claramente em vantagem.
Os magos de que fala o evangelho de Mateus, são homens dedicados ao estudo dos astros, habituados a olhar o céu e atentos a qualquer sinal que ali se manifeste. O facto de os israelitas esperarem a chegada de um rei, o Messias, descendente de David, capaz de recuperar a paz e independência de Israel face aos romanos e a qualquer outro poder e dominar sobre a terra inteira, bem presente na primeira leitura e no salmo, faz pensar que estes seriam reis que vinham prestar homenagem ao recém-nascido rei dos judeus, mas não eram de todo reis.
A ideia de que a chegada do Messias seria antecedida por uma estrela está presente já no livro dos Números quando o profeta Balaão anuncia “eu vejo, mas não para já; contemplo-o, mas não próximo: uma estrela surge de Jacob e um cetro se ergue de Israel” (Nm 24,17), bem como no texto de Isaías que fala da luz que brilha sobre Jerusalém. Mateus reúne no mesmo texto a estrela, a promessa de Deus a David de um Messias rei e a salvação anunciada para todos os povos da terra.
O texto do evangelho revela a atitude que adotam os diversos personagens diante de Jesus. Por um lado, os pagãos que não têm a mesma fé dos judeus nem esperam, como eles, o Messias, vêm de longe atrás da luz que Isaías anunciou brilhar sobre Jerusalém. São homens curiosos que acabam por encontrar Jesus, embora o tivessem procurado apenas por curiosidade. Os sábios de Jerusalém esperam o Messias e sabem tudo acerca dele, mas não se dispõem a ir à sua procura. Herodes sente uma vez mais ameaçado o seu reinado e dispõe-se a fazer com Jesus o que já fizera com outros, inclusive com os seus filhos que se opuseram a ele.
Com esta descrição Mateus incorpora os pagãos no projeto salvífico de Deus, concedendo-lhes a possibilidade de chegarem a Jesus e realizarem o gesto mais claro da sua divindade, a adoração “viemos adorá-l’O” e “prostrando-se diante d’Ele, adoraram-n’O”. Bem como a oposição das autoridades judaica ao projeto de Deus que se revela ao longo de toda a v ida de Jesus e termina, como sabemos, com a sua morte.
Meditação da Palavra
A Palavra de Deus deste domingo, em que celebramos a Solenidade da Epifania do Senhor, coloca-nos diante da inquietação que habita no mais fundo do coração de cada homem. Todas as leituras falam desta inquietação que coloca o homem diante de Deus.
Os Magos, antes de verem a estrela já tinham em si mesmos, e conheciam bem, uma inquietação interior, mas não sabiam o seu porquê nem sabiam o que fazer com ela. Era uma insatisfação que não tinha resposta em nenhuma das suas maravilhosas descobertas astrológicas. Que inquietação era aquela? De onde vinha? Qual o seu propósito? Os Magos perguntavam a si mesmos e procuravam uma resposta nos céus, onde as estrelas e os astros os surpreendiam com muitos sinais.
Quando viram a estrela, a inquietação que tinham dentro de si, manifestou a sua razão, o seu sentido e eles partiram confiantes que encontrariam aquele que lhes podia dar a resposta que procuravam. A sua busca tornou-se uma aventura e esta aventura transformou-se numa peregrinação a Belém onde um menino tinha nascido e se encontrava deitado numa manjedoura.
Num primeiro momento sentem o conforto da estrela que segue à sua frente, mas quando a estrela desaparece sentem-se perdidos. Em Jerusalém falam da sua misteriosa descoberta “vimos a sua estrela no oriente” e pedem informações sobre aquele que o seu coração procura, “onde está o rei dos judeus que acaba de nascer?”. Dentro deles há um propósito que não os deixa desistir de procurar porque está em causa a resposta à inquietação que os desassossega há muito.Eles sabem ao que vão, “viemos adorá-lo”. A resposta à sua inquietação está no menino diante de quem desejam inclinar-se com todo o coração, com toda a alma, com todo o ser, para adorar.
A mesma inquietação encontramos nos judeus regressados do exílio de Babilónia. Tinham ouvido contar aos seus pais o esplendor das festas em honra do Senhor, Deus de Israel, das grandes peregrinações a Jerusalém, das celebrações no templo do Senhor, dos cânticos e Salmos que entoavam enquanto entravam nas muralhas e percorriam as ruas da cidade.
Ao regressar desejam reconstruir Jerusalém para retomar o ritmo de adoração que os seus pais recordavam com saudade. O entusiasmo do primeiro momento fê-los acreditar ser possível, mas rapidamente se deram conta dos obstáculos que tinham pela frente tanto na reconstrução do templo como na adoração ao Senhor, Deus de seus pais. Em Jerusalém não há só judeus. Outros povos ali se fixaram enquanto eles estiveram em Babilónia. Outros cultos, outras tradições e culturas se impuseram e influenciaram os judeus que ali ficaram a chorar. Nada parece fazer sentido, parecem ter perdido a razão, o porquê.
O profeta, porém, alerta o povo exortando-o “levanta-te” do desânimo, “levanta os olhos” e “vê” porque “chegou a tua luz e brilha sobre ti a glória do Senhor”. Em Jerusalém, não apenas os judeus, mas todos os povos virão adorar o Senhor do universo. Todos os povos ali acorrerão e já se vê a “multidão de camelos, de dromedários de Madiã e Efá”, assim como “os de Sabá, trazendo ouro e incenso”. Vêm todos “proclamando as glórias do Senhor”.
Os magos são os primeiros de muitos gentios que, seguindo a luz verdadeira cheios de esperança, se encontram com Jesus dispostos a adorá-lo. Destes fala Paulo na carta aos efésios dizendo que o Espírito Santo revelou “o mistério de Cristo”, segundo o qual, todos os homens, judeus ou gentios “receberem a mesma herança, pertencem ao mesmo corpo e participam da mesma promessa”.
Não sem obstáculo, mas chegou até nós o mistério de Cristo, revelou-se, manifestou-se a todos os povos e a nós também, para que, como os magos, encontremos resposta para a nossa inquietação, aos pés do menino nascido em Belém. O mistério de Cristo atravessou os séculos, e chegou até nós, que, por não sermos judeus somos descendentes dos pagãos, dos gentios que se deixaram guiar pela estrela, pela luz que brilha sobre Jerusalém e atrai para a adoração os homens de todos os povos e nações, todos os que transportam dentro de si a inquietação e sabem buscar aquele que pode satisfazer o desejo mais profundo do homem, o desejo de Deus. É em Belém que nasce a luz. De lá é enviada uma estrela a cada homem, chamando a fazer caminho, contornando as dificuldades e perigos, sem perder o rumo, sem abandonar o grande objetivo, adorar o Deus menino, que responde a todas as inquietações do coração humano.
Rezar a Palavra
Neste dia em que te manifestaste a todos os povos da terra, sinto em mim, como os magos, como todos os homens, uma inquietação, uma insatisfação que coisas deste mundo, por mais admiráveis que sejam, não consegue sossegar. Sei que só tu podes responder a esta inquietação, por isso, imploro a luz, a estrela que me guia para ti e me anima a fazer o caminho, a vencer os perigos e a ultrapassar os desânimos no desejo de te encontrar.
Compromisso semanal
Como os magos quero prostrar-me e adorar.