Há uma casa aberta para todos
Há uma casa chamada mulher, uma mulher chamada mãe, uma mãe chamada Maria. Há um rosto de mulher feito lua cheia, uma mulher cheia de vida, uma grávida de esperança. Há uma arca da aliança, uma torre de marfim, um tesouro de ouro fino. Há uma mulher que espera um menino, um menino a nascer, um anjo a cantar. Há uma casa sempre aberta.
LEITURA I 2Sm 7, 1-5.8b-12.14a.16
Quando David já morava em sua casa e o Senhor lhe deu tréguas de todos os inimigos que o rodeavam, o rei disse ao profeta Natã: «Como vês, eu moro numa casa de cedro e a arca de Deus está debaixo de uma tenda». Natã respondeu ao rei: «Faz o que te pede o teu coração, porque o Senhor está contigo». Nessa mesma noite, o Senhor falou a Natã, dizendo: «Vai dizer ao meu servo David: Assim fala o Senhor: Pensas edificar um palácio para Eu habitar? Tirei-te das pastagens onde guardavas os rebanhos, para seres o chefe do meu povo de Israel. Estive contigo em toda a parte por onde andaste e exterminei diante de ti todos os teus inimigos. Dar-te-ei um nome tão ilustre como o nome dos grandes da terra. Prepararei um lugar para o meu povo de Israel; e nele o instalarei para que habite nesse lugar, sem que jamais tenha receio e sem que os perversos tornem a oprimi-lo como outrora, quando Eu constituía juízes no meu povo de Israel. Farei que vivas seguro de todos os teus inimigos. O Senhor anuncia que te vai fazer uma casa. Quando chegares ao termo dos teus dias e fores repousar com teus pais, estabelecerei em teu lugar um descendente que há de nascer de ti e consolidarei a tua realeza. Serei para ele um pai e ele será para Mim um filho. A tua casa e o teu reino permanecerão diante de Mim eternamente, e o teu trono será firme para sempre».
Perante a intenção manifestada pelo rei David, de construir uma casa para Senhor, Deus envia o profeta Natan para anunciar a vinda do Messias, que se concretiza em Jesus, como veremos no evangelho.
Salmo responsorial Salmo 88 (89), 2-3.4-5.27 e 29 (R. cf. 2a)
O salmo canta a misericórdia e a fidelidade de Deus no cumprimento da promessa feita a David. Esta promessa é uma aliança que terá duração eterna e será cumprida num descendente do rei que será também filho de Deus.
LEITURA II Rm 16, 25-27
Irmãos: Seja dada glória a Deus, que tem o poder de vos confirmar, segundo o Evangelho que eu proclamo, anunciando Jesus Cristo. Esta é a revelação do mistério que estava encoberto desde os tempos eternos, mas agora foi manifestado e dado a conhecer a todos os povos pelas escrituras dos Profetas, segundo a ordem do Deus eterno, para que eles sejam conduzidos à obediência da fé. A Deus, o único sábio, por Jesus Cristo, seja dada glória pelos séculos dos séculos. Amen.
Os últimos versículos da Carta de Paulo aos romanos são uma doxologia que canta a glória de Deus que se revela em Cristo. O mistério de Deus, que quer salvar o homem, revela-se em Cristo e chega até nós através do evangelho que a Igreja anuncia.
EVANGELHO Lc 1, 26-38
Naquele tempo, o Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma Virgem desposada com um homem chamado José, que era descendente de David. O nome da Virgem era Maria. Tendo entrado onde ela estava, disse o Anjo: «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo». Ela ficou perturbada com estas palavras e pensava que saudação seria aquela. Disse-lhe o Anjo: «Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo. O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David; reinará eternamente sobre a casa de Jacob, e o seu reinado não terá fim». Maria disse ao Anjo: «Como será isto, se eu não conheço homem?». O Anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus. E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice, e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril; porque a Deus nada é impossível». Maria disse então: «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra». E o anjo retirou-se de junto dela.
Deus encontra na disponibilidade de Maria a oportunidade para cumprir a promessa feita David. O nascimento de Jesus, filho do Altíssimo, é manifestação do mistério de Deus e do seu poder, força que salva o homem.
Reflexão da Palavra
A capítulo 7 do segundo livro de Samuel está na base do messianismo, segundo o qual, o Messias, descendente de David, seria o autor da salvação definitiva. O texto está atravessado pela ideia da “casa”. David mora numa “casa”, a arca do Senhor mora numa tenda. David pretende construir uma “casa” para o Senhor e revela a sua intenção a Natan. O Senhor não quer uma “casa” construída por David. O Senhor nunca pediu para lhe construírem uma “casa”. É o Senhor quem vai construir uma “casa” para David.
David alcançou um estatuto de paz e prosperidade, após a derrota dos seus principais inimigos. Vive num palácio e a arca do Senhor habita numa tenda. A intenção de David parece boa, mas Deus faz com que o rei entenda que não é ele quem dá estabilidade a Deus, construindo-lhe uma casa. É Deus quem deu e dá estabilidade ao rei, permitindo a sua continuidade no trono de Israel e garantindo que os seus descendentes também se sentem no mesmo trono, “a tua casa e o teu reino permanecerão diante de Mim eternamente e o teu trono será firme para sempre”.
Desde o início que foi Deus quem agiu em favor do rei, “tirei-te das pastagens”, “fiz de ti o chefe de Israel”, “estive contigo”, “exterminei todos os teus inimigos”, “fiz o teu nome célebre”. A estabilidade da casa de David está na mão de Deus, que é fiel e mantém a sua proteção sobre ele. Não é David quem projeta uma casa, ele entra no projeto de Deus.
O texto litúrgico do salmo responsorial é constituído por alguns versículos do salmo 88. Trata-se de um cântico no qual se pretende glorificar a Deus pela sua misericórdia e fidelidade, “Cantarei as misericórdias” e “proclamarei a sua fidelidade”. E, decalcando o texto da primeira leitura, refere-se à aliança estabelecida com David, que assegura a permanência de um descendente do rei no trono de Israel.
A carta de Paulo aos romanos termina de forma solene, com uma doxologia que terá sido acrescentada posteriormente ao texto original por um redator. Esta doxologia, com forma litúrgica, lugar onde seria usada, é uma glorificação de Deus pelo seu poder. De facto, o mistério de Deus, este poder que torna firmes todos os que recebem o evangelho de Jesus Cristo anunciado por Paulo, estava escondido aos homens. Revelado e manifestado através de escritos proféticos, que são os escritos do novo testamento onde se inclui esta carta, o mistério está, agora, ao alcance de todos “para que eles sejam conduzidos à obediência da fé”. O mistério é o poder de Deus que salva, no amor, os homens incapazes de se salvarem a si mesmos.
O evangelho de Lucas apresenta a anunciação do anjo a Maria. Esta cena vem imediatamente a seguir ao anúncio do anjo a Zacarias, pelo que já se sabe que o nome do anjo é Gabriel, o mesmo que anunciou a vinda de João. O lugar da cena é o lugar onde Maria se encontra (pode ser a sua casa), na cidade de Nazaré. Maria é uma jovem, já comprometida com José, que aguarda a realização das bodas. Ela é reconhecida como alvo da bondade de Deus e lugar da sua presença. O que ela é, é-o na relação com Deus. Ela é a “cheia de graça”, é “graça diante de Deus”. Por esta razão, “vais conceber”, “vai nascer” e “porás o nome de Jesus”.
O menino que vai nascer foi anunciado através do profeta Natan e Lucas vai lá buscar os elementos de identificação, “será grande”, “chamar-se-á filho do altíssimo”, “Deus lhe dará o trono de seu pai David”, “reinará na casa de Jacob” e “o seu reinado não terá fim”.
Perante a dificuldade de Maria que ainda não conheceu homem, o anjo dá-lhe como resposta a intervenção divina através do Espírito Santo e como garantia a gravidez de Isabel, já bem resolvida no sexto mês, acompanhada do argumento fundamental “a Deus nada é impossível”.
Perante esta revelação, Maria reconhece a sua condição de serva. Ela pertence a Deus. Só Deus com o seu poder a pode salvar da condição humana, e o poder de Deus é o amor revelado no filho que vai nascer.
Meditação da Palavra
Sentindo-se em segurança e num reino estável e próspero, David pensa construir uma casa de cedro para a arca de Deus, como lugar onde Deus pode habitar no meio do seu povo. Porém, a segurança de David e a estabilidade do seu reinado não dependem dele mas de Deus, que sempre esteve a seu lado e o acompanhou desde a juventude, quando guardava os rebanhos de seu pai, até à vitória sobre os inimigos de Israel.
Construir uma casa para Deus pode significar fechá-lo num lugar sagrado impedindo-o de acompanhar o seu povo na sua história. Por isso, Deus, através do profeta Natan, faz saber ao rei que não quer uma casa, porque “desde que tirei da terra do Egito os filhos de Israel até aos dias de hoje, não habitei em casa alguma; mas peregrinava alojado em tenda”.
Deus revela que o seu projeto vai mais longe do que o projeto de David. O projeto de Deus não se materializa numa casa de cedro, mas numa casa aberta, uma casa de pessoas, uma descendência que garante estabilidade no trono de Israel, uma relação que vai mais além e chega a ser uma relação familiar “serei para ele um pai e ele será para Mim um filho”.
Esta promessa, anunciada na primeira leitura, coloca-nos imediatamente no coração do evangelho. Maria é “desposada com um homem da casa de David chamado José”. A promessa feita por Deus a David, realiza-se por meio de uma virgem que vive numa cidade chamada Nazaré da região da Galileia.
Ao contrário de David, Maria vive de porta aberta, a sua juventude é uma promessa, está noiva de José mas continua disponível para o que Deus entender. A sua simplicidade permite a Deus revelar nela o mistério mais profundo do coração divino, a vontade de vir ao meio dos homens e caminhar com eles como um “Deus connosco”, um “Deus que salva”.
Em David há uma estabilidade aparente, uma autoconfiança que dispensa Deus, que coloca Deus à mercê do que o rei quiser dar-lhe, “eu moro numa casa de cedro e a arca de Deus está debaixo de uma tenda”. Em Maria é Deus quem dispõe dela e do seu futuro. Irrompe no lugar onde ela se encontra e transforma toda a sua estabilidade numa incerteza que significa a desordem total da sua vida.
De um momento para o outro Maria, a jovem de Nazaré, passa de virgem a grávida. De noiva de José a mãe solteira. De filha de Israel a serva do Senhor. A sua segurança é garantida unicamente por Deus. Maria torna-se, assim, a casa de Deus, o lugar onde ele habita e em quem Deus dá início ao cumprimento da promessa feita a David.
Manifestou-se ali, através do anjo, o poder de Deus, “o Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra”. É desta forma que tem início a manifestação do mistério escondido aos olhos humanos “desde tempos eternos”. Maria “conceberá”, “dará à luz um filho”, que “será grande”, “chamar-se-á filho do altíssimo”, “Deus lhe dará o trono de seu pai David”, “reinará na casa de Jacob” e “o seu reinado não terá fim”. A este menino “porá o nome de Jesus”, que significa “Deus salva”, “Deus vem salvar”.
Este menino será o evangelho anunciado por Paulo, no qual se revela o mistério que estava escondido a nossos olhos. Pela pregação, os cristãos têm acesso a esse mistério que é poder de Deus, estabilidade do homem marcado pela desordem e instabilidade da sua natureza humana. Perante esta revelação, o crente encontra a razão da sua existência e o princípio da sua salvação. O mistério escondido é a vontade que Deus tem de salvar o homem e o poder de Deus é poder do amor que salva. A revelação é feita através da pregação, o conteúdo da pregação é o evangelho, e o centro do evangelho é o menino nascido de Maria, Jesus Cristo.
A proposta de Deus para nós, que estamos à porta do Natal, é a de acolher Jesus, centro do evangelho, revelação e manifestação do mistério de Deus que quer salvar e do mistério do homem carente de salvação e incapaz de se salvar a si mesmo. Conscientes desta novidade que é grandeza do amor divino, compreendemos a resposta de Maria na disponibilidade para acolher o poder de Deus que, no seu Espírito, torna fecundas as nossas ações, disposições, projetos e sonhos.
Aprendemos com Maria a viver de porta permanentemente aberta à novidade de Deus, à sua intervenção e à desordem que a sua chegada implica na nossa vida. Com Maria aprendemos a deixar acontecer, em atitude solicita de servo disponível, o cumprimento da promessa que é vontade de Deus. E como ela cantamos a misericórdia do Senhor e a sua eterna fidelidade ao amor.
Rezar a Palavra
Abre a porta do meu coração para que o misterioso poder do teu amor desarrume a minha vida e me disponha à total confiança em ti, Senhor. Que a minha segurança e estabilidade estejam em ti, na tua promessa e na tua vontade e que a única riqueza que deseje seja a minha condição de servo.
Compromisso semanal
Vou ser como uma casa de portas abertas onde Deus pode entrar e dispor de mim.