Mistagogia da Palavra

A liturgia deste domingo pode resumir-se na frase de Jesus: “Quem quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo de todos”. Esta é a norma que Jesus dá aos seus discípulos. Estes têm de trocar a ambição do poder pela atitude de serviço. Em qualquer empresa ou comunidade os chefes fazem falta. Quando são eleitos ou designados devem mostrar disponibilidade e prestar colaboração sem se esconderem atrás do egoísmo e da cobardia, mas conscientes de que a sua autoridade é serviço aos outros, à comunidade, e devem tornar-se os mais pequenos, para serem servidores de todos. Isto requer muita abnegação, renúncia aos interesses próprios e grande ascese de espírito.
A 1ª leitura é do Livro da Sabedoria. Diz-nos que os que optam por seguir a sabedoria de Deus irão ao encontro da perseguição, porque incomodam, perturbam os que continuam a construir a própria vida segundo a lógica da competição, do domínio, da exploração dos mais fracos. Foi o que aconteceu a Jesus e repete-se sempre com todos os verdadeiros crentes.
A 2ª leitura é da Epístola de São Tiago. O autor mostra como todos os ódios, todas as guerras, todos os conflitos nascem da falta de aceitação da proposta feita por Cristo no sentido de nos pormos ao serviço dos irmãos. Conclui dizendo que, por vezes, os homens chegam a fazer das suas próprias paixões objecto da sua oração: pedem a Deus que satisfaça os seus caprichos e egoísmos. Mas o que se deve pedir é a sabedoria, a capacidade de compreender o que vale na vida: o serviço dos irmãos.
O Evangelho é segundo São Marcos. Jesus está só com os discípulos. Pela segunda vez Jesus fala-lhes do Messias sofredor. Diante deste tema, a reacção dos discípulos é negativa: têm medo das consequências. Não entendem e discutem importâncias pessoais. Então Jesus indica o caminho para entender e tornar-se disponível: o serviço, a humildade, o acolhimento dos pequenos, isto é, dos pobres, simbolizados na criança que pôs diante deles.

A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra

Vem Espírito Santo, cura as minhas ambições sem sentido, com a força do serviço e de uma entrega por amor.

Evangelho    Mc 9, 30-37
Naquele tempo, Jesus e os seus discípulos caminhavam através da Galileia. Jesus não queria que ninguém o soubesse, porque ensinava os discípulos, dizendo-lhes: «O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens, que vão matá-l’O; mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará». Os discípulos não compreendiam aquelas palavras e tinham medo de O interrogar. Quando chegaram a Cafarnaum e já estavam em casa, Jesus perguntou-lhes: «Que discutíeis no caminho?». Eles ficaram calados, porque tinham discutido uns com os outros sobre qual deles era o maior. Então, Jesus sentou-Se, chamou os Doze e disse-lhes: «Quem quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo de todos». E, tomando uma criança, colocou-a no meio deles, abraçou-a e disse-lhes: «Quem receber uma destas crianças em meu nome é a Mim que recebe; e quem Me receber não Me recebe a Mim, mas Àquele que Me enviou».

Caros amigos e amigas, quantas vezes desconversamos perante Deus, face às exigências da missão que Ele nos confia! No Evangelho de hoje Jesus afronta uma delicada questão que sempre temos tendência em trazer à cena, as questões de precedências. Jesus elege o serviço e a simplicidade como critérios de grandeza.

Interpelações da Palavra

Tinham receio de o interrogar

Os discípulos sabem, por experiência, como é arriscado fazer perguntas a Jesus ou dar-lhe conselhos. Ele nunca lança propostas a meias medidas. Ele não condescende com a mediocridade do assim-assim. A Palavra de Jesus é tão acutilante que ainda hoje preferimos ficar com as nossas dúvidas engavetadas na ignorância e no pretexto da timidez do que confrontar-nos com uma resposta da parte de Jesus que sabemos que sempre nos comprometerá. Ainda hoje este receio de O interrogar nos embota o crescimento. Tememos que Jesus nos dê a lição da humildade. Tememos o que Ele nos possa pedir, vamos deixando fluir uma vida de fé morna, recitando um constante “logo se verá” que não quer fechar caminhos, mas não tem a ousadia de os rasgar.

O maior é aquele que mais ama

Tal como os discípulos, ainda hoje perdemos tanto tempo em discussões sobre precedências entre idades, estatutos, medalhas e borlas… Quantas vezes isto é causa de melindres, de amuos e de guerras, mesmo no seio da Igreja! Há um descaramento que herdámos destes apóstolos de Jesus continuando a gerir tão mal as nossas ambições! E o critério de Jesus é tão simples quando nos diz que o maior é aquele que mais serve. O nosso problema nem é tanto servir. Até servíamos sem parar, mas logo nos vem ao pensamento que aquele que mais serve não é aquele que tem mais aplausos, não é aquele que tem mais honras, não é aquele que é mais considerado. Os nossos lugares cimeiros são ocupados por gente engenhosa, capaz de passar por cima dos outros. Quantas vezes testemunhamos que aquele que mais serve parece ser o mais insensato, em frases como “não te mates muito porque ninguém te agradece!” Como entender a “importância” do serviço no escondimento? Há só uma forma de o entender e de saber que a Deus nunca é agradável o trabalho do escravo, do que luta por um agradecimento, porque o maior é aquele que mais ama e nunca se pode compreender um serviço sem amor. Sim, se amo, sou feliz a servir, porque o servir é uma expressão de amor.

Ter um coração de menino

Jesus senta-se, não fala de cima. Senta-se para que os amigos possam estar ao nível dos seus olhos e compreendam o que é disponibilizar um regaço para o pequeno. Talvez as chicotadas da vida, as traições dos outros, a consciência da fragilidade nos façam reagir de modo a sentir-nos maiores, capazes de resistir a embates. As manhas enferrujaram-nos a inocência, os vícios do calculismo instalaram-se, procuramos adestrar a defesa perante os outros. E Jesus revela-nos que o importante é sermos pequenos, capazes de receber o outro, desarmados, para que ele se sinta em casa, quando instalado no conforto do nosso coração. Precisamos de uma esperteza sim, mas não é a aprendida nas cartilhas da astúcia, é aquela que procura conquistar o Reino de Deus através de uma inocência que não é ingenuidade. Amigos e amigas, precisamos de pedir a Deus em cada manhã, com o pão de cada dia, aquela dose de inocência capaz de nos lubrificar a confiança, a tolerância, a misericórdia e o perdão. A engrenagem da Igreja fica perra, a sua caridade deixa de fluir se os nossos “interesses” bloqueiam a misericórdia, porque a misericórdia é o sumo do Evangelho!

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Senhor, que caminhas para Jerusalém semeando bondade, tem piedade da minha mesquinhez.
Que quando procuro sobrepor-me aos outros sejas Tu o meu limite…
Senhor, Tu que não procuras ser servido mas servir, envolve-me na alegria da tua entrega.
Que quando procuro recompensas, Tu sejas o meu prémio.
Senhor, Tu que me lavas os pés, e carregas o peso da minha maldade, liberta-me do egoísmo.
Que quando procuro fugir à cruz e à morte, sejas a minha Ressurreição!

Viver a Palavra

Quero servir com alegria e optar pela liberdade de não esperar recompensas pela minha entrega.