A humanidade sempre se debateu com o problema do mal e se interrogou sobre a sua origem. A Sagrada Escritura, cujos textos nos acompanham na celebração litúrgica, desde o princípio ao fim, aborda este tema e apresenta-nos Deus a dar resposta aos problemas da injustiça, do sofrimento e da morte. Todos os relatos bíblicos sustentam que Deus é que, constantemente, refaz o seu plano e recoloca o homem no caminho certo. O mal existe e podemos não ter todas as explicações sobre ele mas, sabemos que Deus não o quer, e ajuda o homem a combater contra ele.
Só que, a resposta do homem a este projecto de Deus nem sempre é a adequada. Muitas vezes o homem quer conduzir as coisas por si mesmo colocando Deus de parte e, então, acaba por querer decidir só por si, dando largas à sua ambição de dominar, não reconhecendo que o exercício da sua liberdade tem limites. O relato do livro do Genesis, logo no princípio, numa linguagem própria, oferece-nos uma narração que evidencia esta pretensão humana.

  1. O mundo dos desejos e a tentação

– O texto situa-nos no campo dos desejos, das emoções, dos instintos, daquelas forças que, em nós, nos orientam num sentido de satisfazer os apetites… A serpente pode representar este mundo dos instintos, da necessidade de comer, daquelas forças que actuam em nós e que, por vezes, não controlamos… O instinto só vê um lado, o mundo dos desejos só procura saciar-se por essas coisas agradáveis…
– O chamado jardim do Eden representa a harmonia querida por Deus… Mas também o mundo da liberdade: se o homem actua só em função de satisfazer os seus desejos, se não conhece limites à sua ânsia de comer, cria a desordem e introduz, ele próprio, quando cede à tentação, a quebra das relações, o mal…
– Quando Deus interroga Adão, ele responde que está nu e, por isso, se esconde… A nudez também pode significar a situação de estar exposto: o homem como que perde defesas e tem que procurar outras protecções, que já não são as da harmonia inicial…
– Este relato, em linguagem sapiencial, coloca em evidência a ruptura das relações e a origem de tantos conflitos… Quando o homem não reconhece limites ao seu desejo de comer, quando o exercício da liberdade se confunde com fazer o que é agradável, a harmonia é quebrada e daí surgem as discórdias… Cedendo à tentação, ficamos privados da liberdade, porque esta, tem de ter, necessariamente limites; de contrário, não se podem fazer opções (só se segue o que é agradável…)
– Este relato do Génesis oferece-nos uma explicação para a origem do mal que, depois o Evangelho, complementa…

  1. Jesus vence o mal e cria uma nova família

– Depois de Jesus ter realizado uma série de acções libertadoras, os familiares têm dificuldade em o entender e os escribas acusam-no de actuar em nome do mal: de Belzebú, do chefe dos demónios…
– Jesus não se detém a dar respostas teóricas, mas conta-lhes uma parábola para demonstrar que não há lógica nenhuma na sua acusação… Um reino dividido contra si mesmo não pode subsistir…
– Depois, dirige-se a todos dizendo que o perdão de Deus existe para reabilitar a pessoa, libertando-a do mal mas, quem não acredita no poder de Deus para perdoar, nunca pode experimentar a misericórdia…
– Além disso, depois de ter esclarecido que Ele veio combater o mal, diante dos próprios familiares, Jesus declara que os seus vínculos não se baseiam na carne, na família de sangue ou no povo e na cultura onde nasceu, mas na relação com Deus, no cumprimento da vontade de Deus…Os seus laços não são de sangue mas são com os que fazem a vontade de Deus… Fazer a vontade de Deus é aceitar a liberdade e desligar-se de tantas amarras que aprisionam o homem quando não admite que o mal que há nele pode ser vencido pelo perdão…

  1. Cumprir a vontade de Deus

– Entram na família de Jesus os que escutam a palavra e cumprem a vontade de Deus de um modo livre, sem estarem condicionados pela origem ou pelos laços de sangue… Ninguém nasce cristão, mas faz-se caminhando para Cristo e escutando-o…
– Por vezes, uma suposta pertença a uma nação ou a uma história dita cristã, pode criar-nos a tendência de domínio destas coisas, como aconteceu com os familiares de Jesus… Ora, ninguém tem a santificação ou a salvação assegurada…
– Quem faz então parte da família de Jesus? Os baptizados, casados na Igreja, os que cumprem umas tantas devoções?… Os que sabem tudo da Igreja sem nunca sequer ter frequentado a catequese e ter aproveitado a formação para conhecer a palavra de Deus a fim de a pôr em prática?… Quem nunca se sentou à volta de Jesus para o escutar não pode ser da sua família…
– O relato do Génesis narra a desobediência ou incumprimento da palavra de Deus… O resultado deste acto foi “esconder-se com medo”… Podemos ver nesta atitude do homem a opção por erradicar Deus da sua vida… Se o tira, como pode cumprir a sua vontade? E se está só, como pode recuperar a comunhão e o convívio com Deus?
– Só Jesus pode reabilitar o homem: é Ele a descendência da mulher; é Ele que entra a fazer parte desta humanidade, que quer constituir com ela a sua nova família, restabelecendo a relação, e permitindo-nos ser membros duma comunidade onde Deus está presente… Tendo-O connosco o mal será vencido…