Todos nós conhecemos conflitos que se estendem ao longo de muito tempo. A nossa história pessoal e a história da humanidade dão-nos conta de muitos confrontos e guerras que deixaram marcas e ressentimentos nas pessoas e nos povos.
Há memórias que só registam dificuldades e obstáculos mesmo quando alguém se propõe mediar os conflitos. O caso de Saúl e David, cujo relato ouvimos na primeira leitura, aparece como modelo de um conflito em que uma parte (Saúl) persegue e quer eliminar o outro mas sem se perceberem bem as razões que o levam a fazer guerra contra David. David, por outro lado, apresenta-se como alguém que poderia resolver as coisas respondendo da mesma maneira às intenções de Saúl, porque teve oportunidade para isso, mas respeita a vida do rei, daquele que foi ungido para exercer a missão de ser o condutor de Israel.

1. As máximas do discurso de Jesus
– No confronte que fazemos de determinados procedimentos com as indicações do Evangelho de hoje, recordamos que a chamada lei de talião, presente em códigos da antiguidade e também no Antigo Testamento, foi ultrapassada pela novidade da mensagem de Jesus. Na sua formulação mais simples e directa enunciava-se assim: “olho por olho, dente por dente”…
– Apesar de hoje entendermos que esta lei é primitiva e fazia crescer a violência, nos povos antigos ela permitia estabelecer uma proporcionalidade entre o dano causado e a pena respectiva. Contribuía assim para evitar que a parte lesada se excedesse na reparação do dano e depois se entrasse na escalada da violência. Nesta perspectiva podia dizer-se assim: “só um olho por um olho e um dente por um dente”…
– Para Jesus, este modo de fazer justiça não trava a espiral de violência e, a única forma de a impedir é a misericórdia e o perdão: “sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso”… O objectivo é que os violentos e egoístas se possam converter em agentes de paz e justiça reconhecendo os direitos e as oportunidades de todos…
– No discurso que ouvimos no Evangelho, Jesus predispõe os ouvintes a aceitar esta nova proposta, levando-os a reflectir sobre a necessidade de ser bons e compreensivos para com todos. Se, nas palavras de Jesus, encontramos exortações que quase parecem impraticáveis, outras há que estão em lugares chave da narração e servem de charneira em todo o discurso, ajudando-nos a perceber o sentido geral: “o que desejardes que os outros vos façam, fazei-lho vós também”; “amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem nada esperar em troca”; “a medida que usardes com os outros será usada convosco”…

2. Amar os inimigos e perdoar
– A par destes ensinamentos que até podem ser partilhados por outros sábios em diferentes lugares e culturas da história da humanidade, Jesus acrescenta outros mais exigentes e cuja aplicação prática nos parece quase impossível: “fazer bem aos que nos odeiam, oferecer a outra face a quem nos bate, deixar levar também a túnica ao que quer ficar com a capa, dar e perdoar sempre sem esperar qualquer recompensa…”
– As primeiras comunidades cristãs viviam no meio de conflitos provocados pelos judeus, que acusavam os cristãos de hereges e de traidores da religião de Israel ao interpretar erradamente as Escrituras do Antigo Testamento; e também pelos romanos e pelos representantes da cultura grega com a qual o cristianismo parece que não combinava por causa da maneira de pensar e viver dos cristãos…
– Hoje os contextos são, sem dúvida, diferentes mas o ódio entre as pessoas, os grupos e os povos continua a manifestar-se de muitas maneiras. E só o perdão e a reconciliação é que podem contribuir para aliviar as tensões e os conflitos.
– As palavras de Jesus só são compreendidas por quem reconhece o amor de Deus para com todos; para com os que se consideram bons e para com os que estão do outro lado: é um amor gratuito, que é dado sem esperar nada em troca…
– O amor aos inimigos faz sentido porque, na medida em que não se responde com violência, corta-se a cadeia de punição que leva sempre o outro a pensar que a resposta foi mais severa do que o delito requeria… Ao responder com amor deixa de haver razões para continuar com o ciclo da violência…
– Não é fácil perdoar a quem nos ofende, a quem nos agrediu e magoou com as suas palavras e os seus comportamentos… Mas, torna-se possível se nos abrirmos à graça, ao dom que Deus nos oferece porque é Ele que “é clemente e compassivo” (Salmo)… Teremos sempre muita dificuldade em proclamar o amor misericordioso de Deus se os nossos comportamentos não procurarem seguir no mesmo sentido…