Mistagogia da Palavra
A celebração da Páscoa continua durante o Tempo Pascal. Os cinquenta dias que se prolongam desde o domingo da Ressurreição até ao domingo do Pentecostes celebram-se na alegria e exultação, como um único dia de festa, melhor, como “um grande domingo”.
Jesus ressuscitou no “primeiro dia da semana”. Nesse mesmo dia e oito dias mais tarde, Ele apresentou-Se aos seus discípulos, reunidos, e mostrou-lhes os sinais gloriosos e transmitiu-lhes, com o seu Espírito, os dons pascais, compendiados na paz e na reconciliação. Por isso, bem depressa esse dia foi considerado pelos discípulos o “Dia do Senhor”. Bem depressa o sábado foi substituído por este dia, em que começou a nova criação, se estabeleceu a nova aliança e se realizou a Páscoa definitiva. Dia do Senhor por excelência, o domingo é, portanto, o dia em que a comunidade dos crentes se reúne em volta de Cristo ressuscitado, misteriosamente presente nos sinais da assembleia, da palavra, do sacerdote, do pão e do vinho. Esse encontro semanal com Cristo ressuscitado realiza-se de modo especial na Eucaristia, “memorial da morte do Senhor”.
A 1ª leitura é dos Actos dos Apóstolos. É o terceiro dos três sumários sobre a comunidade cristã de Jerusalém. Lucas dá relevo aos traços próprios da comunidade cristã, que aparece como sinal da nova humanidade nascida da Ressurreição. O ideal proposto mantém o seu valor de desafio à utopia cristã do amor fraterno, que é nota essencial da doutrina de Jesus. Aponta-se aqui o que deveria ser qualquer comunidade autêntica que vive a vitória total da fé em Jesus.
A 2ª leitura é da Primeira Epístola de São João. O tema central de toda a Epístola é o amor ao irmão, que pode resumir-se com uma frase que encontraremos dentro de alguns domingos: “Irmãos, amemo-nos uns aos outros, porque quem ama é gerado por Deus”. O texto de hoje parece dirigir-se especialmente aos recém-baptizados: vós recebestes a vida de Deus. Mas esta vida não é visível aos olhos físicos, mas há um sinal que revela a sua existência: as obras de amor para com todos os irmãos.
O Evangelho é segundo São João. Jesus Cristo ressuscitado, aquele mesmo Jesus que sofreu e morreu, mas que voltou a viver, agora com um novo modo de existência corporal, aparece aos discípulos. Dá-lhes o Espírito Santo e, com Ele, o poder de perdoar pecados, poder que os tornará instrumentos vivos do seu triunfo sobre o mal e colaboradores seus na nova criação, iniciada com a Ressurreição. Oito dias depois, num encontro pessoal com Tomé, o Senhor Jesus mostra-nos que a fé é um risco: não se trata de tocar e ver, mas sim de acolher o anúncio que nos é transmitido.
A Palavra do Evangelho
Diante da Palavra
Vem Espírito Santo, revitaliza a minha fé, para a bem aventurança dos que acreditam sem terem visto.
Evangelho Jo 20, 19-31
Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor. Jesus disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos». Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Disseram-lhe os outros discípulos: «Vimos o Senhor». Mas ele respondeu-lhes: «Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei». Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa e Tomé com eles. Veio Jesus, estando as portas fechadas, apresentou-Se no meio deles e disse: «A paz esteja convosco». Depois disse a Tomé: «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente». Tomé respondeu-Lhe: «Meu Senhor e meu Deus!». Disse-lhe Jesus: «Porque Me viste acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto». Muitos outros milagres fez Jesus na presença dos seus discípulos, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome.
Caros amigos e amigas, o Senhor entra em nossas casas com a Sua Palavra e o Seu Espírito de Paz, mesmo quando as nossas portas parecem fechadas pelo medo e pela falta de fé. Com Ele, tudo avança, tudo se transforma; com Ele brota a vida nova da fé.
Interpelações da Palavra
Do medo à alegria
Era uma tarde que mais parecia noite. Fechando as portas, parece ter ficado impedida de ali entrar a luz da ressurreição. As notícias da manhã, da pedra rolada, do sepulcro vazio, não foram suficientes para dar certezas aos discípulos. O medo fechou as portas daqueles corações assustados, incrédulos, desiludidos. Nessa re-união escura e desolada, nesse inverno deserto e frio, surge, no meio deles, no centro, derrubando as barreias das portas fechadas e dos corações isolados, Jesus, o ressuscitado. Jesus deseja a paz e mostra os sinais da Sua paixão. E é nesta epifania da ressurreição, na profundidade do medo experimentado, que nasce a verdadeira alegria. A páscoa da nossa vida acontece até nos cofres mais fechados dos nossos medos, naqueles que nunca tivemos coragem de tocar e de abrir. Até aí Jesus vive e deseja a paz e a alegria para cada um de nós.
O sopro do perdão e da paz
A presença de Jesus ressuscitado naquela sala “fechada” não quer servir apenas de prova à ressurreição. Jesus, enviado do Pai, vem enviar, lançar discípulos missionários “no terreno”, dar força e coragem para que sejam os próprios discípulos a abrir as portas (da sala e dos corações) e sair. Jesus entra para que os discípulos saiam em missão, levados pela brisa do Espírito Santo que é amor e perdão. A paz é o perfume da misericórdia. Em cada porta fechada, em cada irmão isolado somos enviados a colocar um facho de luz deste mesmo Espírito que nos ajuda a sair de nós próprios, sem medo, em missão. Sejamos alegres e corajosos, porque isso é um sinal fiável de que Cristo está connosco. Não deixemos que o medo invada as nossas casas, as nossas salas, as nossas vidas. Como nos pedia São João Paulo II: “não tenhais medo, abri as portas a Cristo”…
No sítio certo, à hora certa
Tomé perdeu a oportunidade de ver Jesus e de ser abrasado por tão grande amor, por não estar no sítio certo à hora certa… Mas para Deus, nunca estão esgotadas as “oportunidades”. Ele ama-nos para além do tempo e do espaço. Não acreditando verdadeiramente nas palavras dos discípulos, Tomé precisa ver e tocar, pois também as suas portas estão fechadas… Mas oito dias depois, quando as portas (da sala) continuam fechadas… Jesus, na sua pedagogia do amor, renova a certeza da presença da paz que rompe com os medos reincidentes e se revela de uma forma mais próxima àquele que tinha estado (mais) distante. Tomé, tocado por Aquele que desejava tocar, professa a fé no ressuscitado e Jesus enaltece os que não vêm e não tocam. Hoje somos felizes porque acreditamos sem ter visto, sempre que deixamos que Jesus entre nas nossas salas fechadas. Não adoremos o medo, adoremos o Ressuscitado! Deixemo-nos conduzir pelo Espírito de perdão e de paz, sinais do coração misericordioso de Deus, luz do Evangelho!
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Meu Senhor e meu Deus, eu dou te graças pelo teu amor gratuito e abundante.
Na ferida do teu amor Tu curas as minhas feridas.
O teu lado aberto na Cruz é a cratera onde se revitaliza a Criação,
a nascente de onde continuamente jorra a misericórdia, que me regenera.
Aumenta a minha fé para que possa participar na bem-aventurança
dos que fazem vibrar a notícia mais bela da história, daqueles que acreditam sem terem visto!
Viver a Palavra
Vou procurar vencer os medos que me impedem de confiar a minha vida ao Senhor.