Que o ciúme e o orgulho não apaguem a luz dos meus olhos

Entre nós e os outros há espaço suficiente para dizer sim e dizer não. Parece um espaço neutro, suficientemente grande para caberem muitos, para cabermos todos, mas é um espaço sem espaço e um espaço sem ninguém. Entre nós e os outros há espaço enorme onde não cabe ninguém, onde não ninguém quer viver.

Entre nós e os outros não há nada… só cegueira… só orgulho… só ciúme…

Entre nós e os outros… ou somos todos nós ou somos todos outros.

LEITURA I Num 11, 25-29

Naqueles dias, o Senhor desceu na nuvem e falou com Moisés. Tirou uma parte do Espírito que estava nele e fê-lo poisar sobre setenta anciãos do povo. Logo que o Espírito poisou sobre eles, começaram a profetizar; mas não continuaram a fazê-lo. Tinham ficado no acampamento dois homens: um deles chamava-se Eldad e o outro Medad. O Espírito poisou também sobre eles, pois contavam-se entre os inscritos, embora não tivessem comparecido na tenda; e começaram a profetizar no acampamento. Um jovem correu a dizê-lo a Moisés: «Eldad e Medad estão a profetizar no acampamento». Então Josué, filho de Nun, que estava ao serviço de Moisés desde a juventude, tomou a palavra e disse: «Moisés, meu senhor, proíbe-os». Moisés, porém, respondeu-lhe: «Estás com ciúmes por causa de mim? Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor infundisse o seu Espírito sobre eles!».

Perante a murmuração do povo por não ver satisfeitas as suas necessidades, Moisés manifesta junto de Deus a sua incapacidade para governar sozinho um povo tão difícil. Então, Deus, reparte o espírito que está em Moisés por mais setenta e dois anciãos para o ajudarem.

Salmo 18 (19), 8.10.12-13.14 (R. 9a)

O salmista reconhece que Deus é o Senhor, a sua lei é perfeita e as suas ordens são firmes e está disposto a deixar-se guiar pelos juízos do Senhor. No entanto, sente interiormente a dificuldade em vencer o orgulho. Julgando-se dono de si, pode ceder à tentação de pensar que é por si mesmo que vive e não pelo Senhor. Por isso ele pede ao Senhor: “Preservai do orgulho o vosso servo,
para que não tenha poder algum sobre mim
”.

LEITURA II Tg 5, 1-6

Agora, vós, ó ricos, chorai e lamentai-vos, por causa das desgraças que vão cair sobre vós. As vossas riquezas estão apodrecidas e as vossas vestes estão comidas pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se, e a sua ferrugem vai dar testemunho contra vós e devorar a vossa carne como fogo. Acumulastes tesouros no fim dos tempos. Privastes do salário os trabalhadores que ceifaram as vossas terras. O seu salário clama; e os brados dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do Universo. Levastes na terra uma vida regalada e libertina, cevastes os vossos corações para o dia da matança. Condenastes e matastes o justo e ele não vos resiste.

Os primeiros cristãos esperavam que Jesus regressasse em breve. Quando se aperceberam de que Jesus tardava, alguns, seduzidos pelo espírito do mundo, deixaram-se dominar pelas riquezas que tanto desejavam, ao ponto de explorarem os mais pobres. Tiago recorda que “os brados dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do Universo”.

EVANGELHO Mc 9, 38-43.45.47-48

Naquele tempo, João disse a Jesus: «Mestre, nós vimos um homem a expulsar os demónios em teu nome e procurámos impedir-lho, porque ele não anda connosco». Jesus respondeu: «Não o proibais; porque ninguém pode fazer um milagre em meu nome e depois dizer mal de Mim. Quem não é contra nós é por nós. Quem vos der a beber um copo de água, por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa. Se alguém escandalizar algum destes pequeninos que creem em Mim, melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma dessas mós movidas por um jumento e o lançassem ao mar. Se a tua mão é para ti ocasião de escândalo, corta-a; porque é melhor entrar mutilado na vida do que ter as duas mãos e ir para a Geena, para esse fogo que não se apaga. E se o teu pé é para ti ocasião de escândalo, corta-o; porque é melhor entrar coxo na vida do que ter os dois pés e ser lançado na Geena. E se um dos teus olhos é para ti ocasião de escândalo, deita-o fora; porque é melhor entrar no reino de Deus só com um dos olhos do que ter os dois olhos e ser lançado na Geena, onde o verme não morre e o fogo nunca se apaga».

A primeira parte do evangelho recorda o que é dito no texto de Números. Aqueles que não pertencem ao nosso grupo também são capazes de praticar o bem e também são assistidos pelo Espírito de Deus. Nós é que não podemos viver desconfiados em relação aos outros e julgar mal o que é bem ou julgar bem o que é mal de acordo com quem o pratica. Jesus alerta para vermos a raiz do mal que está dentro de nós, a fim de o erradicar totalmente.

Reflexão da Palavra

O texto da primeira leitura, tirado do livro dos Números, relata a escolha de setenta anciãos para ajudar Moisés na condução do povo do Senhor. De facto, os israelitas, saídos do Egito, revoltam-se e murmuram continuamente contra Moisés. O Senhor vai-os acalmando com alguns castigos (Nm 11,1) e com o alimento, o Maná (Num 11,7), mas as murmurações são contínuas. Moisés manifesta-se, então, diante de Deus de forma desesperada: “acaso fui eu que concebi todo este povo? Fui eu que o dei à luz para me dizeres: ‘leva-o ao colo, como a ama leva a criança de peito, até à terra que prometes a seus pais? Eu sozinho não consigo suportar todo este povo, porque é demasiado pesado para mim”. Em resposta a este desabafo, o Senhor, manda-o escolher setenta anciãos para repartir por eles o Espírito que está nele.

A descrição que lemos hoje, coloca Deus no meio do seu povo “o Senhor desceu” e “falou” e “tomando o espírito que estava sobre nele, deu-o aos setenta anciãos”. Acontece que, dois dos que tinham sido escolhidos não estavam junto da tenda de Moisés com os restantes, mas o Senhor repartiu por eles o mesmo espírito e começaram a profetizar.

Perante a notícia, Josué quer impedi-los, mas Moisés reconhece que esse dom, de profetizar, vem de Deus e seria bom que todo o povo recebesse o mesmo dom e profetizasse.

O salmo 18 está construído em três partes com estilos distintos, sendo a primeira parte um hino ao criador por tudo quanto criou, a segunda parte é um elogio à lei do Senhor e finalmente, a terceira parte, é uma súplica ao Senhor.

O salmista reconhece que que há uma mensagem que ressoa em toda a criação, como um cântico de louvor, como uma dança entre Deus e todas as criaturas. “os céus proclamam… o firmamento anuncia… o dia passa a mensagem…a noite dá a conhecer… o seu eco ressoou… Deus percorre alegremente o seu caminho”.

Na segunda parte, que é proclamada neste domingo, o salmista, instruído na lei do Senhor “o teu servo foi instruído”, faz o elogio da lei do Senhor. A lei do Senhor “é perfeita, reconforta a alma, “as ordens do Senhor dão sabedoria”, “os mandamentos “alegram o coração”, os preceitos “iluminam os olhos, as sentenças “são justas e verdadeiras”. Por isso, o salmista, pede a Deus que o preserve “do orgulho” para ser “irrepreensível e imune de culpa grave”.

O autor da carta de Tiago manifesta-se contra a atitude de alguns cristãos que, depois de verificarem que Jesus tarda em regressar, como prometera, começam a preocupar-se com as riquezas e a acumular tesouros até ao ponto de se deixarem dominar por elas e perderem o sentido da justiça e da caridade.

As primeiras comunidades tinham a caridade como um preceito diário. A partilha de bens, a preocupação com os pobres, o ter tudo em comum e pensarem uns nos outros, era uma norma. A eminente vinda do Senhor fazia-os pensar que não valia a pena acumularem riquezas para si mesmos. A grande riqueza era o amor. A demora do Senhor leva à transformação dos corações de alguns, que se deixam vencer pela tentação ao ponto de explorarem os pobres, os trabalhadores e endurecer o coração diante das dificuldades e sofrimentos dos irmãos da mesma comunidade. Tiago dirige-lhes palavras muito duras que recordam o alerta de Jesus “Não acumuleis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os corroem e os ladrões arrombam os muros, a fim de os roubar. Acumulai tesouros no Céu, onde a traça e a ferrugem não corroem e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois, onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt 6,19-21), para concluir “condenastes e matastes o justo” e agora “os brados dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do Universo”.

No evangelho Jesus continua a ensinar os seus discípulos. Agora, em relação aos que não pertencem ao grupo dos seguidores de Jesus. Que atitudes devem ter os seus discípulos diante de outras pessoas que, não sendo do grupo, também fazem coisas boas, neste caso “expulsar demónios”. Os seguidores de Jesus não devem colocar-se num plano superior, nem social nem espiritualmente, em relação aos que não são discípulos.

João vai apressadamente contar a Jesus como ele e os seus companheiros impediram um homem de expulsar demónios em seu nome. João considera que, por não pertencer ao grupo dos seguidores de Jesus, aquele homem não pode libertar os que estão prisioneiros do demónio. Jesus, porém, pensa que o mal se vence com o bem e todo aquele que faz o bem está a lutar a seu lado contra as forças do mal. As pessoas não se classificam a partir do grupo a que pertencem, mas pelos frutos que dão. “Toda a árvore boa dá bom fruto e toda árvore má dá mau fruto” (Mt 7,17), diz Jesus. Por outro lado, o mal não existe só fora da comunidade dos discípulos. Dentro também há muito mal e é preciso eliminá-lo.

Por isso, Jesus recorda que, também entre os seus, pode haver escândalo e pode haver fora do seu grupo copos de água distribuídos em seu nome. Pode haver entre eles, mãos, pés e olhos que não estão orientados para o bem, mas para o mal. O que fica bem expresso nas palavras de Tiago na carta que faz a segunda leitura.

Meditação da Palavra

A palavra coloca-nos diante da perspetiva de Jesus, quando no evangelho de Mateus diz aos discípulos para se acautelarem dos falsos profetas, recomendando que as árvores se conhecem pelos frutos, “toda a árvore boa dá bons frutos e toda a árvore má dá maus frutos, pelos frutos os conhecereis”. Marcos não apresenta esta afirmação, mas o texto que se escuta neste domingo pretende ensinar os discípulos de Jesus, a não condenarem nem matarem o justo só porque, aparentemente, ele não pertence ao seu grupo.

João, como Josué na primeira leitura, ao dar-se conta de que um homem andava a expulsar demónios em nome de Jesus, resolve, juntamente com mais alguns do grupo dos doze, impedi-lo de o fazer porque, diz ele a Jesus, “ele não anda connosco”. Pretende João que Jesus aprove a sua atitude salvaguardando a identidade do seu grupo.

Jesus, não só não aprova a sua atitude como aproveita para ensinar a João que a luta contra o mal é de todos e, se aquele homem liberta os que andam oprimidos pelo demónio, está a colaborar com ele, porque a sua missão é a luta contra toda a espécie de mal que impede o homem de viver e ser livre.

Depois, ensina que a prática do bem não tem dono, tanto os que estão no grupo dos doze, ou no grupo mais alargado dos discípulos, como os que estão fora são capazes de praticar o bem. E, garante que, todo o bem tem recompensa independentemente de quem o pratica, sobretudo se é feito em seu nome, pois “quem vos der a beber um copo de água, por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa”. Por outro lado, todo aquele, mesmo que seja de entre os seus discípulos, que escandalizar os mais pequeninos, esse merece o castigo e, a avaliar pelas palavras de Jesus, um castigo severo.

O ensinamento de Jesus vai ainda mais longe quando coloca a possibilidade do mal no próprio João, ao dizer diretamente, “Se a tua mão… se o teu pé… se um dos teus olhos…”, és capaz de a cortar? Isto é, estás na disposição de cortar o mal que há em ti, pela raiz? Assim, se o mal está na tua mão, cortas a mão? Cortas o pé? Arrancas o olho?

Jesus quer alertar para o facto de que mesmo dentro da comunidade dos que julgam pertencer a Cristo, pode surgir o mal, pode haver entre os membros da comunidade alguns que são árvores sem fruto. E avançar para a condenação dos que estão fora, só porque não pertencem ao nosso grupo, pode significar condenar alguém que atua por Cristo e faz o bem em seu nome. Do mesmo modo que, proteger aquele que está dentro da comunidade pode significar pactuar com o mal, em vez de o exterminar.

A carta de Tiago coloca diante de nós, na experiência de uma comunidade, a verdade ensinada por Jesus no evangelho. Na comunidade há homens que, cansados de esperar a vinda de Jesus, começam a pensar ao jeito dos homens e a procurar a sua segurança nas riquezas. Perderam o sentido original da caridade para com os irmãos, deixam de ter tudo em comum, não partilhem os bens pelos mais pobres e abandonam os mais fracos. Agora, Acumulam cada vez mais e são capazes de explorar os trabalhadores não pagando o salário justo, condenam e matam o justo. Tiago, lê uma sentença severa para estes. Diz que os bens acumulados estão apodrecidos, as vestes corroídas pela traça, a prata e o ouro enferrujaram. A sorte que os espera será ditada pelo Senhor que escuta o clamor dos pobres.

O drama descrito nestas leituras pode cair sobre cada um de nós se, como Josué, nos enchermos de ciúmes porque outros, que não estão connosco, também profetizam. Ou, como João, queremos impedir outros de fazerem o bem e se, levados pela sedução das riquezas, acumulamos tesouros na terra em vez de acumular tesouros no céu. É necessário, por isso, vigiar e, como o salmista, pedir ao Senhor “preservai do orgulho o vosso servo, para que não tenha poder algum sobre mim: então serei irrepreensível e imune de culpa grave”.

Rezar a Palavra

Ao escutar as tuas palavras, Senhor, lanço o olhar para as minhas mãos e para os meus pés. Olho dentro de mim e procuro ver o meu coração. Quem sou eu para julgar e condenar os outros. Quem me dá autoridade moral para reprimir os que fazem o bem em teu nome, se  eu, com as minhas mãos, os meus pés e os meus olhos, não respondo como teu discípulo, amando a todos, para que todos, vendo as minhas boas obras, amem o Pai que está nos céus? Preserva-me do orgulho, para não me sentir dono de mim mesmo e reconheça que todo o bem, que há em mim, vem de ti.

Compromisso semanal

Acolho todos os que, cheios de bondade, fazem o bem e vou colaborar com eles para que o bem vença sempre o mal.