Ainda no Domingo passado celebrámos o Domingo da Palavra, instituído pelo Papa Francisco para nos lembrar a riqueza inesgotável do diálogo que Deus estabelece connosco através da palavra escrita na Bíblia. Esta palavra é constantemente proclamada na Igreja e liga-nos a todos os que a lêem e escutam, mesmo que estejam impedidos de participar na assembleia litúrgica por causa do confinamento a que estamos sujeitos. Mesmo assim, a palavra não deixa de se fazer ouvir, e todos precisamos dela para nos orientarmos nestes tempos difíceis. O que é que o Senhor nos diz? Como é que nós ouvimos? Quais são os sinais que têm de ser interpretados? Quem é que fala com autoridade e orienta a nossa vida?
- Força e debilidade da palavra
– Nos tempos que correm a palavra perdeu força… Há uma inflação verbal, a manipulação de palavras; muito se diz e pouco se faz… Por vezes, até dá a impressão que a quem muito fala, menos credibilidade lhe é atribuída…
– Por outro lado, temos hoje ao nosso dispor um sem número de instrumentos para comunicar e a própria palavra pode ser acompanhada de muitas imagens e outros meios para se tornar mais compreensível… Também é importante utilizar esses recursos mas nunca se pode substituir a Palavra ou tirá-la do seu lugar principal…
– Ora, a Igreja, está fundada e apoia-se na Palavra. Sem ela, a Igreja não subsiste… E que fazemos nós da palavra que recebemos? Como a guardamos e comunicamos?
- O profeta é o homem da palavra
– O livro do Deuteronómio, na passagem da primeira leitura, põe em relevo a comunicação de Deus ao seu povo: como é que dá a conhecer a Sua vontade? No Horeb houve muitos sinais exteriores que até atemorizaram o povo (trovões, relâmpagos, nuvem sobre a montanha e o som forte da trombeta) mas o Senhor diz que há-de ser um profeta como Moisés que há-de comunicar as suas palavras ao povo e o povo compreenderá…
– Ora o profeta é aquele que, em primeiro lugar, ouve a palavra que Deus lhe comunica pessoalmente: “porei as minhas palavras na sua boca…”, que a lê nos acontecimentos históricos e na vida das pessoas, que se deixa envolver e se compromete com o que diz…
- Jesus é profeta que actua com autoridade
– No Evangelho, depois de Jesus ter chamado os primeiros discípulos (Domingo passado) diz-se que “entrou na sinagoga e começou a ensinar…”: a sinagoga era o lugar do ensino da Lei e dos Profetas e o sábado era o dia destinado a ouvir esses ensinamentos…
– No texto do Evangelho nem se diz nada do conteúdo do ensinamento de Jesus, da qualidade da sua retórica ou dos meios utilizados para comunicar… Diz-se só que ensinava com autoridade…
– Pelos vistos, os outros mestres limitavam-se a repetir e a interpretar oficialmente a Lei sem provocar quaisquer mudanças… Mas Jesus, que não era um Rabi como os outros, nem teria frequentado nenhuma escola oficial, marca uma diferença: a de falar por si mesmo, com a força do Espírito Santo que tinha recebido; a de dizer as palavras de Deus sobre os acontecimentos, de ir ao encontro das pessoas e das suas necessidades, ali representadas por aquele homem que tinha um espírito impuro… Ao mesmo tempo que fala, Jesus também actua e é daí que lhe vem a autoridade…
4. Palavra libertadora
– Na sinagoga estava um homem “com espírito impuro” que, tantas vezes escutaria o ensino formal e oficial dos fariseus e doutores da Lei; nunca se manifestou e continuava tranquilo e sereno… Fala Jesus e logo se manifesta… Porquê?
– Porque há um poder que, com a intervenção de Jesus, se sente atingido: o poder que domina as pessoas (o poder politico, o económico, o cultural com o seu discurso politicamente correcto, o próprio poder desta pandemia que parece que nos ultrapassa, e até o poder religioso…); estes poderes não deixam as pessoas livres…
– Mas a nossa atitude diante de todos estes males não pode ser só de aceitação passiva e de resignação. Os inquietos e os oprimidos perceberam a palavra de Jesus e sentiram que alguém “bulia com o sistema”… É preciso acreditar na força libertadora da palavra de Jesus. Os que estavam com o sistema “ficaram fortemente agitados…” e sentem o terreno a fugir: “o espírito imundo saiu dele”…
– Este sistema de mal é também o nosso individualismo e o sectarismo… Nesta luta contra ele, como nos ensina a pandemia, temos de ser cada vez mais solidários e, com humildade, darmos as mãos porque o combate é de todos…
Como é que a nossa palavra pode ser libertadora? O que é que nos faz falta para mexer com quem nos ouve? Onde é que procuramos a força da palavra? Nos nossos recursos, ou na força do Espírito de Deus que todos recebemos no Baptismo?…