A história da humanidade regista, em diferentes épocas ao longo dos séculos, momentos de grande crise e também de regeneração e de capacidade do homem se levantar e de fazer frente às adversidades. Os livros da Bíblia são, provavelmente, os que melhor nos relatam estes avanços e recuos da história humana porque, quando se trata de ultrapassar os desastres, não são só referidos os esforços humanos no combate às calamidades; eles narram a obra de Deus, aquilo que ele faz para recompor as coisas e sair das desgraças. Em cada página nos dizem que, por vezes, a destruição é justificada, mas não é nunca a ultima palavra de Deus, porque há salvação: o povo de Deus, aniquilado e desterrado na Babilónia, é libertado por Ciro, rei da Pérsia (1ª leitura). O amor e a misericórdia de Deus são tão grandes que, estando nós mortos pelo pecado, Ele nos restituiu à vida em Cristo (2ª leitura). Este Jesus não veio para condenar, mas para salvar. Quem caminha na luz com Ele, salva-se; só se condena quem O rejeita e prefere caminhar nas trevas (Evangelho).

  1. Castigo e perdão

– A grande mensagem de Jesus Cristo foi, sem dúvida, o amor sem limites que se traduz na misericórdia de Deus… Não foi fácil, e não é ainda, a aceitação desta proposta porque os nossos critérios de restabelecimento da justiça esbarram com os critérios de Deus…
– No Antigo Testamento (ouvimos a leitura do segundo livro das Crónicas a fazer um balanço histórico do comportamento do povo e da resposta de Deus) o equilíbrio entre a inevitabilidade do castigo e o amor de Deus, nem sempre permitiu pôr em evidência a soberania do amor, embora sem o amor de Deus e o Seu perdão o povo não tivesse subsistido…
– O texto da 1ª leitura de hoje interpreta os acontecimentos como resultado das infidelidades e do castigo divino: “eles escarneciam dos mensageiros de Deus, desprezavam as suas palavras e riam-se dos profetas, a tal ponto que deixou de haver remédio, perante a indignação do Senhor contra o seu povo…” Estas são palavras duras, que, se calhar, muita gente partilharia hoje porque entende que Deus não pode ficar indiferente, de braços cruzados a contemplar o que se passa e aceitar as injustiças… Assim pensaram alguns autores bíblicos: para eles, o Deus fiel não podia pactuar com a infidelidade e o mal e, por isso, houve castigos…
– Estas respostas até serviram durante alguns períodos da história bíblica para explicar os acontecimentos negativos e, porventura, hoje ainda encaixam nalgumas mentalidades religiosas…

  1. É preciso procurar sempre

– Com Jesus, esta forma de pensar é ultrapassada e as coisas tornam-se muito mais claras. No Evangelho de S. João lemos, em vários lugares, como alguns judeus se opuseram a Jesus e se mantiveram nos seus esquemas religiosos. Mas, entre eles, também havia homens como Nicodemos, um dos chefes, que manifestaram abertura às palavras e aos sinais de Jesus. No meio das incertezas da noite (ele vem de noite!) procura captar o sentido dos sinais e a autoridade de Jesus: veio ter com Ele e reconheceu-O como Mestre…
– Jesus aprecia o seu gesto mas adverte-o dizendo-lhe que é preciso nascer de novo (Jo 3,3), mudar a forma de pensar e abrir o coração à obra de Deus… E depois indica-lhe um sinal: “assim como Moisés elevou a serpente no deserto, assim também deve ser elevado o Filho do Homem”… A questão tem a ver com o sentido da vida e o que vai no coração do homem: a fé ou a descrença; há quem acredite e quem não acredite…
– É evidente que o sinal orienta para a cruz na qual é levantado o Filho do Homem: Ele “fez-se pecado”, “assume o veneno da serpente”, para que, de onde veio o mal, surja agora o remédio…
– É preciso ver o pecado para sair dele… Mas quem não levanta os olhos para ver Jesus na cruz permanece no caminho da morte e de uma história sem saída…
– A entrega de Jesus até à cruz é a expressão ao mesmo tempo da debilidade e da imensa ternura de Deus… “ Deus amou tanto o mundo que lhe entregou o Seu Filho Unigénito”. A iniciativa é de Deus, que ama a todos, a humanidade inteira e o mundo em que vivemos…É preciso dizer com toda a clareza: o Deus da ternura e da misericórdia é que é o Deus do Evangelho… A força de Deus não está na sua indignação e nos gestos de castigo, mas na entrega para salvar os homens, no perdão, no amor e na ternura…
– Há que passar de uma cultura religiosa e de uma certa piedade que se baseia no “medo de Deus, porque Ele castiga” para o reconhecimento da “ternura de Deus” que consiste em esforçar-se por “realizar obras segundo Deus”… Recorde-se o que diz o Evangelho: “todo aquele que pratica más acções odeia a luz e não se aproxima dela… Mas quem pratica a verdade aproxima-se da luz, para que as suas obras sejam manifestas, pois são feitas em Deus”…

  1. A nossa missão

– É nossa responsabilidade acolher a luz e caminhar no dia, sabendo que, ao nosso lado, pode haver quem prefira caminhar na noite…
– Em termos do Evangelho de João a nossa missão é acreditar que Jesus é o único salvador e que nos salvou por amor…
– Pergunta-se: qual é, efectivamente, a ideia que eu tenho da salvação que Jesus dá a todos? Dizemos que Ele é salvador, mas será que, verdadeiramente, sabemos em que consiste a salvação?…