Mistagogia da Palavra

A Liturgia da Palavra deste domingo fala-nos do amor e da misericórdia de Deus para com todos e especialmente para com os pecadores. “Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva” (Ez 33,11). Deus, Pai de todos, não marginaliza ninguém, mas alegra-se por recuperar e salvar o homem perdido na solidão do pecado, restaurando a sua dignidade própria. A misericórdia divina é uma das constantes bíblicas de toda a história da salvação humana por Deus, que culmina em Cristo, imagem e espelho da misericórdia de Deus.
A primeira leitura, do Livro do Êxodo, mostra-nos Moisés a interceder junto de Deus pelo povo israelita, que quebra a aliança e adora um ídolo de metal fundido, a imagem de um toiro. Ali se vê o coração compassivo de Deus, que perdoa e não castiga o povo. e perdoa por pura misericórdia, pois nada há nos culpados que mereça perdão. 
A 2ª leitura é da Primeira Epístola de S. Paulo a Timóteo. Paulo afirma que Deus Se serviu dele como exemplo para demonstrar quanto é grande a sua magnanimidade. Se alguém, como ele, inimigo da fé, o pior de todos os pecadores, obteve misericórdia, poderá ainda haver alguém com receio de que Deus o trate severamente?
Na 3ª leitura, do Evangelho segundo S. Lucas, são-nos propostas as parábolas da misericórdia. Na leitura breve não se lê a 3ª, porque já foi lida no passado 4º domingo da Quaresma. Jesus, ao contrário do ensino dos rabinos, diz-nos quais são os verdadeiros sentimentos de Deus. Ele – diz Jesus – não Se alegra com a destruição, mas com a ressurreição dos ímpios. A recuperação é toda obra de Deus, que só quer o bem de quem errou. Isto não pretende ser um convite a que os homens se tornem pecadores para serem amados por Deus, mas que se reconheçam como tal diante d’Ele. Para ajudar o pecador a se deixar encontrar, é necessário dizer-lhe – como faz Jesus – a verdade sobre Deus. Dar-lhe a conhecer que Deus não é um juiz de quem ter medo, mas um amigo que ama sempre e em qualquer situação e que experimenta o máximo da sua alegria quando pode abraçar, ver feliz e livre quem se precipitou no abismo da morte.

A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra
Vem Espírito Santo, ensina-me a caminhar ao encontro de Deus que mora em mim e me busca!

Evangelho    Lc 15, 1-32
Naquele tempo, os publicanos e os pecadores aproximavam-se todos de Jesus, para O ouvirem. Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo: «Este homem acolhe os pecadores e come com eles». Jesus disse-lhes então a seguinte parábola: «Quem de vós, que possua cem ovelhas e tenha perdido uma delas, não deixa as outras noventa e nove no deserto, para ir à procura da que anda perdida, até a encontrar? Quando a encontra, põe-na alegremente aos ombros e, ao chegar a casa, chama os amigos e vizinhos e diz-lhes:‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida’. Eu vos digo: Assim haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se arrependa, do que por noventa e nove justos, que não precisam de arrependimento. Ou então, qual é a mulher que, possuindo dez dracmas e tendo perdido uma, não acende uma lâmpada, varre a casa e procura cuidadosamente a moeda até a encontrar? Quando a encontra, chama as amigas e vizinhas e diz-lhes: ‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a dracma perdida’. Eu vos digo: Assim haverá alegria entre os Anjos de Deus por um só pecador que se arrependa». Jesus disse-lhes ainda: «Um homem tinha dois filhos. O mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da herança que me toca’. O pai repartiu os bens pelos filhos. Alguns dias depois, o filho mais novo, juntando todos os seus haveres, partiu para um país distante e por lá esbanjou quanto possuía, numa vida dissoluta. Tendo gasto tudo, houve uma grande fome naquela região e ele começou a passar privações. Entrou então ao serviço de um dos habitantes daquela terra, que o mandou para os seus campos guardar porcos. Bem desejava ele matar a fome com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. Então, caindo em si, disse: ‘Quantos trabalhadores de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome! Vou-me embora, vou ter com meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho, mas trata-me como um dos teus trabalhadores’. Pôs-se a caminho e foi ter com o pai. Ainda ele estava longe, quando o pai o viu: enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. Disse-lhe o filho: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho’. Mas o pai disse aos servos: ‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha. Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o vitelo gordo e matai-o. Comamos e festejemos, porque este meu filho estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado’. E começou a festa. Ora o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças. Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo. O servo respondeu-lhe: ‘O teu irmão voltou e teu pai mandou matar o vitelo gordo, porque ele chegou são e salvo’. Ele ficou ressentido e não queria entrar. Então o pai veio cá fora instar com ele. Mas ele respondeu ao pai: ‘Há tantos anos que eu te sirvo, sem nunca transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os meus amigos. E agora, quando chegou esse teu filho, que consumiu os teus bens com mulheres de má vida, mataste-lhe o vitelo gordo’. Disse-lhe o pai: ‘Filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu. Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado’».


Caros amigos e amigas: O evangelho revela-nos que Deus é um pai de coração bom, sempre disponível para buscar o que andava perdido, e favorecer o encontro, o perdão e a comunhão. Com Deus por perto (ou melhor, na comunhão com Deus) existe sempre a possibilidade de renovar a existência: Ele faz novas todas as coisas!

Interpelações da Palavra
«Aproximavam-se todos de Jesus»
De maneira alguma se pode dizer que Deus ame umas pessoas e despreze outras; que ame mais os pecadores que os justos. O correcto em afirmar-se é que Deus ama também os pecadores, e que em Jesus vem buscar o que andava perdido. Jesus, encarnação do amor de Deus, tem o coração aberto paras todos, e jamais fechado para os pecadores. Por isso, tarde ou cedo, todos nos aproximamos Dele, alguns sem o saber.
É certo que a busca da verdade nos leva ao encontro de Deus, e que a busca de Deus nos levam ao encontro pessoal com Jesus. Devemos, porém, lembrar que se muito buscamos a Deus, se muito procuramos a Jesus, se muito ansiamos por nos encontrar com Ele, muito mais Deus, em Jesus, nos busca e prepara o encontro connosco. Vamos ao encontro de Deus que vem; vamos, Ele vive dentro de nós, com a mesa posta para a ceia!

«Este homem acolhe os pecadores»
Quem tem de pregar (e viver) o Evangelho – e quem se pode eximir dessa missão?! – tem de anunciar o amor de Deus. E o amor não divide, nem exclui, nem aparta. Jesus tem coração de homem, é amor que busca a nossa debilidade, que conhece as fraquezas e misérias que somos, que não ignora o barro frágil que nos constitui. Jesus, Deus e homem, tem um coração para acolher porque ama. O amor é irmão do perdão, por isso, havemos de recordar que nas margens onde estivermos os últimos (os pecadores) para aí se dirige o Amor revestido de misericórdia e de respeito. Deus não rejeita ninguém. E Jesus, revelação do seu amor, mostra-nos que Deus sofre buscando-nos e se alegra acolhendo-nos.

«Assim haverá alegria entre os Anjos de Deus»
Onde houver amor há espaço, há encontro e comunhão. Onde há amor há alegria, há festa do acolhimento. Pode alguém recusar um amor assim? Pode alguém ficar fora de um amor assim? Porque o amor tudo envolve, ninguém fica fora do coração de Jesus. Porque o Amor é amor, grande é a sua alegria quando recupera o que estava perdido! Será uma alegria como a que há entre Deus e os Anjos, onde tudo é cheio de graça! Deus é alegria, cada (re)encontro é para ele motivo de festa. Já experimentaste uma festa assim?

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, ensina-nos a celebrar a fé, e a falar contigo tu a tu.
Senhor, ensina-nos a trabalhar pelos outros, e a estar contigo.
Senhor, ensina-nos a pensar em nós, e a pensar nos outros.
Senhor, ensina-nos a rezar, para não nos isolarmos da força do céu.
Senhor, ensina-nos a rezar, para não nos afastarmos da força da oração.
Senhor, ensina-nos a rezar, para confiarmos no poder da oração.
Senhor, ensina-nos a rezar. Amen.

Viver a Palavra
Vou afinar o ouvido para o silvo amoroso do Deus bom que se enamorou de mim, e me busca.