O profeta, aquele que anuncia e dá testemunho da palavra que vem de Deus, é sempre alguém ameaçado e perseguido. No geral, as pessoas pensam que a vida se repete e que as interpretações do passado são as que perduram, independentemente dos acontecimentos: sempre foi assim e assim há-de continuar… E, se alguém ousa anunciar algo diferente ou apontar para outras leituras da realidade, se não se resigna com o que é o modo habitual de dizer ou com a visão fatalista da história, imediatamente caem sobre ele os insultos e as suspeitas só porque pensa diferente do que é imposto pela opinião comum ou, como se costuma dizer, pelo “politicamente correcto”.
A atitude do profeta choca com os que têm a tendência para se fechar em si próprios e no seu grupo, nos da sua família e da sua terra, e olham para os outros sempre como um perigo face às propostas de mudança. Também choca com os que se acomodam às interpretações correntes e não admitem outras posições, apesar de proclamarem a tolerância para com todos. O profeta é aquele que propõe algo diferente, que aponta para caminhos novos, que denuncia os poderes instalados e os que impõem uma visão unilateral das coisas. Foi isto que aconteceu com Jeremias e com Jesus na sinagoga de Nazaré quando, tanto um como outro, apresentaram um modo novo de ler e interpretar os textos sagrados e os acontecimentos da história do seu tempo.
- A reação às palavras de Jesus
– Logo a seguir a Jesus ter dito que se cumpria, naquele momento, a palavra de Isaías que ele tinha lido na sinagoga, e que referia o anúncio da Boa Nova aos pobres, a libertação dos prisioneiros e oprimidos e a consolação dos que sofrem, as pessoas reagem de duas maneiras: por um lado ficam maravilhados com o que acabavam de ouvir; por outro, desconfiam que isso pudesse vir a acontecer porque Jesus era mais um entre eles e não lhe reconheciam autoridade para dizer tais coisas… Logo o expulsaram da cidade e tentaram fazê-lo desaparecer…
– Jesus estava identificado com um lugar, uma família, uma cultura… Viveu em Nazaré, ficou a ser conhecido como “o Nazareno” e “o filho do carpinteiro”…
– Mas, como diz também o Evangelho de Lucas, “foi crescendo em idade, sabedoria e graça” e saiu também do seu lugar de nascimento para contactar com outras pessoas e outros lugares…
– Em Nazaré, os seus conterrâneos estariam orgulhosos por ter nas suas fileiras um profeta ilustre, que dizia que vinha cumprir a palavra do profeta com o objectivo de “anunciar a Boa Nova aos pobres, proclamar a libertação aos cativos, dar a vista aos cegos, libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor”…
– O programa de Jesus estava lançado, todos se maravilharam com ele mas, logo quiseram mais qualquer coisa: pretendiam que Ele fizesse coisas: “faz aqui também o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum”… O que eles queriam era que Jesus liderasse uma revolta para se vingar dos inimigos e do domínio do opressor romano… Queriam alguém que desse corpo ao seu nacionalismo e aos seus desejos de vingança… (só assim se explica a repentina mudança de atitude dos que ouviram Jesus: primeiro ficaram maravilhados e, logo depois, quiseram matá-lo)…
- Em causa estão também as origens humildes de Jesus
– Aquela gente reconhecia autoridade aos anciãos da família, aos sacerdotes, aos escribas e doutores da Lei… E, dizer que aquela passagem da Escritura que acabavam de ouvir se cumpria, era assumir o papel de profeta, de um intérprete novo que vai realizar algo diferente… E, como o próprio Jesus diz, citando exemplos, o profeta, normalmente, é rejeitado pelo seu povo…
– “Nenhum profeta é bem recebido na sua terra”: Jesus apresenta um conjunto de valores e de causas que chocam com o “politicamente correcto”, com o que está estabelecido…
– Há padrões, também na nossa sociedade, que estão impostos: linguagens, estilos de vida, bem-estar, critérios de interpretação dos acontecimentos… E, se alguém ousa fazer diferente, propor coisas novas, desafiar os ditos “sistemas”, arrisca-se a ser expulso como Jesus…
- O amor e a misericórdia são para todos
– Como diz S. Paulo na carta aos Coríntios, dando resposta à tendência para o espetáculo daquela comunidade, o único absoluto é o amor, amor de entrega e de serviço à maneira de Jesus…
– O que Jesus proclama é a misericórdia e a graça… O que ele afirma é que Deus é Deus para todos e não é propriedade exclusiva de ninguém…
– Por isso, Jesus é um profeta aceite por uns e rejeitado por outros… Aceite pelos pobres, e rejeitado e perseguido pelos que estão no poder; escutado pelos simples e discutido pelos que pensam que “são donos da cultura”…
– Jesus dirige-se a todos: ultrapassa as fronteiras da sua terra como já tinham feito Elias e Eliseu que entram em território pagão para mostrar que a salvação é para todos… Em Nazaré, Jesus traça este programa admitindo que “nenhum profeta é bem recebido na sua terra” mas deixando claro que a sua obra continua: “Ele segue o seu caminho”…