Mistagogia da Palavra
No Antigo Testamento o mandamento do amor de Deus já é completado pelo “segundo mandamento”: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Na realidade, no Antigo Testamento nunca se acreditou poder amar a Deus sem se interessar pelo homem. O amor para com Deus prolonga-se necessariamente no amor do próximo. Do princípio ao fim do Novo Testamento, o amor do próximo aparece inseparável do amor de Deus: os dois mandamentos, na verdade são um só, que é o ápice e a cúpula de toda a lei.
De facto, “quem não ama o seu irmão que vê não pode amar a Deus que não vê… quem ama a Deus ame também o seu irmão”. Não se poderia afirmar com mais clareza que, em substância, há um único amor. O amor do próximo é, pois, essencialmente religioso, não simples filantropia. É religioso pelo seu modelo: o cristão ama o próximo para imitar a Deus, que ama a todos sem distinção; mas o é sobretudo pela sua fonte, porque é obra de Deus em nós. De facto, como poderíamos ser misericordiosos como o Pai dos Céus, se o Senhor não nos ensinasse e se o Espírito Santo não o derramasse em nossos corações?
A lª leitura é do Livro do Deuteronómio. Este trecho começa com uma introdução :”Se temeres a Deus…” Este temor não significa “ter medo”, mas sim pôr-se diante d’Ele numa atitude de abandono total; significa acolher os seus projectos, a sua lógica, a sua vontade de bem. Oferece depois um excerto da oração que os Judeus recitam todos os dias até hoje. Contém uma profissão de fé no Deus único e resume toda a lei num só mandamento: o amor de Deus. Este é o único mandamento dado por Deus que exige uma resposta de amor ao seu amor. Os outros são a especificação deste.
A 2ª leitura é da Epístola aos Hebreus. Cristo é único e perfeito sacerdote da nova Aliança. Ele ressuscitou e vive para sempre no Céu, onde exerce a sua mediação de mediador entre nós e Deus. Ele é também a vítima, que Se ofereceu a Si mesmo e só Ele pode ser uma vítima santa, inocente e sem mancha. Os que exercem o sacerdócio só o fazem por participação.
O Evangelho é segundo São Marcos. Um escriba pergunta a Jesus: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?” Jesus responde com as palavras que lemos na 1ª leitura mas acrescenta: “O segundo (mandamento) é: “Amarás o próximo como a ti mesmo. Não existe nenhum mandamento maior do que estes”. Só nos podemos aproximar de Deus quando amamos. Quando se compreende isto, não se está longe do reino de Deus.
A Palavra do Evangelho
Diante da Palavra
Vem Espírito Santo,.
Evangelho segundo S. Marcos 12, 28b-34
Naquele tempo, aproximou-se de Jesus um escriba e perguntou-Lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?». Jesus respondeu: «O primeiro é este: ‘Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças’. O segundo é este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’. Não há nenhum mandamento maior que estes». Disse-Lhe o escriba: «Muito bem, Mestre! Tens razão quando dizes: Deus é único e não há outro além d’Ele. Amá-l’O com todo o coração, com toda a inteligência e com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo, vale mais do que todos os holocaustos e sacrifícios». Ao ver que o escriba dera uma resposta inteligente, Jesus disse-lhe: «Não estás longe do reino de Deus». E ninguém mais se atrevia a interrogá-l’O.
Caros amigos e amigas, estamos no cerne da definição de Deus, certamente é por aqui o caminho que nos leva ao seu mistério… mas é pena que ainda hoje se destroça a palavra amor em ambiguidades!…
Interpelações da Palavra
Qual é o primeiro?
Até parece que este escriba alinha com a “mentalidade do concurso” que continua a imperar nos nossos ecráns, nos nossos festivais, nas passarelas da moda, nos relvados dos estádios… nos escrutínios. Há a necessidade de saber quem ganha, quem está à frente, quem é mais belo, mais forte, mais… Precisamos de ídolos, temos necessidade de aclamar heróis que nos deixem alguma legitimidade para com a mediocridade. No fundo quem ou o quê consideramos o primeiro, revela-nos o nosso modo de correr, e o que queremos alcançar. Aquele escriba afinal até tinha um sentido sobre qual a importância maior… por isso deixa-nos na dúvida se aquela pergunta a Jesus seria de boa fé, ou estaria preparada para o amarfanhar na teia de mandamentos excessivos em que a Lei era pródiga?
O Senhor nosso Deus é o único Senhor
O nosso escriba, de facto não revela nenhuma criatividade na pergunta que faz a Jesus. Afinal não estava a resposta bem dada no “Shemá Israel…” que qualquer Judeu que se prezasse teria de rezar várias vezes ao dia?! Jesus não se enreda num qualquer sofisticado discurso teológico, não se mete nos meandros labirínticos, de mandamentos e de regras, mas dá a certeira e simples resposta da vida, a única resposta que qualquer amante precisa de saber para ter a vida: amar! Dizer “único Senhor” é dizer a única meta, o único mandamento, a única atitude: é entregar-lhe a vida por inteiro, porque “Deus nem pede muito nem pouco: pede tudo” (D. José Cordeiro). Ele pede tudo porque dá tudo! Significa que não podemos amar mais ninguém? Pelo contrário! Esta única meta da vida está presente nas vidas que se cruzam connosco, o nosso amor é indiviso: amamo-lO porque Ele mesmo nos amou primeiro, e amamo-lO sempre que um irmão nosso sente de nós que é amado por Deus!
Não estás longe…
No final o escriba dá a Jesus o resultado do exame que lhe faz e é máximo, mas logo Jesus dá também a sua avaliação final ao escriba e esta até parece um elogio, mas não é um “Summa cum Laude”. Talvez Jesus nos pudesse dar a mesma avaliação a nós próprios. Se nos deixássemos embeber por este amor até aos recantos mais ínfimos do nosso ser, saberíamos com Santo Agostinho: “Ama e faz o que quiseres”. O amor que Deus nos manda não é mais um fardo somado às regras, normas e leis, que todos os dias regulam a nossa vida em sociedade: mas é Ele dado a nós. O amor de Deus tudo plenifica não como obrigação a cumprir mas como um dom a acolher.
O cristão vive de amor, identifica-se por ele, age pelo amor, anuncia por amor… um amor que aquele escriba ainda nem conhecia: um amor levado até ao fim. Amigos e amigas, talvez não andemos longe, talvez até estejamos perto da teoria, talvez o pecado seja essa distância que nos separa de Deus. Talvez por nós próprios não consigamos transpor, tal distância mas talvez haja um segredo… ousemos saltar para o suavíssimo e regenerador regaço de Deus para que seja Ele a completar-nos, porque o Reino de Deus não é senão o Deus que reina pelo amor! E isto é Evangelho!
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor único, Deus próximo, Mestre de amor,
Nos “muitos” que vou acumulando preciso que sejas o meu Único Tudo…
Na tua escola creio que: reparas o meu coração ferido,
animas a minha alma desalentada, fortaleces o meu espírito inseguro
e firmas a minha imatura vontade unicamente em Ti.
Na tua escola aprendo o amor incondicional como meta e caminho.
Aprendo a sede de ser mais e melhor.
Mestre, Senhor Único, chamas-me a ser discípulo-missionário da tua escola, faz-me próximo!
Viver a Palavra
Hoje vou dar espaço para Deus como o meu único bem e o meu tudo!