Mistagogia da Palavra
“Consumada a obra que o Pai confiou ao Filho para Ele cumprir na terra, foi enviado o Espírito Santo no dia de Pentecostes, para santificar continuamente a Igreja e, deste modo, os fiéis terem acesso ao Pai, por Cristo, num só Espírito.
Ele é o Espírito de vida, ou a fonte de água, que jorra para a vida eterna; por quem o Pai vivifica os homens mortos pelo pecado, até que ressuscite e m Cristo os seus corpos mortais.
O Espírito habita na Igreja e nos corações dos fiéis, como num templo, e dentro deles ora e dá testemunho da adopção de filhos.
A Igreja, que Ele conduz à verdade total e unifica na comunhão e no ministério, enriquece-a Ele e guia-a com diversos dons hierárquicos e carismáticos e adorna-a continuamente e leva-a à união perfeita com o seu Esposo… Assim, a Igreja toda aparece como um povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.
A 1ª leitura é do Livro dos Actos dos Apóstolos. De harmonia com a promessa de Jesus, o Espírito Santo, manifestando a sua presença com os sinais sensíveis do vento e do fogo, desce sobre os Apóstolos, transforma-os totalmente e consagra-os para a missão que Jesus lhes confiara.
A 2ª leitura é da 1ª Epístola de S. Paulo aos Coríntios. O Espírito Santo é a “alma da Igreja”. É Ele que dá aos Apóstolos a perfeita compreensão do Mistério Pascal e os leva anunciar a todos os homens. É Ele que enriquece o Corpo místico com dons e carismas, numa grande variedade de vocações, ministérios e actividades, sempre em comunhão uns com os outros.
O Evangelho é segundo S. João. Jorrando do Corpo glorificado de Cristo, o Sopro purificador e recriador do mesmo Deus, comunica-Se aos Apóstolos, para que eles possam prolongar a obra da nova Criação, e assim a humanidade, reconciliada com Deus, conserve sempre o perdão e a paz alcançada em Jesus Cristo.
A Palavra do Evangelho
Diante da Palavra
Vem, Espírito Santo, vinde, Amor ardente, acendei na terra vossa luz fulgente!
Evangelho Jo 15, 26-27; 16, 12-15
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Quando vier o Paráclito, que Eu vos enviarei de junto do Pai, o Espírito da verdade, que procede do Pai, Ele dará testemunho de Mim. E vós também dareis testemunho, porque estais comigo desde o princípio. Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, mas não as podeis suportar por agora. Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos conduzirá à verdade plena, porque não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará o que há-de vir. Ele Me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso vos disse que receberá do que é meu e vo-lo anunciará».
Caros amigos e amigas, o Pentecostes é como a celebração do nosso aniversário natalício. É daqui que a Igreja se encaminha para o projecto de Deus, é aqui que cada um de nós bebe a vida plena, a Vida de e em Deus.
Interpelações da Palavra
Ele dará testemunho de Mim
Continuamos no contexto da última ceia, em que Jesus abre o escrínio do seu coração, como nunca o fizera. Como era possível que os seus amigos pudessem absorver a torrente daquela mensagem de amor? Mas Jesus também não pretende fazer deles uma espécie de “enciclopédias evangélicas”, compêndios de conceitos sobre a fé. Jesus sabe que eles não podem “suportar” porque numa concha não cabe a imensidão do mar! Jesus quer antes fazer deles “meteoros evangélicos” capazes de iluminar, de deixar rastos de luz, de incendiar com o seu amor a terra inteira. É na Ceia em que Jesus faz o seu testamento de amor, que surge a promessa do Espírito Santo. Ele não age como uma força imposta, que faz de nós marionetas passivas. Só Ele, que procede do Pai, que é bombeado pelo coração do Filho amado, conhece tudo o que se passa no âmago da Trindade, por isso Ele é a corrente a carregar a bateria poderosa que mantém operacional em nós o bem, a beleza, a criatividade e a compaixão. Como em Maria, é o Espírito Santo que fecunda o nosso coração para gerar Cristo e o “dar à luz”. Cabe-nos a abertura para O acolher e a disponibilidade para O deixar agir em nós e por nós. Passamos então a ser não apenas de Jesus, mas rosto de Jesus, beleza, gestos, voz e palavra de Jesus.
E vós também dareis testemunho…
Às vezes gostaríamos de ter o nosso pecúlio privado de inspiração disponível para os nossos discernimentos, o nosso Espírito Santo doméstico, como as crianças, na feira, que trazem os seus balõezinhos coloridos presos às mãos por um fio. Mas o Pentecostes é a nuvem teofânica que não cabe nas dimensões tacanhas do nosso balãozinho, mas que dilata as medidas do nosso coração até abarcar o mundo inteiro, cada homem e mulher, para os revelar destinatários de um amor incrivelmente gratuito e tão desperdiçado. O Espírito Santo implica o nosso ser Igreja, é Ele o alimento da comunhão e esta comunhão expressa o uníssono da verdade. Ele não é de acesso privado, mas visita o mundo em línguas apenas lidas num contexto inteligível. Cada um de nós é uma palavra do poema de Deus, cada um de nós é uma nota da melodia que Deus executa neste mundo. Ele é a conduta íntima que nos liga à fonte, por isso não deixa arrefecer o nosso amor, solta os diques da nossa timidez, revigora a nossa fragilidade, abastece a nossa exiguidade de horizontes, é o diapasão da verdade.
… porque estais comigo.
O Pentecostes é o habitat natural do cristão que se assume como tal e procura desenvolver e manter a sua vida em Cristo. Ninguém pode testemunhar o que não viu, nem ouviu, o que não experimentou. Este ESTAR nem por sombras é verbo passivo. Estar com Cristo não é pieguice devocional, estática e ociosa. Estar com Ele também é permanecer debaixo do caudal do seu coração e do seu olhar, para O conhecer, para deixar-se amar, para deixar-se (re)criar, mas depois para O seguir até àqueles “locais” onde Ele nos quiser enviar. Estar com Ele é permanecer onde Ele continua a caminhar, continua a abençoar, a curar, a amar. O “com Cristo” torna o verbo ESTAR explosivo e diligente… urgente! Estar com Ele, amigos e amigas, faz-nos entrar na sua dinâmica do dom, do arriscar a vida como investimento de amor, do assumir-se como vivo Evangelho!
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, Mestre do amor, eu te dou graças pelo dom do teu Espírito,
o Paráclito que me agita a vida e me faz operante a graça do baptismo.
Ele é o consolador, Aquele que me faz aproximar do teu mistério e me faz saborear a divina filiação.
Abre as minhas capacidades à sua acção transformadora,
os limites da minha timidez às medidas do seu sopro vivificante.
Viver a Palavra
Vou abrir-me à ação do Espírito Santo, e deixar-me transformar pelo seu dinamismo de amor.