Como é que nós olhamos para o sofrimento das pessoas? Qual é a nossa reacção perante o sofrimento dos inocentes, das vítimas das catástrofes naturais ou da guerra? Procuramos explicações, acusamos, lamentamos, ou compadecemo-nos e colocamo-nos na situação dos que sofrem?…
Diante do sofrimento há sempre muitas perguntas que ficam sem resposta. Às vezes pensamos ter a solução mas logo nos damos conta de que não acertamos. A nossa vida neste mundo é mesmo muito complexa e não se compadece com respostas imediatas e gratuitas… Sempre apontamos o dedo às guerras que os outros fazem, às injustiças provocadas pelos governos, aos bancos e aos senhores do capital, a este ditador e àquele que não parece mas é, à política internacional imperialista,…Todos são culpados e todos somos culpados. Sim: todos temos de fazer um exame de consciência porque também temos a nossa quota-parte de responsabilidade…
1. Jesus rejeita a lógica da retribuição
– A lógica dos interlocutores de Jesus, que vemos intervir no Evangelho de hoje, era esta: os que são atingidos por alguma desgraça é porque são culpados e têm de pagar o mal que fizeram (explicação simplista e fácil)… Mas Jesus, em resposta à notícia que lhe é dada, dos galileus que Pilatos mandou matar, e recordando também os que morreram em Jerusalém debaixo da torre de Siloé, faz notar que estes acontecimentos não têm nada a ver com a culpabilidade das vítimas e que o mal não é castigo de Deus…
– Esta lógica estava bastante enraizada na mentalidade religiosa de alguns grupos e reaparece em diferentes épocas da história: já no livro de Job aparecem os amigos a acusar Job do mal que ele terá feito para estar a padecer da maneira que é relatado no livro, mesmo que ele não se dê conta ou não tenha consciência disso… No Evangelho de S. João, quando Jesus se encontra com um cego de nascença, os discípulos perguntam-lhe: “Rabí, quem pecou para que este tivesse nascido cego? Ele ou os seus pais?” (Jo 9,2)…
– Ainda hoje há interpretações destas, que atribuem a origem do mal ao pecado próprio ou dos familiares e, com estas explicações, muita gente fica conformada, outros ficam muito revoltados (e, se calhar, até têm razões para isso!)… É uma construção ideológica interessada, que procura justificar o egoísmo e encobrir outros enganos e cegueiras…
– Jesus opõe-se a esta forma de pensar e, ao mesmo tempo, deixa espaço para que cada um reflicta sobre o modo como está na vida e a quer orientar… A explicação do sofrimento e da morte não entra na esfera da retribuição, mas há questões a que o espírito humano não se pode furtar nem equacionar de forma simplista…
2. Fé e confiança
– No meio das contrariedades da vida, um dos sentimentos que mais nos assalta é o medo: temos medo dos acidentes, da guerra, das catástrofes, de uma doença,… Há incertezas quanto às consequências económicas e sociais que derivam da situação que estamos a viver…
– A nossa vulnerabilidade é ainda maior quando não somos capazes de afrontar as coisas com verdade e com fé… É nestes momentos que reconhecemos que precisamos de confiança… Mas onde é que a podemos encontrar?
– Deus, contrariamente ao que algumas interpretações pretendem impor, não quer pessoas com medo… O que Ele quer é gente confiante: “Eu vi a situação miserável do meu povo… Ouvi o seu clamor… Desci para o libertar…” (1ª leitura). Deus não é indiferente ao sofrimento humano.
– Respeitando a nossa liberdade, compromete-se connosco para nos tirar da situação de opressão… A fé é um acto de confiança em Deus e na capacidade que as pessoas têm de dar resposta a este Deus que vem ao nosso encontro: continuamos a acreditar, apesar de tantos sinais contrários no meio da situação complexa que o mundo atravessa…
– Nós, os cristãos, não somos necessariamente melhores do que os outros ainda que tenhamos bons motivos para o ser… O que nos move é o amor que recebemos e não o temor… É verdade que Deus não nos tira a dor e o sofrimento (eles fazem parte desta condição humana!), contudo, convida-nos a aproveitar a inevitabilidade de alguns males para tornar o mundo mais humano, a lutar contra este pecado pessoal e social através da conversão…
– Temos que admitir que todos somos responsáveis por uma boa parte dos males que nos afligem… Diante do que acontece de mal, antes de deitar a culpa para cima dos outros, cada um deveria fazer um rigoroso exame de consciência e iniciar um processo sério de conversão…
3. Dar lugar a Deus
– As parábolas que Jesus conta põem em causa esta lógica que tantas vezes nos é apresentada como normal e natural porque nem tudo é assim: seria normal o vinhateiro cumprir a ordem do seu senhor cortando uma figueira que não dava frutos há três anos… Seria normal arrancar o joio do meio do trigo para deixar crescer apenas o trigo… Seria normal toda a semente que caiu em boa terra dar a mesma percentagem na produção e não cem, sessenta ou trinta… Como seria normal não semear em terrenos pedregosos ou no meio dos espinhos… Seria normal mas, esta “normalidade” não existe…
– Deixemos espaço a Deus porque Ele “faz nascer o sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos” (Mt 5,45)… Ao mesmo tempo sabemos que Ele “vê a situação miserável do seu povo no Egipto, escuta o seu clamor provocado pelos opressores, conhece as suas angústias e desce para os libertar…” Demos espaço a Deus e relativizemos a mesquinhez das explicações humanas…