ou da Divina Misericórdia
Pelas tuas chagas somos curados
O poder da morte desfaz-se diante da alegria da ressurreição. Aqueles que caíram diante da tristeza que a morte provoca são recuperados para a vida pela luz da ressurreição. Os que se fecharam com medo, saem para a rua anunciando a misericórdia presente nas chagas de Cristo.
LEITURA I Atos 5, 12-16
Pelas mãos dos apóstolos
realizavam-se muitos milagres e prodígios entre o povo.
Unidos pelos mesmos sentimentos,
reuniam-se todos no Pórtico de Salomão;
nenhum dos outros se atrevia a juntar-se a eles,
mas o povo enaltecia-os.
Uma multidão cada vez maior de homens e mulheres
aderia ao Senhor pela fé,
de tal maneira que traziam os doentes para as ruas
e colocavam-nos em enxergas e em catres,
para que, à passagem de Pedro,
ao menos a sua sombra cobrisse alguns deles.
Das cidades vizinhas de Jerusalém,
a multidão também acorria,
trazendo enfermos e atormentados por espíritos impuros,
e todos eram curados.
Após a ressurreição de Jesus e o Pentecostes, a atuação dos apóstolos prossegue a missão do Mestre. Ao redor deles, espontaneamente, reúnem-se inúmeras pessoas que, pela fé, aderem ao Senhor. Pedro, então, assume um papel de líder, e por onde passa, todos são curados.
Salmo Responsorial 117 (118), 2-4.22-24.25-27ª (R. 1)
Nas palavras do salmo 117 ressoa o cântico daqueles que, como Pedro, testemunharam a ressurreição, e daqueles que, como Cornélio, encontraram em Jesus o Ungido, por meio de quem, no batismo, renasceram para uma nova vida na Vigília Pascal.
LEITURA II Ap 1, 9-11a.12-13.17-19
Eu, João, vosso irmão e companheiro
nas tribulações, na realeza e na perseverança em Jesus,
estava na ilha de Patmos,
por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus.
No dia do Senhor, fui movido pelo Espírito
e ouvi atrás de mim uma voz forte,
semelhante à da trombeta, que dizia:
«Escreve num livro o que vês
e envia-o às sete Igrejas».
Voltei-me para ver de quem era a voz que me falava;
ao voltar-me, vi sete candelabros de ouro
e, no meio dos candelabros,
alguém semelhante a um filho do homem,
vestido com uma longa túnica
e cingido no peito com um cinto de ouro.
Quando o vi, caí a seus pés como morto.
Mas ele poisou a mão direita sobre mim e disse-me:
«Não temas.
Eu sou o Primeiro e o Último, o que vive.
Estive morto, mas eis-Me vivo pelos séculos dos séculos
e tenho as chaves da morte e da morada dos mortos.
Escreve, pois, as coisas que viste,
tanto as presentes como as que hão de acontecer depois destas».
João, no Apocalipse, escreve aos cristãos perseguidos da Ásia animando-os com a notícia da vitória de Jesus sobre a morte e o seu domínio sobre a morada dos mortos.
EVANGELHO Jo 20, 19-31
Na tarde daquele dia, o primeiro da semana,
estando fechadas as portas da casa
onde os discípulos se encontravam,
com medo dos judeus,
veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes:
«A paz esteja convosco».
Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado.
Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.
Jesus disse-lhes de novo:
«A paz esteja convosco.
Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós».
Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes:
«Recebei o Espírito Santo:
àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados;
e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos».
Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo,
não estava com eles quando veio Jesus.
Disseram-lhe os outros discípulos:
«Vimos o Senhor».
Mas ele respondeu-lhes:
«Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos,
se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado,
não acreditarei».
Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa
e Tomé com eles.
Veio Jesus, estando as portas fechadas,
apresentou-Se no meio deles e disse:
«A paz esteja convosco».
Depois disse a Tomé:
«Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos;
aproxima a tua mão e mete-a no meu lado;
e não sejas incrédulo, mas crente».
Tomé respondeu-Lhe:
«Meu Senhor e meu Deus!».
Disse-lhe Jesus:
«Porque Me viste acreditaste:
felizes os que acreditam sem terem visto».
Muitos outros milagres fez Jesus na presença dos seus discípulos,
que não estão escritos neste livro.
Estes, porém, foram escritos
para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus,
e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome.
O evangelho marca o ritmo semanal da celebração da ressurreição de Cristo, já presente na vida das comunidades cristãs dos primeiros anos. É no meio da comunidade, celebrando a ressurreição de Jesus, que todos são curados da cegueira que os impede de reconhecer em Jesus o Messias, o enviado pela misericórdia de Deus.
Reflexão da Palavra
No livro dos Atos dos Apóstolos encontramos três resumos da vida da comunidade de Jerusalém: At 2,42-47; 4,32-35; 5,12- 16. O texto que faz a primeira leitura do segundo domingo da Páscoa, é um desses resumos que informa o leitor sobre a união dos cristãos, a missão dos apóstolos e a adesão de muitos à fé em Jesus.
A cena passa-se no Templo de Jerusalém, mais concretamente “no Pórtico de Salomão”. Trata-se de um lugar amplo, aberto, onde qualquer pessoa pode entrar, mesmo que não seja judeu. Estas caraterísticas proporcionam o encontro de todos os crentes, como diz o texto: “unidos pelos mesmos sentimentos, reuniam-se todos”.
Este “todos” refere-se aos que tinham “abraçado a fé” em Jesus, desde a manhã de Pentecostes. Porque além destes “todos” há também “os outros”, “nenhum dos outros se atrevia a juntar-se a eles”. Esta referência revela que, os cristãos, são um grupo que frequenta o templo, mas que está à parte.
O autor do livro, Lucas, estabelece de seguida, um paralelo entre Pedro e Jesus. Do mesmo modo que, no evangelho, adianta que traziam os doentes a Jesus e ele a todos curava (Lc 4,40-41), agora atribui a Pedro esta ação como se pode ler na segunda parte do texto (v. 15-16). Lucas deixa bem claro que os crentes aderem a Jesus e não aos apóstolos e que esta adesão não se deve aos milagres, mas, pelo contrário, os milagres sucedem em consequência da adesão à fé.
O salmo 117, é uma longa ação de graças realizada no templo, provavelmente pelo rei depois de uma vitória, em nome de todo o povo. O salmo começa por convidar a todos para esta ação de graças, reconhecendo que o Senhor é bom, é eterna a sua misericórdia. O povo e o rei, passaram por momentos difíceis, “na minha angústia clamei ao Senhor”, mas “o Senhor escutou-me e pôs-me a salvo”, por isso todos vêm em cortejo ao templo, dar graças ao Senhor.
Já usado na liturgia do domingo de Páscoa, este salmo canta o dia em que se deu a maior vitória que o homem pode testemunhar, a ressurreição de Jesus, na qual vê a sua própria ressurreição.
João, autor do livro do Apocalipse, dá, logo de início, algumas indicações preciosas. Primeiro recorda que a sua situação é a de um exilado na ilha de Patmos, por causa da Palavra e do testemunho. Ele faz parte e identifica-se com a Igreja perseguida que vive momentos de grande tribulação. Em segundo lugar, recorda o dia mais importante para os cristãos, o primeiro dia da semana. Nesse dia ele próprio experiencia uma revelação que o conduz a uma visão que deve escrever e transmitir às Igrejas. Trata-se das sete Igrejas da Ásia menor: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia.
Na revelação ele revive o que já tinha experienciado no Pentecostes, a manifestação do Espírito por entre o ruído de uma voz que é como uma trombeta. Na visão contempla sete candelabros e alguém semelhante a um filho do homem. Os candelabros representam a Igreja o Filho do homem é Jesus.
Perante o medo de João, a voz faz-se ouvir revelando quem é “Eu sou o Primeiro e o Último, o que vive. Estive morto, mas eis-Me vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e da morada dos mortos”. Esta é a revelação de que necessitam todos os que são perseguidos. Os perseguidores parecem mais fortes, dominar e vencer, mas a vitória não lhes pertence, porque Aquele que esteve morto e agora está vivo, é que tem a vitória, porque é mais forte que a morte.
Após a descoberta do túmulo vazio e da aparição a Maria Madalena, o evangelista João apresenta a nova semana, o início de uma nova criação, que nasce da ressurreição de Jesus e da manifestação do Espírito Santo. O primeiro dia da semana, o Dies Dominicus, é o dia em que surge a luz. Jesus ressuscitado ilumina a noite que se apoderou dos discípulos com a sua morte. A cena narrada por João dá-se “na tarde daquele dia”, à hora em que as trevas descem sobre a terra e, estando eles de portas e janelas fechadas, impedidos de ver a luz.
Jesus rompe as trevas com a sua presença, deposita a paz nos corações inquietos e perturbados dos discípulos, que estavam “com medo dos judeus”. Revela-lhes os sinais da sua vida e da sua missão cumprida na cruz quando disse: “tudo está consumado”. As mãos e os pés marcados pelos cravos e o lado aberto pela lança, apresentados após a morte, são sinais da vitória de Jesus e da cura para todas as feridas da humanidade.
Há um contraste entre a paz, a liberdade e a segurança de Jesus e o fechamento, insegurança e medo dos discípulos. A presença de Jesus dá aos apóstolos uma nova relação com a realidade. A morte abriu as portas para uma nova vida, pelo que, já não há razões para temer os que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Do medo surge a alegria, cumprindo-se o que Jesus tinha dito antes: “também vós vos sentis agora tristes, mas eu hei de ver-vos de novo! Então, o vosso coração há de alegrar-se e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria” (Jo 16,22).
Do mesmo modo que Deus, no início, insuflou nas narinas do homem o sopro da vida (Gn 2,7), Jesus sopra sobre os discípulos “soprou sobre eles”, dando-lhes o Espírito Santo, “recebei o Espírito Santo”, para que recomecem na vida nova que é missão, “assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós”. A missão de Jesus é perdão. Quebrar as barreiras que separam os homens de Deus e tornar fácil o reencontro com a vida que brota do lado aberto de Jesus: “àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos”.
Nas mãos dos apóstolos fica apenas o poder de perdoar e se eles não fizerem chegar a todos a notícia do perdão de Deus serão culpados por não cumprirem a missão que lhes foi confiada. E só fica de fora do perdão quem não acreditar que Deus, no seu amor, perdoa sempre e a todos.
O segundo quadro do texto evangélico deste domingo, recorda aos crentes a razão pela qual eles se reúnem todos os primeiros dias da semana. Jesus regressou em cada primeiro dia da semana para se encontrar com os seus. O segundo quadro é semelhante ao primeiro. Jesus entra onde eles estão, dá-lhes a paz e mostra as chagas. Desta vez é a Tomé, porque os outros já tinham visto, “põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado”. Era a resposta que Tomé precisava e pedia para acreditar, “se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei”. É tudo quanto o leitor do evangelho precisa para acreditar. O próprio João diz ao terminar o evangelho: “estes, foram escritos para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome”.
O que se vê, porém, não é tudo. O mais importante é o que se crê e não o que se vê. Por essa razão é mais feliz aquele que crê sem ter visto.
Meditação da Palavra
O mesmo grupo de discípulos, antes impulsionado por um entusiasmo que os fez abandonar tudo para seguir Jesus da Galileia a Jerusalém, enfrenta agora a dolorosa experiência do fracasso. Uma atmosfera sombria paira sobre eles como resultado dos recentes acontecimentos, num misto de profunda tristeza e remorso. A memória de terem abandonado o Mestre às mãos daqueles que o levaram à morte, e de o terem negado, com palavras covardes, como Pedro, ou com a fuga silenciosa, como os demais, encerrou-os na casa do medo sem portas nem janelas por onde possam sair.
Mergulhados na mais profunda angústia pela perda do Mestre, em quem tinham depositado a sua esperança, os discípulos sentem-se incapazes de encontrar uma saída. Somente Jesus, aquele que experimentou a morte mas agora vive e detém as chaves do reino dos mortos, pode libertá-los daquela situação. Naquele primeiro dia da semana, estando ainda prisioneiros da escuridão e do peso esmagador da culpa, Jesus surge, rompendo as barreiras que os cegam e fazendo brilhar para eles a luz da ressurreição. Concede-lhes a paz e fá-los experimentar o perdão recriando neles uma nova relação.
Só o perdão possui a força de arrancar o homem das profundezas da depressão existencial. O perdão oferecido por Jesus representa para eles a oportunidade para recomeçar, sem medo do passado que já não interessa. A paz restabelecida nos corações dos discípulos e a vida recriada pelo perdão marcam o início de uma nova alegria, aquela que Jesus anunciara ao dizer “o vosso coração há de alegrar-se e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria”.
Assim aconteceu com os apóstolos: “ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor”. Esta alegria dissipa as dúvidas e revela no ressuscitado ali presente o mesmo Jesus que os tinha chamado outrora, quando, transbordantes de entusiasmo, deixaram tudo para o seguir. O mesmo Jesus que eles viram cercado por multidões, multiplicando pães, curando enfermos, oferecendo perdão e acolhendo a todos que, em busca de consolo, se aproximavam. O mesmo Jesus que, à mesa, lhes legou o memorial da comunidade reunida no primeiro dia da semana, a refeição partilhada no amor. O mesmo Jesus que entregou sua vida ao Pai como supremo sinal de obediência à sua vontade.
A consequência desta obediência é visível nas chagas, nas mãos e nos pés trespassados pelos cravos e no lado aberto pela lança – sinais da misericórdia divina, que a Igreja celebra neste segundo domingo da páscoa, lembrando as palavras proféticas: “pelas suas chagas fomos curados” (Is 53,5). O remédio para as nossas feridas, tanto as individuais quanto as da humanidade, reside na inesgotável misericórdia de Deus.
A misericórdia manifestada na cruz e visível nas chagas, tem o poder de conduzir à fé, como aconteceu com Tomé. Essa mesma misericórdia foi confiada por Jesus como missão aos apóstolos, para que a Igreja, portadora do perdão divino, cure as feridas de todos os homens, crentes e não crentes, daqueles que sofrem as injustiças e são despojados da sua dignidade pela incompreensão e condenação do mundo e de todos os que de algum modo experimentam o sofrimento.
De modo semelhante aos apóstolos encontramos as comunidades perseguidas à quais João se dirige no livro do Apocalipse, de onde foi extraída a segunda leitura. O medo das consequências da perseguição e a consciência da misericórdia como missão misturam-se no espírito dos crentes de todos os tempos. A tentação de se fechar diante do temor dos outros, de suas opiniões e vexames, do ostracismo que podem impor, frequentemente impede a alegria da missão realizada através da atenção às feridas dos irmãos. Estas feridas, dos crentes e do mundo, só a misericórdia de Jesus pode sarar – e de fato cura, hoje, por meio da Igreja e de cada cristão.
Hoje, como nos primeiros tempos, narrados na primeira leitura tirada do livro dos Atos dos Apóstolos, o anúncio do evangelho encontra eco no coração dos homens quando aqueles que anunciam são homens de portas abertas, homens visitados na sua casa por Cristo ressuscitado, habitados pela alegria e pela paz que vêm do encontro com Jesus. Homens assim, são uma luz no meio do mundo porque em todas as pequenas coisas das suas vidas sabem estar a cumprir o mandato do Senhor: “Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós”.
Rezar a Palavra
Senhor Jesus ressuscitado, que a tua presença no meio da comunidade onde celebro a fé ilumine meus olhos para superar a tentação de me isolar. Capacita-me para cumprir a missão que confiaste aos teus discípulos e à tua Igreja, para também eu ser instrumento da tua misericórdia que cura todas as feridas.
Compromisso semanal
Quero trazer em mim os sinais da cruz de Jesus que têm poder para curar as feridas da humanidade.