Mistagogia da Palavra
Deus é o Pai dos pobres e esfomeados do mundo, porque Jesus compadeceu-Se da multidão extenuada e faminta e repartiu com abundância o pão do Reino pelos pobres. Ele também convida para a sua mesa eucarística todos os seus filhos, como irmãos que partilham o mesmo pão familiar. Nós queremos celebrar dignamente a Ceia do Senhor, com um coração aberto ao amor e à fraternidade universal, partilhando a fé, o pão e a vida com os nossos irmãos, especialmente com os mais pobres de bens e direitos.
A 1ª leitura é do Segundo Livro dos Reis. Esta leitura diz-nos que Deus não multiplica o pão a partir do nada. Primeiro verifica-se um gesto generoso dum homem que oferece o fruto do seu trabalho e depois há a decisão de Eliseu de partilhar o recebido por todos os que têm necessidade. Não será este também hoje o caminho a seguir para resolver os problemas da fome no mundo?
A 2ª leitura é do apóstolo São Paulo aos Efésios. Começa hoje a leitura desta Epístola, leitura que se prolongará por mais seis domingos. Toda esta Carta é dedicada às exortações relativas à vida dos cristãos. Antes de mais estes devem ser humildes, isto é, pessoas dispostas a pôr-se ao serviço dos irmãos. Depois, devem comporta-se com mansidão e paciência, suportando-se uns aos outros com amor e devem ser unidos. Depois, o Apóstolo apresenta sete razões que justificam a necessidade de vivermos a unidade: “há um só corpo, um só Espírito, uma só esperança, um único Senhor, uma única fé, um só baptismo, um só Deus e Pai de todos”.
O Evangelho é segundo São João. A partir de hoje e durante cinco semanas consecutivas, interrompe-se a leitura do Evangelho de Marcos e é-nos proposto o capítulo VI do Evangelho de São João, em que, depois do milagre da multiplicação dos pães, é referido o longo discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum sobre o pão da vida. A multiplicação dos pães é um dos grandes sinais da revelação de Jesus Cristo. Cristo, partindo o pão material multiplicado, deixa claro que Ele próprio é o pão vivo descido do Céu e o pão eucarístico (corpo e sangue), que dá a vida eterna a quem O recebe.
A Palavra do Evangelho
Evangelho Jo 6, 1-15
Naquele tempo, Jesus partiu para o outro lado do mar da Galileia, ou de Tiberíades. Seguia-O numerosa multidão, por ver os milagres que Ele realizava nos doentes. Jesus subiu a um monte e sentou-Se aí com os seus discípulos. Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus. Erguendo os olhos e vendo que uma grande multidão vinha ao seu encontro, Jesus disse a Filipe: «Onde havemos de comprar pão para lhes dar de comer?». Dizia isto para o experimentar, pois Ele bem sabia o que ia fazer. Respondeu-Lhe Filipe: «Duzentos denários de pão não chegam para dar um bocadinho a cada um». Disse-Lhe um dos discípulos, André, irmão de Simão Pedro: «Está aqui um rapazito que tem cinco pães de cevada e dois peixes. Mas que é isso para tanta gente?». Jesus respondeu: «Mandai-os sentar». Havia muita erva naquele lugar e os homens sentaram-se em número de uns cinco mil. Então, Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, fazendo o mesmo com os peixes; e comeram quanto quiseram. Quando ficaram saciados, Jesus disse aos discípulos: «Recolhei os bocados que sobraram, para que nada se perca». Recolheram-nos e encheram doze cestos com os bocados dos cinco pães de cevada que sobraram aos que tinham comido. Quando viram o milagre que Jesus fizera, aqueles homens começaram a dizer: «Este é, na verdade, o Profeta que estava para vir ao mundo». Mas Jesus, sabendo que viriam buscá-l’O para O fazerem rei, retirou-Se novamente, sozinho, para o monte.
Caros amigos e amigas, o Evangelho narra a bela passagem da multiplicação dos pães. O pão, fruto da terra e do trabalho árduo de muitas mãos, resume a essencialidade do dia-a-dia e também a festa da partilha. O pão simboliza a nossa vida. E Deus, que deseja ser da mesma massa que nós, escolhe o pão para se encontrar connosco, no coração da vida, na eucaristia.
Interpelações da Palavra
Famintos de Deus
Quem me dera ser um daqueles cinco mil, naquela tarde primaveril, à beira do lago. Desejava estar ali não tanto pelo milagre do pão, mas sobretudo para estar com Jesus e ter o coração a arder, para O escutar e me alimentar das suas palavras que libertam, curam, consolam a vida. E imagino-me entre aquela multidão boquiaberta, olhando para os cestos de pão e peixe que circulam, comendo, saciando-se e enchendo os bolsos, abundantemente. Deus nunca manda ninguém para casa de mãos vazias. Na verdade, os seus cálculos do amor não coincidem com os nossos. A lógica da generosidade vence o egoísmo e o dom gratuito substitui a lógica do comprar.
A semente do milagre
O milagre inicia pela generosidade de um jovem. A sua oferta era irrisória diante daquela multidão esfomeada: apenas 5 pães e 2 peixes colocados nas mãos de Jesus, sem armazenar, correndo até o risco de passar fome! No entanto, o seu pouco torna-se fermento de milagre: é o sim humilde de Maria que se entrega totalmente, é o gesto da viúva que no Templo dá tudo o que tem. O gesto do jovem é contagioso: convida àquela dinâmica do dom, da entrega da vida, do dar-se naquilo que se faz. É o primeiro passo de um milagre inimaginável. Este jovem é ícone do dom infinito do Pai que dá o seu Filho, num amor que não faz cálculos!
Quando o “meu” pão se torna o “nosso” pão, então torna-se também origem de milagre, sacramento de comunhão. Hoje, Deus precisa da tua e da minha “merenda” para saciar o mundo, para alimentar os outros. Ele multiplicará sempre o gesto de amor até à abundância, ao excesso, à desmedida.
Todos somos suficientemente ricos para dar. Se olharmos bem temos tempo, talentos, um pouco de fraternidade, de paz, de alegria, de justiça,
E, como no relato do Evangelho, nada será perdido porque nada é demasiado pequeno para não servir de comunhão. Deus nunca deita fora a nossa vida, nem o mais pequeno gesto, porque somos demasiado preciosos. Ainda hoje há excessos de milagres espalhados no nosso quotidiano.
“Tomar, dar graças e distribuir”
São três verbos que transformam a nossa vida em Evangelho. Tomar e receber a vida, as pessoas, um pedaço de pão, a história. Agradecer e bendizer por aquilo que se é e se recebe, até as mais pequenas migalhas. E distribuir dando-se, porque cada um só é rico daquilo que dá, já que a vida não se pode aprisionar nem acumular, apenas partilhar e viver com os outros. E, quando assim é, a vida sobra em abundância. Assim vive-se em Eucaristia! E a Eucaristia torna-se vida! E o pão nosso de cada dia torna-se Evangelho!
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor Jesus, atento a cada movimento, a cada dor e fome que me assalta.
Precisas dos meus cinco pães e dois peixes que, por graça, de Ti recebi
Precisas o meu estar na multidão, disponível para a supresa e para a partilha.
Com o meu pouco fazes o milagre que transborda, a graça da comunhão
e a experiência da saciedade. Tu és o Pão que dá vida, o profeta que havia de vir ao mundo.
À mesa, sentado à Tua beira, quero fazer sempre parte deste banquete.
Viver a Palavra
Vou descobrir o que em mim são os “cinco pães e dois peixes a partilhar”.