Mistagogia da Palavra
Encontramos por vezes pessoas que se recusam a acreditar nas intervenções imediatas de Deus no curso dos acontecimentos. Querem buscar Deus só no miraculoso, só no excepcional. Mas temos de aprender a descobrir em tudo o que acontece a presença de Deus, que acompanha com amor providente a vida e o destino de cada homem e de cada povo. Mas só pela fé é que lá chegamos. Os próprios milagres só são compreensíveis através da fé. Como Jesus Cristo só é aceite na sua realidade através da fé. A Liturgia deste domingo vai ajudar-nos a compreender que só pela adesão à palavra de Deus é que chegaremos lá.
A 1ª leitura é do Livro do Êxodo. Diante das dificuldades que o povo de Israel sente, especialmente a fome, na travessia do deserto, surge a murmuração e a revolta, mas Deus intervém providencialmente com as codornizes e com o maná.
A 2ª leitura é de São Paulo aos Efésios. O Apóstolo exorta os cristãos convertidos do paganismo a que vivam, não como os gentios, mas de acordo com a nova condição, criada a imagem de Deus, condição de justiça e santidade verdadeiras, deixando que o Espírito renove a mentalidade. Paulo contrapõe o estilo anterior, do homem velho, corrompido pelos desejos de prazer, ao do homem novo, recriado em Cristo pelo Baptismo.
O Evangelho é segundo São João. É a introdução sobre o pão da vida que Jesus pronuncia na sinagoga de Cafarnaum, no dia seguinte à multiplicação dos pães.
Ali O encontra a multidão saciada na véspera. Vinham ali, porque no que se passara não viram mais que a fartura do estômago e, por isso, O procuram agora. Jesus promete-lhes um outro alimento que dura até à vida eterna e que Ele próprio lhes dará.
Esse pão é Ele mesmo. É o pão de Deus que desce do Céu para dar a vida ao mundo.
A Palavra do Evangelho
Evangelho Jo 6, 24-35
Naquele tempo, quando a multidão viu que nem Jesus nem os seus discípulos estavam à beira do lago, subiram todos para as barcas e foram para Cafarnaum, à procura de Jesus. Ao encontrá-l’O no outro lado do mar, disseram-Lhe: «Mestre, quando chegaste aqui?». Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: vós procurais-Me, não porque vistes milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes saciados. Trabalhai, não tanto pela comida que se perde, mas pelo alimento que dura até à vida eterna e que o Filho do homem vos dará. A Ele é que o Pai, o próprio Deus, marcou com o seu selo». Disseram-Lhe então: «Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?». Respondeu-lhes Jesus: «A obra de Deus consiste em acreditar n’Aquele que Ele enviou». Disseram-Lhe eles: «Que milagres fazes Tu, para que nós vejamos e acreditemos em Ti? Que obra realizas? No deserto os nossos pais comeram o maná, conforme está escrito: ‘Deu-lhes a comer um pão que veio do Céu’». Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu; meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do Céu. O pão de Deus é o que desce do Céu para dar a vida ao mundo». Disseram-Lhe eles: «Senhor, dá-nos sempre desse pão». Jesus respondeu-lhes: «Eu sou o pão da vida: quem vem a Mim nunca mais terá fome, quem acredita em Mim nunca mais terá sede».
Caros amigos e amigas, tantas vezes as nossas procuras não vão além da satisfação do imediato. E vamos, de insatisfação em insatisfação, adiando a vida. Hoje Jesus aposta em acender em nós aquele rastilho de ousadia capaz de buscar, para lá do pão, o alimento que nos mata a fome mais funda do nosso ser.
Interpelações da Palavra
Como chegaste aqui?
Ficam admirados com a dimensão da peregrinação humana de Jesus. Tinham comido aqueles pães, “de graça” e parecia-lhes que aquele novo líder era o que lhes convinha para assegurar uma subsistência fácil. Muitas vezes o que buscamos em Deus e na sociedade é um assistencialismo automático e sem contrapartidas, pedimos “milagres”, mas esquecemos o compromisso. Jesus trava logo aqueles raciocínios “interesseiros” e aponta uma ousadia maior: Ele não vem resolver-nos uma imediata fome de pão, mas uma crise de sentido que resolverá o pão e o caminho! Mais que buscar o pão, Ele convida-nos a buscar nele a força que nos fará sair de nós mesmos para ser pão junto aos demais.
Praticar as obras de Deus
Quando perguntamos a Jesus o que é preciso “fazer” para corresponder às obras de Deus, parece que ficamos desapontados. Acreditar n’Aquele que Ele enviou?! Mas… acreditar é obra? Admiramo-nos! No entanto, o que Jesus nos pede, não é um “fazer” mas uma confiança na própria obra de Deus. E isto não é fácil! Quereríamos ser nós a “fazer” e afinal o grande desafio é olhar o que Deus faz, aceitá-lo, acolhê-lo e laborar nele… E isto nada tem a ver com apatia e passividade, mas com a capacidade de trabalhar na própria obra de Deus. A nós, que gostamos dos direitos de autor, Ele quer que nos voltemos para a missão d’Ele. A nós que gostamos de nos destacar dos outros e do universo, Ele insiste em convidar-nos para a obra que nos fará ficar em harmonia com os outros e com o universo! Faz-nos falta ter fome, amigos e amigas. Faz-nos falta que o Outro nos faça falta. Precisamos drasticamente de encontrar uma pobreza dentro de nós que nos faça aptos para a partilha. A nós que gostamos de acumular, Ele diz que a acumulação é o gradeamento da liberdade, que só o despojamento nos libertará para tomar posse da harmonia do universo.
Eu Sou o pão da vida
Não nos basta evocarmos aqueles subsídios digestivos “caídos do céu”, Jesus diz-nos que temos de nos agarrar àquela força que nos desencarcera de nós mesmos para nos alimentarmos do Outro e nos darmos em alimento ao outro. “Dá-nos desse pão” é um pedido de fidelidade ao amor de Deus. O pão tem em si mesmo a identidade da partilha. E Ele é o Pão entregue por todos, Ele é o máximo do que Deus podia fazer por nós! O ser Ele Pão não é metáfora, é o sacramento em que Deus se esbanja para nos alimentar. Não há outro caminho para obter esse pão, senão seguir os gestos de Jesus, porque toda a semente que deseje o máximo da sua realização, sonha tornar-se Eucaristia, ou seja transformar-se em Jesus. E nós estamos nesta transformação de nós mesmos. Ser pão é a culinária do Evangelho!
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
À tua procura, Senhor, subo a barca da conquista,
porque sei que me convidas ao “outro lado do mar”…
À tua procura, Senhor, faminta da verdade, do pão e da Palavra,
mergulho na Tua presença que me completa.
Dás-te em Pão, alimento eterno, oferta de Deus, tesouro que perdura.
Pão de Deus, a ti procuro, como terra árida, sequiosa, és oásis no meu deserto
Senhor, dá-me sempre desse Pão. Procuro-te na minha fome e sede e creio que sempre me sustentas. És bom!
Viver a Palavra
Vou procurar o Pão da Eucaristia como dom do Céu que sacia a minha fome de felicidade.