Mistagogia da Palavra

A palavra de Deus deste domingo apresenta-nos duas mulheres crentes e generosas, que, além disso, tinham em comum o facto de pertencerem a classe de pessoas insignificantes. São pobres e viúvas. Arriscam tudo. Também nós, para experimentar a generosidade de Deus, temos de arriscar a nossa segurança mesquinha. Deus não mede o que fazemos ao próximo com algarismos. Mede com amor, avalia de acordo com os valores interiores da pessoa, vai até ao coração. Não basta dar, é preciso dar-se.
A lª leitura é do Primeiro Livro dos Reis. O profeta Elias, para fugir à fúria de Acab e sua mulher Jezabel, vai, por ordem de Deus até Sarepta (hoje no Líbano). Deus tinha-lhe dito que uma viúva o sustentaria. Elias obedece, mas a mulher só tem um punhado de farinha e um pouco de azeite na almotolia. Mesmo assim, socorre primeiro o Profeta, dá-lhe tudo o que tem, e Deus abençoa-a com generosidade, concedendo-lhe alimento suficiente para si e para seu filho durante todo o período da seca.
A 2ª leitura é da Epístola aos Hebreus. Para os Judeus convertidos e ainda com saudades do culto no templo de Jerusalém, é-lhes dito que Jesus, ao contrário dos sacerdotes do templo, ofereceu um só e perfeito sacrifício, não derramou o sangue de animais, mas o seu próprio e, com o seu gesto de amor, destruiu definitivamente o pecado. Quando Ele aparecer uma segunda vez, não será para repetir um sacrifício, mas sim para levar consigo todos os homens que o seu único sacrifício libertou de todas as culpas.
O Evangelho é segundo São Marcos. Na primeira parte Jesus condena os chefes do povo de Israel pela sua vaidade, exibicionismo e exploração dos mais pobres. Na segunda parte, Jesus aparece novamente só com os discípulos, observando os que passam diante da caixa das esmolas. Faz notar aos discípulos o óbolo da viúva, aquele sacrifício escondido em que uma pessoa deixa todas as suas seguranças para se abandonar completamente à misericórdia de Deus. Toma-se assim tipo da verdadeira fé.

A Palavra do Evangelho

Evangelho    Mc 12, 38-44
Naquele tempo, Jesus ensinava a multidão, dizendo: «Acautelai-vos dos escribas, que gostam de exibir longas vestes, de receber cumprimentos nas praças, de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes. Devoram as casas das viúvas, com pretexto de fazerem longas rezas. Estes receberão uma sentença mais severa». Jesus sentou-Se em frente da arca do tesouro a observar como a multidão deitava o dinheiro na caixa. Muitos ricos deitavam quantias avultadas. Veio uma pobre viúva e deitou duas pequenas moedas, isto é, um quadrante. Jesus chamou os discípulos e disse-lhes: «Em verdade vos digo: Esta pobre viúva deitou na caixa mais do que todos os outros. Eles deitaram do que lhes sobrava, mas ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver».

Caros amigos e amigas, o evangelho convida a passar duma vida de aparências para a vida vivida na dádiva de si mesmo. Na lógica de Deus, duas moedas dadas por amor valem mais do que grandes tesouros abandonados.

Interpelações da Palavra

“Acautelai-vos… de exibir”

Há gente que não passa despercebida e gosta de dar nas vistas: passeia longas vestes, gosta dos primeiros lugares e de receber vénias nos encontros. A vida para alguns é apenas um palco onde mascarar a aparência, apresentando prestígio e fama, fazendo tilintar alto as moedas dos bolsos, comprando os favores de Deus e a fama dos homens, com muita fachada e pouca substância. Ontem era assim e hoje também, ainda que mais virtual e com like’s no facebook…

Deus vê o “como” e não o “quanto”

Sentado a observar, Jesus vê como a multidão deita o dinheiro na caixa do Templo. O seu olhar não mede a quantidade da oferta, mas a quantidade de coração que na oferta é depositada. A Jesus não interessa o dom, mas quem o dá. É a pessoa que dá valor à oferta. Por isso, louva a pobreza de duas moedas de quem deu tudo o que possuía em detrimento daqueles que deram muito do que lhes sobrava. A oferta da viúva ensina que a vida não é feita de esmolas do que se tem, mas do dom daquilo que se é, num amor que não faz cálculos!
Para Deus não conta a quantidade mas conta quanto peso de vida, quanto amor, quantas lágrimas e esperanças estão em duas miseráveis moedas.
Jesus contempla uma pobre mulher e reconhece-se nela. A vida da viúva estava toda ali: as duas moedinhas eram todo o seu sustento e ela arremessa-o para Deus. O gesto da viúva antecipa e convida àquela dinâmica do dom, da entrega da vida, do dar-se naquilo que se faz, cujo auge é a doação total de Jesus na cruz.

“Ofereceu tudo o que tinha para viver”

Tal como a pobre viúva do Evangelho, quem faz desabrochar um mundo novo são tantas pessoas de que os jornais não falam, homens e mulheres de vida escondida, feita apenas de fidelidade, generosidade, honestidade, suor. Pessoas que se semeiam na terra e não sabemos quem foram ao vermos desabrochar tanto bem que nos envolve. São pessoas que, na discrição quotidiana, dão mais para o tesouro da humanidade.
Os primeiros lugares de Deus pertencem àqueles que, em cada uma das nossas casas, dão aquilo que faz viver, que oferecem vida todos os dias, com mil gestos que ninguém vê, de cuidados, atenção, carinho, dedicação, dirigidos a pais, a filhos, a quem bate à porta. É a santidade dos pequenos gestos do coração! Para Deus nada é irrisório ou demasiado pequeno. Nenhum gesto saído da nossa pobreza é insignificante no tesouro divino.
Os cristãos não se deveriam reconhecer pelos primeiros lugares, mas pela audaciosa generosidade sem medida, porque não se medem os pequenos gestos, apenas se vivem, multiplicam e renovam a vida! Nesta divina dádiva, caros amigos e amigas, multiplica-se a alegria do Evangelho.

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Senhor, fonte de toda a riqueza e saciedade, modelo de humildade e serviço,
reconheço em Ti o testemunho supremo do dar-se…
Preciso de descobrir a beleza da simplicidade, para esmagar a exibição do meu vazio,
Preciso de aprender a disponibilidade do dar para libertar a minha sede de receber,
Preciso de arriscar a humildade do ceder para corrigir a minha vontade de ocupar,
Preciso de ousar a próximidade para converter o meu devorar egoista.
Senhor, contrói o meu querer, para não mais ter de dar o que me sobra,
mas para  te oferecer tudo do que tenho e sou…

Viver a Palavra

Hoje, vou ficar apenas com o que me sobra e dar ao próximo, um pouco, do que me custa dar.