Um barco atravessa o mar e faz cair os muros que nos separam
Iam juntos no mesmo barco. Partilhavam a mesma palavra, os mesmos silêncios. Respiravam o mesmo ar e sentiam na pele a mesma brisa da manhã, envolta na luz nova da esperança. Olhando fundo nos olhos uns dos outros, sentiam refazer-se a vida. Pouco a pouco, um após outros, iam-se levantando na força de um novo dia. Como um só homem, gritam à multidão atraindo com a voz os perdidos em si próprios. “Vinde e comei, comprai, sem dinheiro e sem despesa, vinho e leite”.
LEITURA I Jr 23, 1-6
Diz o Senhor: «Ai dos pastores que perdem e dispersam as ovelhas do meu rebanho!». Por isso, assim fala o Senhor, Deus de Israel, aos pastores que apascentam o meu povo: «Dispersastes as minhas ovelhas e as escorraçastes, sem terdes cuidado delas. Vou ocupar-Me de vós e castigar-vos, pedir-vos contas das vossas más ações – oráculo do Senhor. Eu mesmo reunirei o resto das minhas ovelhas de todas as terras onde se dispersaram e as farei voltar às suas pastagens, para que cresçam e se multipliquem. Dar-lhes-ei pastores que as apascentem, e não mais terão medo nem sobressalto; nem se perderá nenhuma delas – oráculo do Senhor. Dias virão, diz o Senhor, em que farei surgir para David um rebento justo. Será um verdadeiro rei e governará com sabedoria; há de exercer no país o direito e a justiça. Nos seus dias, Judá será salvo e Israel viverá em segurança. Este será o seu nome: ‘O Senhor é a nossa justiça’».
Através dos profetas, Deus denuncia a indiferença dos chefes de Israel que não pensam nas pessoas. Não agiram como pastores e dispersaram as ovelhas do seu rebanho. O Senhor promete mudar os pastores e enviar um descendente de David para estabelecer a paz e a segurança.
Salmo Responsorial Sl 22 (23), 1-3a.3b-4.5.6 (R. 1)
Deus é o pastor e o anfitrião dos que vivem a insegurança do caminho ou a perseguição dos inimigos. Com o seu cajado conduz, porque é um verdadeiro pastor, e cuida das suas ovelhas. Como um anfitrião senta na sua mesa e protege os perseguidos do seu povo.
LEITURA II Ef 2, 13-18
Irmãos: Foi em Cristo Jesus que vós, outrora longe de Deus, vos aproximastes d’Ele, graças ao sangue de Cristo. Cristo é, de facto, a nossa paz. Foi Ele que fez de judeus e gregos um só povo e derrubou o muro da inimizade que os separava, anulando, pela imolação do seu corpo, a Lei de Moisés com as suas prescrições e decretos. E assim, de uns e outros, Ele fez em Si próprio um só homem novo, estabelecendo a paz. Pela cruz reconciliou com Deus uns e outros, reunidos num só corpo, levando em Si próprio a morte à inimizade. Cristo veio anunciar a boa nova da paz, paz para vós, que estáveis longe, e paz para aqueles que estavam perto. Por Ele, uns e outros podemos aproximar-nos do Pai, num só Espírito.
Paulo recorda que em Cristo não há distinção entre judeus e pagãos. No sangue de Cristo uns e outros foram unidos num só povo e vivem na unidade de um só homem novo. Os de perto e os de longe estão em paz porque foram reconciliados com Deus na cruz de Jesus.
EVANGELHO Mc 6, 30-34
Naquele tempo, os Apóstolos voltaram para junto de Jesus e contaram-Lhe tudo o que tinham feito e ensinado. Então Jesus disse-lhes: «Vinde comigo para um lugar isolado e descansai um pouco». De facto, havia sempre tanta gente a chegar e a partir que eles nem tinham tempo de comer. Partiram, então, de barco para um lugar isolado, sem mais ninguém. Vendo-os afastar-se, muitos perceberam para onde iam; e, de todas as cidades, acorreram a pé para aquele lugar e chegaram lá primeiro que eles. Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-Se de toda aquela gente, porque eram como ovelhas sem pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas.
Depois de cumprirem a missão confiada por Jesus os doze tornam-se o grupo dos apóstolos. Com a mesma missão do mestre, eles sabem que tudo começa e tudo termina em Jesus e é a ele que têm que dar contas de todos os trabalhos realizados. Só reconhecendo em Jesus o messias enviado pelo Pai, podem permanecer na verdade do evangelho que anunciam.
Reflexão da Palavra
Entre os oráculos dirigidos ao povo encontramos no livro de Jeremias, um oráculo específico para os pastores. Os chefes do povo são chamados pelo profeta com a imagem tradicional de “pastores”. O modelo é o rei David, ele que anteriormente era pastor sentou-se no trono de Israel. Sendo um grande pastor para o seu povo, sobre ele caiu a promessa messiânica e tornou-se modelo de comparação para todos os seus sucessores.
No tempo do profeta Jeremias não se pode dizer que os chefes tenham sido um grande exemplo, por diversas razões. Desde logo as lutas internas pelo poder tornaram-se fratricidas após o reinado de Salomão.
O oráculo, que lemos na primeira leitura desta liturgia dominical, apresenta um esquema linear. Primeiro o profeta faz a denúncia, depois apresenta o castigo, em seguido revela a substituição dos chefes e finalmente faz uma promessa.
A denúncia revela que os chefes, em vez de apascentar “perdem e dispersam as ovelhas do meu rebanho”. O Senhor afirma claramente “dispersastes as minhas ovelhas e as escorraçastes, sem terdes cuidado delas”. No castigo as palavras são determinantes “vou ocupar-Me de vós e castigar-vos, pedir-vos contas das vossas más ações”.
Em consequência desta culpa o Senhor vai realizar duas ações. A primeira, “eu mesmo reunirei o resto das minhas ovelhas de todas as terras onde se dispersaram e as farei voltar às suas pastagens, para que cresçam e se multipliquem”. A segunda é a substituição dos maus pastores por outros “dar-lhes-ei pastores que as apascentem e não mais terão medo nem sobressalto”.
Finalmente vem a promessa. Não basta ao Senhor substituir os pastores por outros, ele vai fazer “surgir para David um rebento justo. Será um verdadeiro rei e governará com sabedoria; há de exercer no país o direito e a justiça”. Só assim “Judá será salvo e Israel viverá em segurança” e desta forma todo o povo reconhecerá que “o Senhor é a nossa justiça”.
O salmo 22, tantas vezes meditado nas nossas celebrações, revela a confiança do salmista. A estruturado tem duas partes, uma a partir da imagem do pastor e outra do banquete no qual o salmista participa como convidado daquele que o protege. Significa isto que, o Senhor é o Pastor e o guarda, protege e cuida, salva e liberta, de todos os perigos, de todos os males e de todos os inimigos.
Toda a ação do Senhor, como pastor ou como anfitrião, é dirigida ao salmista “leva-me”, “conduz-me”, “reconforta-me”, “guia-me”, “enche-me”. Tudo o que o Senhor faz é “para mim”. Diante desta atenção o salmista ganha sentimentos próprios, adequados a uma tão grande proteção, “nada me falta”, “não temerei”, sente-se acompanhado pela “bondade e a graça”, como dois anjos protetores, e compromete-se a viver na “casa do Senhor para todo o sempre”.
O texto da carta aos efésios é o anúncio da realização da promessa de Jeremias e a concretização da paz e segurança que proclama o salmo.
Paulo recorda aos efésios que em Cristo há unidade e não divisão. Se antes de conhecerem Cristo havia circuncisos e incircuncisos, havia os de perto e os de longe, agora, em Cristo há um só povo, um só corpo, porque pelo sangue de Cristo foi destruído o muro da inimizade, foi realizada a promessa destinada a todos, que de todos, judeus e pagãos, constituiu um só povo e criou um homem novo que vive na paz, os que “estáveis longe” e os que “estavam perto”. Agora, uns e outros, têm acesso ao Pai e vivem em paz porque já não são dois, mas um só povo.
Como dissemos no domingo anterior, após o envio dos apóstolos, Marcos, narra a morte de João batista e com ela o fim da sua missão. A liturgia guarda esse relato para outra ocasião e segue, este domingo com o texto do regresso dos apóstolos a Jesus.
Após a missão os “doze” são chamados de apóstolos, porque agora são os “enviados” e entraram no seguimento da missão de Jesus. Ao regressarem eles “contaram-Lhe tudo”, naturalmente o bom e o mau, os sucessos e insucessos, as alegrias e os desalentos. Voltar para junto de Jesus significa, também, que a missão é de Jesus em primeiro lugar, nele começa e nele acaba e aqueles que ele envia devem dar-lhe contas do que realizaram, para não ser perderem dele, para não ficarem agarrados aos lugares nem às pessoas aonde foram enviados.
Jesus convida, então, o grupo de enviados a descansar. Vir a Jesus significa sempre descanso, alívio, recuperar de forças. O descanso proposto num lugar isolado, mais do que um lugar físico, é um estar com Jesus. É no barco, que eles estão na intimidade, a sós, com Jesus e é ali que eles descansam.
No final do texto abre-se a cena seguinte, da multiplicação dos pães, com a chegada de Jesus e dos discípulos a terra. A multidão que chegou primeiro, provoca em Jesus sentimentos de compaixão, porque “eram como ovelhas sem pastor”. Exatamente como o povo referido na primeira leitura, que, por causa dos chefes que não agiam como pastores, andavam perdidos e dispersos.
Jesus é o pastor prometido, o messias, “farei surgir para David um rebento justo. Será um verdadeiro rei e governará com sabedoria”, por isso, se senta a cuidar das ovelhas com a sua palavra e com o pão repartido.
Meditação da Palavra
O evangelho apresenta Jesus nos sentimentos mais profundos da compaixão, em primeiro lugar pelos discípulos regressados da missão e a precisarem de descanso e depois pelas pessoas, formando uma multidão, que acorrem a ele como ovelhas sem pastor.
Desta forma, Marcos adianta que, aquele Jesus que já conhecemos como sendo o Filho de Deus, é também o “rebento justo”, descendente de David, prometido por Deus para os tempos messiânicos, como “um verdadeiro rei” que “governará com sabedoria”, exercendo “no país o direito e a justiça”. O mesmo que, como profetizava Jeremias, salva Judá e dá segurança a Israel.
Conscientes de que a missão que receberam começa e termina em Jesus, e compreendendo que, misturados na multidão de gente, “havia sempre tanta gente a chegar e a partir que eles nem tinham tempo de comer”, se podiam perder do essencial, seduzidos por um ativismo sem alma ou pela ilusão do êxito alcançado, os doze, agora chamados apóstolos, regressam para intimidade de Jesus. Ele é o verdadeiro descanso para as almas, o lugar onde recuperam forças os que andam cansados, assim como recuperam do desalento os que sentiram o poder esmagador do fracasso.
Junto de Jesus contam tudo o que experienciaram, sem deixar nada, do bom ou do mau, por iluminar diante do olhar de Jesus. No diálogo com o mestre aprendem os verdadeiros sentimentos do pastor que dá a vida pelas suas ovelhas, sempre disponível e sempre pronto para se oferecer pela unidade do seu rebanho e atraindo novas ovelhas para o redil.
É no barco, navegando lentamente ao redor do lago da Galileia, que se dá o encontro a sós com Jesus. O tempo é pouco, mas suficiente para recomeçar. Diante deles está uma multidão. São as pessoas do tempo de Jesus, iguais às de hoje e semelhantes às do tempo de Jeremias. Todas, umas e outras, vivem uma experiência de abandono, andam perdidas e tresmalhadas, “como ovelhas sem pastor”, por causa dos chefes que não sabem apascentar e vivem centrados em si próprios e nos seus interesses e problemas.
Agora, porém, o Messias anunciado, está ali para as cuidar ensinando demoradamente e repartindo o pão por todos, a fim de que recuperem as forças do corpo e da alma. Também hoje Jesus se torna presente e disponível para acolher, ensinar e cuidar todos os que, desalentados, se sentem como ovelhas perdidas, filhos pródigos, ou pecadores marginalizados.
É através da missão dos apóstolos de hoje, aqueles que ele chama a si e envia ao mundo, que Jesus continua a cuidar, para que ninguém ande perdido, disperso, tresmalhado e todos recebam o pedaço de pão que lhes corresponde na partilha espiritual da vida renovada na cruz de Jesus.
É através dos pastores que hoje servem a Igreja, padres e muitos leigos, homens e mulheres que vivem segundo o coração misericordioso do Pai, que Deus, faz de todos um só povo, como recorda Paulo na carta aos efésios. De facto, antes havia incircuncisos e circuncisos, havia judeus e pagãos, uns estavam longe e outros pertos, uns tinham a lei de Moisés e outros não tinham lei. Agora, porém, pela cruz, “graças ao sangue de Cristo”, “pela imolação do seu corpo”, “pela cruz”, fomos todos reconciliados com Deus, somos todos “um só homem novo”, formamos todos “judeus e gregos um só povo”, “reunidos num só corpo”. Podemos viver todos em paz porque ele “derrubou o muro da inimizade” que nos separava, anulou a lei e estabeleceu a paz. Agora, como um único povo, todos podemos “aproximar-nos do Pai, num só Espírito”.
Nesta altura do ano, é importante que todos aqueles que trabalham habitualmente na missão evangelizadora da Igreja, padres, diáconos, leigos, jovens e adultos, todos, encontrem tempo para estar com Jesus, mesmo deixando algumas tarefas habituais por fazer, e descansar para recuperar as forças e o entusiasmo pela missão.
Rezar a Palavra
Quanta riqueza se esconde no mistério da tua cruz, Senhor, e no teu sangue derramado. Em ti e no mistério da tua compaixão por nós renovam-se todas as coisas. Principalmente nós, os homens, com tantas inimizades, tantos interesses próprios, que nos impedem a verdadeira fraternidade, o verdadeiro amor, a vida partilhada que eleva os homens à mesma dignidade. Por isso, vivemos com inimizades, indiferenças, distanciamentos, desconfianças, muros que nos separam e impedem a paz e não permitem o descanso interior. Em ti, Senhor, encontramos o evangelho vivo que nos reconcilia com Deus, nos faz irmãos, membros do único povo que tem o mesmo Pai. Senhor, Jesus, pastor de Israel, rebento novo da casa de David, dá-nos a tua paz. Sê tu a nossa segurança. Sê o lugar do nosso descanso.
Compromisso semanal
Vou a Jesus e encontro nele o meu descanso e a minha paz.