Que a semente não se perca numa terra preguiçosa
Não vale a pena…
Pode a vida transformar-se numa curta, incompleta e inconsequente frase. Não vale a pena…
Não vale a pena… esperar… acreditar… confiar… seguir em frente… escutar… anunciar… lutar…
Pequenas frases incompletas e inconsequentes.
É sempre possível transformar tirando o “não”.
O que não vale mesmo a pena é lançar a semente em terra preguiçosa.
LEITURA I Ez 17, 22-24
Eis o que diz o Senhor Deus: «Do cimo do cedro frondoso, dos seus ramos mais altos, Eu próprio arrancarei um ramo novo e vou plantá-lo num monte muito alto. Na excelsa montanha de Israel o plantarei, e ele lançará ramos e dará frutos e tornar-se-á um cedro majestoso. Nele farão ninho todas as aves, toda a espécie de pássaros habitará à sombra dos seus ramos. E todas as árvores do campo hão de saber que Eu sou o Senhor; humilho a árvore elevada e elevo a árvore modesta, faço secar a árvore verde e reverdeço a árvore seca. Eu, o Senhor, digo e faço».
Ezequiel anima o povo, deportado em Babilónia, a confiar no poder do Senhor. É verdade que foi a infidelidade do povo que o levou para longe da pátria, mas o Senhor não esquece o seu povo. Ele vai plantar Israel de novo na sua terra.
Salmo Responsorial Sl (92), 2-3.13-14.15-16 (R. cf. 2a)
O salmista encontra a razão da sua alegria no Senhor, Ele sabe que tudo o que Deus faz é bom, mas interroga-se sobre a prosperidade do ímpio. Como pode Deus permitir que prospere aquele que pratica o mal. A prosperidade do ímpio é aparência, depressa desaparecerá, enquanto que o bem realizado pelo justo permanece eternamente.
LEITURA II 2Cor 5, 6-l0
Irmãos: Nós estamos sempre cheios de confiança, sabendo que, enquanto habitarmos neste corpo, vivemos como exilados, longe do Senhor, pois caminhamos à luz da fé e não da visão clara. E com esta confiança, preferíamos exilar-nos do corpo, para irmos habitar junto do Senhor. Por isso nos empenhamos em ser-Lhe agradáveis, quer continuemos a habitar no corpo, quer tenhamos de sair dele. Todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo, para que receba cada qual o que tiver merecido, enquanto esteve no corpo, quer o bem, quer o mal.
Paulo sabe que um dia todos vamos comparecer diante de Deus, vê-lo face a face, e receber a recompensa pelo bem realizado. Por isso tem em si o desejo de apressar esse encontro. No entanto, enquanto isso não sucede todos devemos empenhar-nos em agradar em tudo ao Senhor.
EVANGELHO Mc 4, 26-34
Naquele tempo, disse Jesus à multidão: «O reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. Dorme e levanta-se, noite e dia, enquanto a semente germina e cresce, sem ele saber como. A terra produz por si, primeiro a planta, depois a espiga, por fim o trigo maduro na espiga. E quando o trigo o permite, logo se mete a foice, porque já chegou o tempo da colheita». Jesus dizia ainda: «A que havemos de comparar o reino de Deus? Em que parábola o havemos de apresentar? É como um grão de mostarda, que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes que há sobre a terra; mas, depois de semeado, começa a crescer e torna-se a maior de todas as plantas da horta, estendendo de tal forma os seus ramos que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra». Jesus pregava-lhes a palavra de Deus com muitas parábolas como estas, conforme eram capazes de entender. E não lhes falava senão em parábolas; mas, em particular, tudo explicava aos seus discípulos.
Nas parábolas de Jesus, ele é o semeador que lança a semente da palavra, com a qual se implanta entre os homens o Reino de Deus. Os homens são a terra que, sabendo escutar a palavra, têm a capacidade de produzir em abundância e de se tornar uma árvore onde todos se vêm abrigar.
Reflexão da Palavra
O ministério profético de Ezequiel é exercido junto dos deportados de Babilónia. O texto é uma tentativa de reanimar a esperança do povo, na sequência das deportações de Jerusalém para Babilónia. Se ficou alguma esperança em regressar à sua terra depois da primeira deportação, ela desapareceu após a segunda e mais violenta deportação realizada por Nabucodonosor, porque foi destruída Jerusalém, a cidade onde Deus habita no meio do seu povo, foi derrubado o templo, morada do Deus altíssimo, e foi deposto o rei, representante de Deus junto do seu povo. A traição de Sedecias foi a causa imediata para a ira do rei persa, mas na raiz desta desgraça está a infidelidade comunitária para com Deus.
No desterro o povo questiona se Deus, algum dia, virá libertá-lo. Ter-se-á Deus esquecido do seu povo? A humilhação é tão grande que não resta qualquer esperança e a confiança, há muito que abandonou o coração dos desterrados. Não resta mais nada, nem esperança, nem confiança e muitos menos a fé que se alimenta das duas anteriores.
Se o povo não é capaz de transformar o tempo de exílio na oportunidade para se renovar na esperança, compete ao profeta, em nome de Deus, preparar o coração do povo para a novidade que Deus está já a preparar, a fim de libertar o seu povo do sofrimento. Deus não abandonou o seu povo. Ele enviou profetas para avisar antecipadamente o povo da possibilidade que agora vive em Babilónia. E, já no desterro, desperta no jovem Ezequiel para renovar o povo na esperança.
O texto apresenta a ação libertadora de Deus através de uma parábola. Israel é comparado muitas vezes com uma vinha (Ez 15,1-8). Aqui, Israel é o cedro de Deus. Um cedro grande, que caiu na desgraça, mas o Senhor vai colher um rebento do ponto mais alto do cedro para o plantar num monte alto e ele vai crescer de novo. Trata-se de uma nova plantação com origem na anterior. A infidelidade do anterior Israel terá que ser purificada no desterro, para que surja um novo Israel. Um novo cedro que o próprio Senhor vai plantar, fazer crescer e dar frutos e vai tornar-se como uma árvore na qual se abrigam muitas aves, ou seja, onde muitas nações virão encontrar proteção.
O profeta termina mostrando uma forma diferente de Deus agir. Ele humilha quem se eleva e levanta do chão aquele que está prostrado. Esta maneira de agir é o sinal pelo qual “todas as árvores do campo hão de saber que Eu sou o Senhor”. Esta mesma expressão é repetida por Maria no Magnificat e pelo próprio Jesus (Lc 14,11).
O salmo 92 é um hino sapiencial. O salmista experimenta uma grande alegria por poder louvar o Senhor e, por isso, canta salmos, dia e noite, através dos quais louva o Senhor por todas as suas obras, fruto da sua bondade e fidelidade. A alegria do salmista vem do Senhor e não de si mesmo.
Reconhecendo que Deus é bom e todas as suas obras são boas, “tu me alegras, Senhor, com as tuas obras… são magníficas todas as tuas obras e profundos os teus desígnios”, o salmista vê-se confrontado com o facto de o ímpio prosperar, crescer e florescer. Procura, então, esclarecer os insensatos e os ignorantes que, perante o sucesso do ímpio põem em causa a bondade do Senhor. Trata-se de uma incapacidade de “ver”, pois eles, os ímpios, por muito que prosperem, cresçam e floresçam “serão exterminados para sempre”. Pelo contrário, “os justos florescerão como a palmeira e crescerão como os cedros do Líbano” e “até na velhice continuarão a dar fruto”. A diferença é que os justos estão plantados no Senhor, na “casa do Senhor” e os ímpios são como a erva que de manhã cresce e à tarde seca.
Paulo, na carta aos Coríntios, revela uma consciência clara sobre a situação do homem enquanto caminha neste mundo e sobre o que o espera após a morte. Para ele a morte não é o drama da perda de tudo quanto se tem e se é. Muito pelo contrário, como já o ouvíamos dizer no domingo passado, a ruína das realidades deste mundo é sinal de uma nova vida que adquirimos no céu “se em nós, o homem exterior vai caminhando para a ruína, o homem interior renova-se, dia após dia”.
Paulo não teme a morte, para ele trata-se de um novo nascimento no qual nos libertamos com gemidos, da opressão que significa viver “nesta tenda” enquanto não chegamos à “habitação celeste”. Despimo-nos “do que é mortal” e nos revestimos da vida. Enquanto não se dá este novo nascimento, “vivemos exilados, longe do Senhor, caminhamos pela fé”, mas o que desejamos é “morar junto do Senhor” para podermos ver claramente “face a face” e não “como num espelho, de maneira confusa” (1Cor 13,12).
Para atingir a meta o cristão prepara-se, porque o caminho pode ser longo e difícil. Esta preparação, diz Paulo, é feita por Deus no seu Espírito, “quem nos preparou para isso foi Deus, que nos deu o penhor do Espírito” (2Cor 5,5). Por isso, o crente, está “sempre confiante e consciente”, “caminha pela fé”, “cheio de confiança, “esforça-se para agradar” ao Senhor”, porque sabe que tem que se apresentar diante de Deus e receber a retribuição de acordo com o que tiver praticado “enquanto estava no corpo”.
No capítulo 4 de Marcos Jesus anuncia a Palavra através de parábolas. No texto deste domingo aparecem duas parábolas do Reino de Deus, a semente que cresce na solidão da terra e o grão de mostarda, e termina com uma conclusão.
Jesus explica aos discípulos em particular, as parábolas que diz abertamente a todos, mas censura os discípulos por não compreenderem. “não compreendeis esta parábola? Como compreendereis então todas as outras?” (Mc 4,13).
A primeira parábola afirma a existência de um homem, Jesus, que “que lançou a semente à terra” e alguém, supomos que seja o mesmo homem, que “mete a foice, porque já chegou o tempo da colheita”. Há uma semente que, lançada à terra “germina e cresce” e uma terra da qual se afirma que “produz por si”. Deste modo percebe-se que Marcos valoriza o semeador que lança a semente, a semente que cresce e a terra que produz porque é boa. Isto significa que o Reino de Deus tem a força para se implantar no meio dos homens, no entanto, o Reino tem o seu princípio e fim naquele que lança a semente, Jesus. Marcos coloca aqui um acento na qualidade da terra, pois entre a sementeira e a ceifa tudo depende da terra.
Na segunda parábola o protagonismo vai para o grão de mostarda, a mais pequena das sementes da terra. A ele se compara o Reino de Deus. Mas, supõe-se que alguém semeia e é imprescindível a terra onde a semente é lançada. A diferença entre o tamanho da semente e o tamanho da árvore que dela resulta, revela a força da semente e a qualidade da terra. Deste modo, Marcos, convida a comunidade dos crentes a acreditar na força do Reino e não a desanimar pelo facto de o processo de crescimento ser lento e até doloroso. Se a qualidade daqueles que pertencem à comunidade for boa, muitos virão e encontrarão nela acolhimento e proteção.
As parábolas têm uma leitura que precisa da experiência comunitária para ser entendida. Jesus falava de modo que eles “eram capazes de entender” e explicava tudo aos discípulos, que compreendiam a partir da intimidade da comunidade reunida à volta de Jesus.
Meditação da Palavra
Perante a realidade que os nossos olhos contemplam somos levados a colocar as questões mais sérias e profundas sobre nós, sobre a vida, sobre o presente e o futuro, sobre o porquê do sofrimento, sobre a vida eterna e sobre a recompensa após os sacrifícios da vida terrena. Questionamos também o próprio Deus, a sua forma de agir e chegamos mesmo a perguntar-nos se ele está atento e vê o que se passa a nosso lado. Não nos terá ele abandonado à nossa sorte?
A liturgia deste domingo apresenta uma grande interrogação que a Igreja se coloca a si mesma desde o início, a propósito do Reino de Deus anunciado por Jesus em Parábolas. Perante o facto de as comunidades experimentarem em si mesmas a fragilidade, tanto pelo reduzido número de membros como pela perseguição que sofrem em muitos lugares, é justo perguntar onde está a força deste Reino que não parece vencer o mundo com os seus critérios, jogos de interesse e de poder e com as suas armas.
Jesus adianta nas duas parábolas que ele, o homem que lança a semente à terra, está no início e no fim de todas as coisas. Ele é o princípio do qual brota o Reino de Deus e o fim para o qual ele se orienta. O Reino, a Palavra, é como uma semente que tem que cair na terra e morrer para dar muito fruto. Só no escondimento da terra, atingindo a quase inutilidade, a aparente perda, a semente pode vir a manifestar-se no milagre da colheita. É Deus a origem e o fim de tudo, mas Deus não quer agir sem a colaboração do homem. Marcos deixa bem claro que o papel da terra é imprescindível. A terra, que é o coração dos homens que escutam a palavra anunciada por Jesus, tem que ser boa para poder fazer brotar “primeiro a planta, depois a espiga, por fim o trigo maduro na espiga”. Do mesmo modo, e na outra parábola, o grão de trigo, como o reino, pode ser pequeno, mas tem uma força que os olhos humanos não veem, que apenas se manifesta se a terra acolher o grão. Se isso acontecer, a garantia do êxito é total, do grão brota uma árvore, da pequena comunidade brota a Igreja, onde todos encontram um lugar para se abrigarem.
Para que a pequena semente se torne uma seara abundante ou se torne árvore, não basta escutar é necessário confiar que, de noite ou de dia, dormindo ou acordados e mesmo sem saber como, “a terra produz por si”.
É dessa confiança que fala Ezequiel ao povo desanimado, desiludido, perante a dupla desgraça de duas investidas de Nabucodonosor sobre Jerusalém que arrasou a cidade, o templo e deportou o povo para Babilónia. O povo sente que já não há esperança e mais ainda, não vale a pena confiar porque desta vez nem Deus o consegue livrar. A infidelidade foi longe demais e o castigo foi demasiado forte para continuar a confiar que Deus vem salvar. O profeta tenta manter a confiança do povo, anunciando que o poder de Deus se manifesta num resto que permanece fiel. Esse resto é como o rebento de um alto cedro, que Deus corta e transplanta fazendo-o crescer até se tornar um novo cedro, da mesma origem que o primeiro mas livre da antiga infidelidade. Um cedro tão grande que é capaz de proteger muitos povos à sua sombra.
O profeta ajuda o povo a compreender o tempo de exílio como tempo de purificação e preparação para a nova etapa, um novo projeto, que Deus quer iniciar, a partir do qual todas as nações reconhecerão que só o Senhor é Deus. Um projeto que tem origem na vontade e na ação do próprio Deus e que Deus quer realizar com o contributo do seu povo renovado em Babilónia para viver na fidelidade.
Paulo recorda que este projeto salvador de Deus termina junto de Cristo, quando, livres desta “morada terrestre, a nossa tenda” adquirirmos “uma habitação no Céu”. Enquanto “permanecemos neste corpo, vivemos exilados, longe do Senhor”, mas esperamos pacientemente, “estamos sempre confiantes e conscientes”, caminhando “pela fé”, ainda que preferíssemos ver já o que nos está reservado nos céus. “Cheios de confiança” esforçamo-nos por permanecer fiéis, “esforçando-nos por agradar” ao Senhor, sabendo que ele nos há de julgar pelo bem e pelo mal que tivermos realizado, porque, como diz o salmista, os ímpios “serão exterminados para sempre”, ao passo que os justos “até na velhice continuarão a dar frutos”.
Rezar a Palavra
Perante a tua palavra, Senhor, sinto-me como Israel em Babilónia, incapaz de acreditar que, esta terra que eu sou, possa alguma vez produzir os frutos de esperança, paciência e confiança que têm aqueles que permanecem fiéis à tua aliança. Sinto-me incapaz e assustado, como a pequena semente quando é lançada à terra. Assiste-me o medo do escuro, por não poder contemplar já o que sei que me espera um dia. Falta-me a fé para caminhar confiante e consciente, como Paulo, ainda que sinta em mim o desejo de te ver face a face.
Compromisso semanal
Resisto à tentação de desanimar e desacreditar que a pequena semente da tua palavra pode ainda frutificar em mim.