Quando dormir se torna desgraça

Todos o conheciam e fugiam dele o mais que podiam para não se deixarem enganar pela sua conversa. Andava sempre aflito e a saltar de patrão em patrão. Demorava-se pouco em cada trabalho. Havia nele uma tal inquietação que só a fome o obrigava a pensar.

Bateu à porta altas horas da noite. Precisava de trabalho para sustentar a família. A conversa foi bonita, as palavras sentidas, e convenceu. Como sempre, não demorou muito para o encontrarem a dormir escondido atrás de uma sacas de trigo. “Assim não!”, exclamou o patrão, “já não é a primeira vez, nem a segunda, voltei a cair na tua conversa porque tive pena de ti. Nunca mais te quero ver. Não és de confiança”.

LEITURA I Sb 18, 6-9

A noite em que foram mortos os primogénitos do Egito
foi dada previamente a conhecer aos nossos antepassados,
para que, sabendo com certeza
a que juramentos tinham dado crédito,
ficassem cheios de coragem.
Ela foi esperada pelo vosso povo,
como salvação dos justos e perdição dos ímpios,
pois da mesma forma que castigastes os adversários,
nos cobristes de glória, chamando-nos para Vós.
Por isso os piedosos filhos dos justos
ofereciam sacrifícios em segredo
e de comum acordo estabeleceram esta lei divina:
que os justos seriam solidários nos bens e nos perigos;
e começaram a cantar os hinos de seus antepassados.

A leitura dos acontecimentos passados é importante para reconhecer que Deus não esquece a sua aliança. Ao ver como Deus liberta o seu povo dos inimigos, Israel aproxima-se de Deus, oferece sacrifícios, canta hinos de louvor e vive a solidariedade para com todos.

Salmo 32 (33), 1.12.18-19.20.22 (R. 12b)

Porque Deus vela, contempla e observa, o seu povo confia, “do céu o Senhor contempla… depositamos em ti a nossa confiança”. É feliz o povo que tem o Senhor por seu Deus, pois sua palavra é verdadeira, ele disse e tudo foi feito, criou os céus e a terra e domina os planos das nações. O Senhor liberta da morte e alegra o coração.

LEITURA II – Forma longa Heb 11, 1-2.8-19

Irmãos:
A fé é a garantia dos bens que se esperam
e a certeza das realidades que não se veem.
Ela valeu aos antigos um bom testemunho.
Pela fé, Abraão obedeceu ao chamamento
e partiu para uma terra que viria a receber como herança;
e partiu sem saber para onde ia.
Pela fé, morou como estrangeiro na terra prometida,
habitando em tendas, com Isaac e Jacob,
herdeiros, como ele, da mesma promessa,
porque esperava a cidade de sólidos fundamentos,
cujo arquiteto e construtor é Deus.
Pela fé, também Sara recebeu o poder de ser mãe
já depois de passada a idade,
porque acreditou na fidelidade d’Aquele que lho prometeu.
É por isso também que de um só homem
_ um homem que a morte já espreitava _
nasceram descendentes tão numerosos como as estrelas do céu
e como a areia que há na praia do mar.
Todos eles morreram na fé,
sem terem obtido a realização das promessas.
Mas vendo-as e saudando-as de longe,
confessaram que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra.
Aqueles que assim falam
mostram claramente que procuram uma pátria.
Se pensassem na pátria de onde tinham saído,
teriam tempo de voltar para lá.
Mas eles aspiravam a uma pátria melhor,
que era a pátria celeste.
E como Deus lhes tinha preparado uma cidade,
não Se envergonha de Se chamar seu Deus.
Pela fé, Abraão, submetido à prova,
ofereceu o seu filho único Isaac,
que era o depositário das promessas,
como lhe tinha sido dito:
«Por Isaac será assegurada a tua descendência».
Ele considerava que Deus pode ressuscitar os mortos;
por isso, numa espécie de prefiguração,
ele recuperou o seu filho.

O testemunho de Abraão e Sara, serve ao autor da carta ao Hebreus para recordar que a fé é confiança na palavra de Deus. Por causa dessa palavra, Abraão fez um longo caminho e esperou contra toda a esperança. O cristão também tem uma palavra que é promessa. Também ele tem um caminho longo a fazer, um caminho que dura a sua vida toda, que implica uma total confiança no cumprimento da promessa que só se realiza quando chegar a Deus.

EVANGELHO – Forma longa Lc 12, 32-48

Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Não temas, pequenino rebanho,
porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o reino.
Vendei o que possuís e dai-o em esmola.
Fazei bolsas que não envelheçam,
um tesouro inesgotável nos Céus,
onde o ladrão não chega nem a traça rói.
Porque onde estiver o vosso tesouro,
aí estará o vosso coração.
Tende os rins cingidos e as lâmpadas acesas.
Sede como homens
que esperam o seu senhor ao voltar do casamento,
para lhe abrirem logo a porta, quando chegar e bater.
Felizes esses servos, que o senhor, ao chegar,
encontrar vigilantes.
Em verdade vos digo:
cingir-se-á e mandará que se sentem à mesa
e, passando diante deles, os servirá.
Se vier à meia-noite ou de madrugada,
felizes serão se assim os encontrar.
Compreendei isto:
se o dono da casa soubesse a que hora viria o ladrão,
não o deixaria arrombar a sua casa.
Estai vós também preparados,
porque na hora em que não pensais
virá o Filho do homem».
Disse Pedro a Jesus:
«Senhor, é para nós que dizes esta parábola,
ou também para todos os outros?».
O Senhor respondeu:
«Quem é o administrador fiel e prudente
que o senhor estabelecerá à frente da sua casa,
para dar devidamente a cada um a sua ração de trigo?
Feliz o servo a quem o senhor, ao chegar,
encontrar assim ocupado.
Em verdade vos digo
que o porá à frente de todos os seus bens.
Mas se aquele servo disser consigo mesmo:
‘O meu senhor tarda em vir’,
e começar a bater em servos e servas,
a comer, a beber e a embriagar-se,
o senhor daquele servo
chegará no dia em que menos espera
e a horas que ele não sabe;
ele o expulsará e fará que tenha a sorte dos infiéis.
O servo que, conhecendo a vontade do seu senhor,
não se preparou ou não cumpriu a sua vontade,
levará muitas vergastadas.

Aquele, porém, que, sem a conhecer,
tenha feito ações que mereçam vergastadas,
levará apenas algumas.
A quem muito foi dado, muito será exigido;
a quem muito foi confiado, mais se lhe pedirá».

O discípulo de Cristo não está à espera de receber e ser servido como fazem os parasitas. O discípulo de Cristo põe tudo o que recebe de Deus ao dispor e para benefício dos outros. O Pai dá o reino e nós damos tudo o que recebemos de Deus. Só no serviço aos outros faz sentido o tempo em que se espera que o Senhor volte. E o momento do reencontro com o Senhor será feliz se ele nos encontrar assim ocupados a servir.

Reflexão da Palavra

O livro da Sabedoria, escrito um século antes de Cristo, tem por objetivo ensinar aos judeus a superioridade da fé judaica em relação à sabedoria grega. O autor vive em Alexandria e conhece a influência da filosofia na vida dos jovens judeus que habitam no estrangeiro. Preocupado, serve-se da história do seu povo. Nesta terceira parte do livro, utiliza o contraste entre o poder dos egípcios e o poder libertador que atuou em favor de Israel. Desta terceira parte é tirado o texto da primeira leitura. Trata-se do contraste entre a morte dos poderosos e a libertação dos humildes. Os egípcios mandaram matar os filhos primogénitos, e é precisamente através de um filho primogénito, que escapou à matança, que Deus vai tirar aos egípcios os seus próprios filhos: “Àqueles que tinham decidido matar os filhos dos santos… tu lhes tiraste uma multidão de filhos”.

Aquela noite ficou marcada para sempre na memória de Israel, de modo que se tornou uma celebração festiva, anual, a Páscoa, na qual todo o judeu sente que foi libertado do Egito. A ação libertadora de Deus não se cingiu àquela noite nem àqueles que eram escravos no Egito, mas a todos os judeus, descendentes destes, pelos séculos fora.

O autor do livro da Sabedoria, com as palavras do texto litúrgico deste domingo, ensina que Deus revela antecipadamente ao seu povo a salvação de modo que nunca lhes falte a coragem para fazer o caminho até à terra prometida. Ninguém que se oponha a esta libertação, sairá vitorioso, pelo que, os inimigos só podem esperar a ruína, “da mesma forma que castigastes os adversários, nos cobristes de glória”. O objetivo de Deus, chamar para si o povo, não pode ser posto em causa. Sabendo antecipadamente do plano de Deus, Israel só pode confiar e celebrar a fidelidade de Deus através do culto, “ofereciam sacrifícios em segredo… começaram a cantar os hinos de seus antepassados” e viver em unidade, tanto na sorte como na desgraça, “seriam solidários nos bens e nos perigos”.

O salmo responsorial recolhe diversos versículos ao longo de todo o salmo 32. Trata-se de um hino de louvor que, logo de início, faz um convite aos justos para exultarem e louvarem o Senhor com cântico e instrumentos musicais. Na segunda parte encontra-se a expressão que inspira o refrão, “Feliz a nação que tem o Senhor por seu Deus, o povo que Ele escolheu para sua herança”, porque o Senhor vigia lá do alto e conhece o coração de todas as coisas. Ele vela pelos seus fiéis e liberta-os da morte. Por isso, o salmista e todos os justos, esperam e confiam no Senhor.

Depois de ler a primeira leitura compreende-se melhor o conteúdo da segunda leitura. Os israelitas acreditaram, celebraram e cantaram os mesmos hinos dos seus antepassados. A Carta aos Hebreus vem recordar a fé desses antepassados, para dizer que, “a fé é a garantia dos bens que se esperam e a certeza das realidades que não se veem”. Sem verem realizada a promessa, esperaram e confiaram, viveram como “estrangeiros e peregrinos sobre a terra”, “aspiravam a uma pátria melhor”, uma “cidade de sólidos fundamentos, cujo arquiteto e construtor é Deus” e procuraram-na suportando todas as provas.

O capítulo 11 fala de homens como Abel, Henoc, Noé, Abraão, Sara, Isaac, Jacob, Moisés, os grandes da história da salvação, que viveram confiados numa palavra, numa promessa, “sabendo com certeza a que juramentos tinham dado crédito” (Sb 18, 6). O texto desta liturgia apresenta apenas a parte de Abraão e Sara como exemplos de fé para que nós, “deixando de lado todo o impedimento e todo o pecado, corramos com perseverança a prova que nos é proposta, tendo os olhos postos em Jesus, autor e consumador da fé” (Hebr 12,1).

Na sequência das leituras anteriores, o evangelho vem dizer que já está à nossa disposição o Reino de Deus que esperamos “não temas, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o reino”. Esta certeza torna suave todas as limitações e implicações do caminho. O reino já é nosso.

A confiança que Deus coloca em nós ao dar-nos o reino tem como resposta a nossa confiança nele colocando-nos ao serviço do reino. No reino tem que entrar o homem todo, coração cabeça, o corpo e alma. O homem que tem o coração preso às riquezas do mundo, que se preocupa mais com os seus bens do que com o reino, acaba por ficar fora do reino, não por culpa de Deus, mas por insensatez, preguiças ou má vontade do homem. Por isso, Jesus alerta para a necessidade de vigiar, servindo-se de três pequenas parábolas, a dos amigos do noivo: “sede como homens que esperam o seu senhor ao voltar do casamento”, a do ladrão: “se o dono da casa soubesse a que hora viria o ladrão, não o deixaria arrombar a sua casa… estai vós também preparados” e a do servo fiel: “quem é o administrador fiel e prudente que o senhor estabelecerá à frente da sua casa”.

Dar tudo na confiança em Deus, do mesmo modo que Deus dá tudo confiando em nós, é fonte de felicidade. Por várias vezes Jesus diz “felizes…” os servos vigilantes e ocupados a servir. Também fala das consequências para aqueles que não tiverem merecido a confiança do Senhor “ele o expulsará e fará que tenha a sorte dos infiéis” e “levará muitas vergastadas”.

Meditação da Palavra

A fé é a garantia dos bens que se esperam” e aqueles que têm fé tornam possível a realização dessa promessa. No mundo, nem todos esperam e nem todos acreditam e Deus, que respeita a liberdade de cada um, não desiste de dar a todos o tempo necessário para chegarem à esperança na realização da promessa. Por isso, Abraão teve que esperar cem anos para ter nos braços um filho de Sara, os Israelitas aguardaram durante quatrocentos e trinta anos pela libertação do Egito. Os discípulos de Jesus têm que aguardar a ressurreição para compreenderem o que Jesus lhes vai dizendo no caminho para Jerusalém.

Não é fácil fazer o caminho da esperança. A pressa de alcançar a meta, pode fazer desacreditar na chegada à terra prometida. Se Abraão tivesse esmorecido na esperança, diz a carta aos Hebreus, e esperasse uma realização mais imediata, teria voltado para trás, para a terra de onde tinha saído. A fé na promessa de Deus manteve-o vivo na esperança e fê-lo sentir que valiam a penas todos os esforços. Por isso, “obedeceu”, “partiu sem saber para onde”, “morou como estrangeiro”, “habitou em tendas”, porque “esperava a cidade de sólidos fundamentos, cujo arquiteto é Deus”, não procurava a realização das promessas deste mundo, mas a grande promessa da “pátria celeste”.

Na expetativa de uma pátria melhor, os israelitas “ofereciam sacrifícios em segredo e começaram a cantar os hinos dos seus antepassados”. Sabendo que eram necessários sacrifícios até chegar ao cumprimento do “juramento a que tinham dado crédito”, fizeram o pacto de serem “solidários nos bens e nos perigos” partilhando a mesma sorte.

Os discípulos de Cristo, incluindo nós, os que escutamos neste domingo a palavra, somos alertados por Jesus para a necessidade de aguardar, como Abraão e Sara e como Israel no Egito a realização da promessa no tempo de Deus.

Já somos herdeiros do Reino, mas a sua realização no cenário deste mundo não se realiza sem nós. Ser herdeiro do Reino significa ser chamado ao serviço. E servir o Reino é estar ao lodo do Senhor cuidando das suas coisas com dedicação e competência.

O tempo da realização pode tardar, “o meu senhor tarda em vir”, e prolongar-se o tempo do serviço, mas isso não dá o direito de voltar para trás, de esmorecer no serviço, de desistir da meta, de perder a esperança. Seria a desgraça do “administrador fiel e prudente que o senhor estabelecerá à frente da sua casa, para dar devidamente a cada um a sua ração de trigo”, pois, “conhecendo a vontade do seu senhor, não se preparou ou não cumpriu a sua vontade” e, por isso, levará muitas vergastadas”.

O fundamento do serviço no Reino de Deus é a confiança. Do mesmo modo que o Senhor confia em nós e nos dá, antecipadamente, o Reino como herança, somos chamados a dar tudo “vendei o que possuís e dai-o em esmola”. Livres de coração os discípulos de Cristo estão disponíveis para servir no Reino, conscientes que o seu tesouro se vai construindo no céu e para lá dirigem o seu coração na esperança certa de que chegarão a usufruir dele, quando o Senhor vier e os encontrar vigilantes e ocupados no serviço aos outros.

O Senhor quer homens felizes e não escravos. Homens realizados e não gente cheia de complexos. Realizou o sonho de Abraão e Sara dando-lhes um filho e libertou os israelitas do Egito e deu-lhes uma terra. Agora, salva-nos do medo “não temas, pequenino rebanho” e dá-nos a alegria de servir no seu reino porque nos quer felizes: “Felizes esses servos, que o senhor, ao chegar, encontrar vigilantes”. É da nossa responsabilidade sermos felizes. Recebemos muito, seremos felizes dando muito. Conhecemos a vontade do Senhor, somos felizes obedecendo e cumprido estritamente o que nos pede. Colocando-nos à frente da sua casa, somos felizes se vigiarmos para lhe abrir a porta quando chegar, seja de noite ou de dia, em hora esperada ou de surpresa. Desta forma seremos herdeiros do Reino e trabalhadores felizes ao serviço do mundo que precisa de esperança.

Rezar a Palavra

A minha pátria está no céu e aí quero construir o meu tesouro, aquele tesouro pelo qual vale a pena vender tudo o que tenho. Ensina-me, Senhor, o justo valor de todas as pedras que encontro pelo caminho para não acumular no meu alforge as riquezas que podem ser roubadas e prender nelas o meu coração. Prende o meu coração ao teu e guarda-o em ti para que seja livre no longo caminho da vida.

Compromisso semanal

Sinto a responsabilidade de ter sido chamado para servir no Reino de Deus.