As minhas ovelhas
No tempo em que a vida se media com ovelhas, os pastores sabiam que a sua riqueza dependia do modo como cuidavam de cada uma delas. Abraão tinha muitas ovelhas, Moisés cuidava das ovelhas do sogro, David apascentava as ovelhas do pai.
As ovelhas sentem a proteção do pastor, mas fogem dos salteadores. Jesus é o bom Pastor que conhece cada uma das suas ovelhas conduzindo-as às fontes mais puras e à fresca erva dos prados da consolação. Nele todas as ovelhas encontram descanso e proteção.
LEITURA I Atos 13, 14.43-52
Naqueles dias,
Paulo e Barnabé seguiram de Perga até Antioquia da Pisídia.
A um sábado, entraram na sinagoga e sentaram-se.
Terminada a reunião da sinagoga,
muitos judeus e prosélitos piedosos
seguiram Paulo e Barnabé,
que nas suas conversas com eles
os exortavam a perseverar na graça de Deus.
No sábado seguinte,
reuniu-se quase toda a cidade para ouvir a palavra do Senhor.
Ao verem a multidão, os judeus encheram-se de inveja
e responderam com blasfémias.
Corajosamente, Paulo e Barnabé declararam:
«Era a vós
que devia ser anunciada primeiro a palavra de Deus.
Uma vez, porém, que a rejeitais
e não vos julgais dignos da vida eterna,
voltamo-nos para os gentios,
pois assim nos mandou o Senhor:
‘Fiz de ti a luz das nações,
para levares a salvação até aos confins da terra’».
Ao ouvirem estas palavras,
os gentios encheram-se de alegria
e glorificavam a palavra do Senhor.
Todos os que estavam destinados à vida eterna
abraçaram a fé,
e a palavra do Senhor divulgava-se por toda a região.
Mas os judeus,
instigando algumas senhoras piedosas mais distintas
e os homens principais da cidade,
desencadearam uma perseguição contra Paulo e Barnabé
e expulsaram-nos do seu território.
Estes, sacudindo contra eles o pó dos seus pés,
seguiram para Icónio.
Entretanto, os discípulos
estavam cheios de alegria e do Espírito Santo.
Perante a rejeição do evangelho por parte dos judeus, Paulo e Barnabé, voltam-se para os gentios e estes, ao receberem o anúncio enchem-se de alegria e abraçam a fé. Cheios de alegria e do Espírito Santo, os discípulos continuam a sua missão sem medo das perseguições.
Salmo 99 (100), 2.4.5.6.11.12.13b (R. 3c)
O salmista convida toda a terra a aclamar o Senhor. O Senhor é Deus, um Deus pastor, em quem podemos confiar, a quem pertencemos, “somos as ovelhas do seu rebanho”. O salmista proclama que “o Senhor é bom, eterna é a sua misericórdia, a sua fidelidade estende-se de geração em geração”.
LEITURA II Ap 7, 9.14b-17
Eu, João, vi uma multidão imensa,
que ninguém podia contar,
de todas as nações, tribos, povos e línguas.
Estavam de pé, diante do trono e na presença do Cordeiro,
vestidos com túnicas brancas e de palmas na mão.
Um dos Anciãos tomou a palavra para me dizer:
«Estes são os que vieram da grande tribulação,
os que lavaram as túnicas
e as branquearam no sangue do Cordeiro.
Por isso estão diante do trono de Deus,
servindo-O dia e noite no seu templo.
Aquele que está sentado no trono
abrigá-los-á na sua tenda.
Nunca mais terão fome nem sede,
nem o sol ou o vento ardente cairão sobre eles.
O Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor
e os conduzirá às fontes da água viva.
E Deus enxugará todas as lágrimas dos seus olhos».
Aos cristãos perseguidos da Ásia, a quem dedica o livro do Apocalipse, João encoraja com esta visão, recordando que a tribulação os revestirá com túnicas brancas e lhes dará a palma do martírio, libertando-os dos sofrimentos do tempo presente.
EVANGELHO Jo 10, 27-30
Naquele tempo, disse Jesus:
«As minhas ovelhas escutam a minha voz.
Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me.
Eu dou-lhes a vida eterna e nunca hão de perecer,
e ninguém as arrebatará da minha mão.
Meu Pai, que Mas deu, é maior do que todos,
e ninguém pode arrebatar nada da mão do Pai.
Eu e o Pai somos um só».
Servindo-se da imagem do Pastor, Jesus procura dizer aos judeus que nele se cumprem as promessas feitas por Deus no passado. A falta de fé dos seus ouvintes obriga Jesus a dizer que não lhe pertencem porque não escutam a sua voz.
Reflexão da Palavra
A primeira leitura transporta-nos a Antioquia da Pisídia, no coração da Ásia Menor. Ali, num sábado, Paulo e Barnabé proclamam o evangelho de Jesus na sinagoga. Estão presentes judeus de nascimento e também convertidos ao judaísmo. Paulo deseja anunciar primeiramente aos judeus, pois a sua mensagem fala do Messias que eles aguardam, para só depois se dirigir aos gentios, ou seja, aos não judeus.
O anúncio é bem recebido por aqueles que Paulo designa como gentios – homens não judeus que se tinham convertido ao judaísmo e, por isso, se encontram na sinagoga. Porém, os judeus de nascimento rejeitam a mensagem de Paulo e Barnabé, desencadeando uma perseguição contra eles. Face a esta rejeição, os apóstolos não desistem de anunciar o evangelho e voltam-se para os gentios, declarando: “Uma vez, porém, que a rejeitais e não vos julgais dignos da vida eterna, voltamo-nos para os gentios”, fundamentando a sua decisão nas palavras de Isaías: “Fiz de ti a luz das nações, para levares a salvação até aos confins da terra”.
O salmo 99 aponta para a mensagem que vai ser escutada no evangelho, afirmando “o Senhor é Deus, Ele nos fez, a Ele pertencemos, somos o seu povo, as ovelhas do seu rebanho”.
O salmo está construído em duas partes, que incluem um convite ao louvor e indicam o motivo desse do louvor. Na primeira parte, o convite, “aclamai o Senhor, terra inteira” tem por motivo a pertença ao Senhor, “a Ele pertencemos”. Na segunda parte, o convite, “entrai pelas suas portas em ação de graças… com hinos de louvor” apresenta como motivo a bondade, a misericórdia e a fidelidade de Deus.
João vê uma multidão enorme, impossível de contar, vinda de todas as nações, tribos, povos e línguas. Esta multidão é como a descendência de Abraão, mais numerosa que as estrelas do céu. Vestem roupas brancas, pois pertencem a Deus, que está no trono, e ao Cordeiro. Seguram palmas nas mãos, lembrando as procissões festivas no templo, e louvam a Deus reconhecendo-o como o autor da salvação: “A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro”, como faziam os sacerdotes no templo.
Quem são essas pessoas na liturgia do céu? O ancião explica que são aqueles que foram consolados por Deus: Ele enxugou suas lágrimas, livrou-os da fome, da sede, do calor do sol e do vento forte, e os acolheu na sua presença.
Os primeiros leitores do Apocalipse, cristãos da Ásia Menor que sofriam perseguição, encontram esperança nesta visão. Ela mostra que todos os que passam pela “grande tribulação” e “lavaram as suas vestes e as branquearam no sangue do Cordeiro”, estarão, depois da tribulação, “diante do trono de Deus, servindo-O dia e noite no seu templo”. E o Cordeiro, como um pastor, os guiará “às fontes da água viva”.
Para compreendermos as palavras de Jesus no evangelho é necessário começar a leitura um pouco mais atrás. É inverno e Jesus está debaixo do pórtico de Salomão durante a festa da dedicação do templo. Ali o encontraram os judeus e, diz o evangelho, “rodearam-no”, expressão que revela a atitude de ameaça. Querem saber se ele é mesmo o Messias. Exigem uma resposta clara.
Jesus começa por lhes recordar a falta de fé que eles manifestam e que essa falta de fé indicia que não pertencem ao seu rebanho, “vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas”. É no seguimento deste diálogo que Jesus faz as afirmações que compõem o evangelho deste domingo.
Que têm estas palavras de importante? O povo judeu sempre se compreendeu como o rebanho, as ovelhas do Senhor. Quando Jesus diz as ovelhas lhe pertencem, “as minhas ovelhas”, está a colocar-se no lugar de Deus. Agrava a situação quando afirma “dou-lhes a vida eterna”, coisa que só Deus pode dar. E indicia que tem a vida das ovelhas na sua mão “nunca hão de perecer e ninguém as arrebatará da minha mão”, prerrogativa que só pertence a Deus. No final, identifica-se com o Pai “Eu e o Pai somos um só”. Para os judeus é difícil aceitar esta identificação.
Não dizendo abertamente que é o Messias, Jesus faz afirmações que o colocam ao nível de Deus, recorrendo a expressões presentes no Antigo Testamento como atributos divinos.
Após este pequeno texto, conta o evangelho que “os judeus voltaram a pegar em pedras para o apedrejarem”, adensando a condenação final que espera Jesus. Lendo isto, poderia pensar-se que a missão de Jesus se aproxima do fracasso, no entanto, o próprio Jesus deixa claro que há quem o escute e lhe pertença, “as minhas ovelhas escutam a minha voz. Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me”. São essas que hão de levar “a salvação até aos confins da terra”, como recorda Paulo na primeira leitura.
Meditação da Palavra
A palavra deste IV Domingo da Páscoa, conhecido como o Domingo do Bom Pastor, recorda que o projeto de salvação de Deus para toda a humanidade se realiza no meio das mais diversas contingências. Sendo bom o projeto de Deus e não podendo ser impedido de se concretizar por ninguém, pode, no entanto, sofrer alguns constrangimentos por parte daqueles que não escutam, não conhecem, não estão despertos ou se opõem à voz do Pastor.
O evangelho recorda que o próprio Jesus experimentou os obstáculos à sua pregação. Obstáculos que vinham de quem devia acolher e não rejeitar, os judeus que, esperando o Messias, se recusaram a reconhecer em Jesus o verdadeiro Pastor da humanidade. A sua falta de fé tornou-se para eles um verdadeiro obstáculo que os impediu de ver e um obstáculo para a missão de Jesus.
No diálogo com os judeus, no pórtico de Salomão, Jesus recorda-lhes que ele conhece as ovelhas que lhe pertencem, que elas ouvem a sua voz e o seguem. Jesus não diz quem são estas ovelhas, mas diz claramente que, aqueles que não escutam a sua voz não são das suas ovelhas porque, não ouvindo a sua voz, não o podem conhecer e seguir. As suas ovelhas entram na sua intimidade, formando um só rebanho junto dele, único pastor, do mesmo modo que ele vive na intimidade com o Pai ao ponto de ser um só com ele.
Esta intimidade vem do conhecimento mútuo. Ele, o pastor conhece as ovelhas e as ovelhas ouvindo a sua voz conhecem o Pastor e vivem na sua intimidade. Daí nasce a segurança que o evangelista João revela no livro do Apocalipse, “nunca mais terão fome nem sede, nem o sol ou o vento ardente cairão sobre eles… o seu pastor os conduzirá às fontes da água viva… e enxugará todas as lágrimas dos seus olhos”.
O rebanho de Jesus, bom pastor, não se confunde com um povo, uma raça ou nação, ele é constituído por homens e mulheres vindos de “todas as nações, tribos, povos e línguas”, formando “uma multidão imensa”, tão numerosa como as estrelas do céu, de acordo com a promessa feita a Abraão.
Se inicialmente o povo judeu era o rebanho a partir do qual Deus, Pastor, queria fazer chegar a todos os povos a revelação do seu amor que é salvação universal, a recusa que eles manifestaram ao plano de Deus revelado em Jesus, não pode impedir que se realize a missão confiada aos apóstolos de levar a Boa nova da salvação até aos confins da terra.
Se os judeus recusam, a mensagem cristã não pode parar, deve continuar para lá do judaísmo, através do anúncio a todos os povos da terra. A primeira leitura recorda esta compreensão dos apóstolos Paulo e Barnabé. Do mesmo modo que a cruz não foi impedimento para que Jesus se manifestasse como Messias salvador, apesar da recusa dos judeus. A perseguição movida contra os apóstolos pelos judeus, não pode impedir que cumpram a missão do evangelho. Por isso, sentindo a ameaça dos judeus, Paulo determina “Era a vós que devia ser anunciada primeiro a palavra de Deus. Uma vez, porém, que a rejeitais e não vos julgais dignos da vida eterna, voltamo-nos para os gentios, pois assim nos mandou o Senhor”.
Também os cristãos da Ásia Menor, a quem o evangelista João dirige o livro do Apocalipse, não podem deixar de cumprir a sua missão, viver a sua fé e dar testemunho de Jesus seguindo-o como ovelhas do seu rebanho, só porque vivem tempos difíceis de perseguição.
Olhando para Cristo, o Pastor Cordeiro, que passou pela cruz, atravessou a morte e chegou ao trono de Deus, também os que o seguem, hão de atravessar a dura cruz das perseguições e enfrentar a morte, na certeza plena de que hão de estar de pé, vestidos de túnicas brancas, com palmas na mão, a cantar o hino de louvor ao nosso Deus, àquele a quem pertence a salvação.
Hoje, muitos que se dizem cristãos não conhecem Cristo. Muitos que dizem acreditar em Deus não falam com ele. Muitos que dizem acreditar no evangelho nunca o leram. Não admira que a reação de muitos católicos corresponda à dos judeus do tempo de Jesus e de Paulo, recusando aceitar precisamente aquilo que faz parte do centro da fé e mostrando um distanciamento daquele em quem dizem acreditar.
Neste domingo, todos os que participam na liturgia eucarística são convidados a questionar-se sobre a sua experiência de fé. Somos cristãos por tradição ou fizemos uma opção pessoal e livre diante de Jesus e do seu evangelho? Somos cumpridores de normas religiosas e morais ou estamos comprometidos com a salvação de todos os homens pelo anúncio e testemunho do evangelho? Temos consciência de pertencer a Cristo e à Igreja ou vivemos uma fé por conta própria? Escutamos a voz do pastor ou as nossas razões? Conhecemos Jesus ou trazemos uma ideia na cabeça? Vivemos em intimidade com Deus ou fazemos dele um recurso de última hora? A resposta a estas perguntas dirá se estamos fechados nas nossas convicções ou abertos às propostas do Pastor Cordeiro, a quem pertencemos e em cujo sangue purificamos continuamente a veste do batismo que recebemos nas águas vivas da salvação.
Rezar a Palavra
Chega até mim a voz que diz: “As minhas ovelhas” e encho-me de alegria. Ser teu, pertencer-te sempre e para sempre é fonte de alegria. Sei que tenho que passar por tribulações, mas sei que sobre mim derramas o sangue que me lava, para mim estendes as mãos que enxugam lágrimas, pões a mesa e sacias a minha fome e a minha sede, abres a tua tenda para me abrigar. Escuto a tua voz e digo: “Quero ser teu para sempre”.
Compromisso semanal
Como Paulo quero levar a luz da salvação a todos os cantos do mundo.