Cala-te e escuta
De joelhos!
Uma procissão de gente sobe cantando. Homens e mulheres levados pelo entusiasmo sobem ao templo. As aclamações atraem multidões: “vinde! Prostremo-nos em terra!”.
Uma voz ressoa no cimo da montanha, qual trovão assustador. “Não endureçais os corações”.
Caídos por terra dominados pelo medo…
“Apesar de terem visto as minhas obras!
LEITURA I Dt 18, 15-20
Moisés falou ao povo, dizendo: «O Senhor, teu Deus, fará surgir no meio de ti, de entre os teus irmãos, um profeta como eu; a ele deveis escutar. Foi isto mesmo que pediste ao Senhor, teu Deus, no Horeb, no dia da assembleia: ‘Não ouvirei jamais a voz do Senhor meu Deus, nem verei este grande fogo, para não morrer’. O Senhor disse-me: ‘Eles têm razão; farei surgir para eles, do meio dos seus irmãos, um profeta como tu. Porei as minhas palavras na sua boca, e ele lhes dirá tudo o que Eu lhe ordenar. Se alguém não escutar as minhas palavras que esse profeta disser em meu nome, Eu próprio lhe pedirei contas. Mas se um profeta tiver a ousadia de dizer em meu nome o que não lhe mandei, ou de falar em nome de outros deuses, tal profeta morrerá’».
O ministério profético de Israel tem em Moisés o seu primeiro e mais importante profeta. Deus fala através do seu mensageiro. Moisés anuncia que o Senhor vai suscitar um outro profeta como ele. O povo deve escutar o profeta e cumprir o que o Senhor diz através dele.
Salmo Responsorial Salmo 94 (95), 1-2.6-7.8-9 (R. cf. 8)
O salmo 94 interroga aqueles que se dispõem a louvar o Senhor e a prostrar-se em terra, sobre a capacidade de escutar a voz de Deus com o coração. De coração endurecido não é possível escutar devidamente a palavra de Deus.
LEITURA II 1Cor 7, 32-35
Irmãos: Não queria que andásseis preocupados. Quem não é casado preocupa-se com as coisas do Senhor, com o modo de agradar ao Senhor. Mas aquele que se casou preocupa-se com as coisas do mundo, com a maneira de agradar à esposa, e encontra-se dividido. Da mesma forma, a mulher solteira e a virgem preocupam-se com os interesses do Senhor, para serem santas de corpo e espírito. Mas a mulher casada preocupa-se com as coisas do mundo, com a forma de agradar ao marido. Digo isto no vosso próprio interesse e não para vos armar uma cilada. Tenho em vista o que mais convém e vos pode unir ao Senhor sem desvios.
A adesão total, que é proposta aos discípulos de Jesus, torna-se mais difícil quando existem outras prioridades na vida. Para Paulo é mais difícil a entrega total a Jesus para aqueles que estão casados do que para os solteiros. No entanto, a adesão a Jesus não depende tanto das condições exteriores mas da qualidade do coração.
EVANGELHO Mc 1, 21-28
Jesus chegou a Cafarnaum e quando, no sábado seguinte, entrou na sinagoga e começou a ensinar, todos se maravilhavam com a sua doutrina, porque os ensinava com autoridade e não como os escribas. Encontrava-se na sinagoga um homem com um espírito impuro, que começou a gritar: «Que tens Tu a ver connosco, Jesus Nazareno? Vieste para nos perder? Sei quem Tu és: o Santo de Deus». Jesus repreendeu-o, dizendo: «Cala-te e sai desse homem». O espírito impuro, agitando-o violentamente, soltou um forte grito e saiu dele. Ficaram todos tão admirados, que perguntavam uns aos outros: «Que vem a ser isto? Uma nova doutrina, com tal autoridade, que até manda nos espíritos impuros e eles obedecem-Lhe!». E logo a fama de Jesus se divulgou por toda a parte, em toda a região da Galileia.
Na sinagoga de Cafarnaum através da palavra e dos gestos de libertação, Jesus revela-se um mestre com autoridade. Os ouvintes reconhecem-lhe essa autoridade, ficam maravilhados e espalham a notícia por toda a região.
Reflexão da Palavra
O livro de Deuteronómio, o último do Pentateuco, tem como preocupação a Aliança e a lei. Trata-se de uma apresentação e explicação da lei no contexto da Aliança estabelecida entre Deus e o povo, através de Moisés, no monte Horeb. O texto que aparece como primeira leitura deste IV domingo do Tempo Comum, insere-se na novidade que representa a relação de Israel com o seu Deus. O povo que saiu do Egito, conduzido por Moisés e depois de quarenta anos de deserto, está prestes a entrar na terra prometida. Os povos que ali se instalaram não têm o mesmo Deus e não se relacionam com a divindade a partir dos mesmos princípios. Eles, dizem os versículos 9-14, gostam de sacrificar os seus filhos e filhas a deus e praticam “encantamentos, augúrios, adivinhação, magia, feiticismo, espiritualismo, sortilégios e evocação dos mortos”.
Israel relaciona-se com Deus através da palavra. Deus, é um Deus que fala e o povo, é um povo que escuta. Por isso, Deus vai “suscitar um profeta”. Vai sair de entre o povo para ser intermediário entre Deus e o seu povo. No Horeb o povo pediu a Deus que não falasse diretamente. A voz do Senhor é poderosa e o povo tem medo de morrer se escutar diretamente a voz de Deus. Moisés é o único profeta e assume este papel ao longo do êxodo. Deus vai suscitar um outro profeta.
O profetismo teve sempre uma grande importância no judaísmo, como se verifica pela ação dos profetas e pelo lugar que ocupam na Bíblia. Os judeus entendem a promessa de um profeta como um anúncio escatológico e os cristãos reconhecem em Jesus o cumprimento desta promessa. Jesus Cristo é o profeta prometido por Deus e anunciado ao povo por Moisés.
Os profetas podem ser verdadeiros ou falsos. O povo deve fugir dos falsos profetas porque eles falam “em nome de deuses estrangeiros” e as suas palavras não se cumprem. O verdadeiro profeta não se anuncia a si mesmo, anuncia a Palavra de Deus “porei as minhas palavras na sua boca”.
O salmo 94 que a Igreja reza diariamente como invitatório na Liturgia das Horas, é um hino alegre e festivo. Ao início surge como um convite a entrar na procissão dos que louvam o Senhor e o reconhecem como Deus, criador de todas as coisas e rei. Estes são os que sobem ao templo para se prostrarem, “vinde, prostremo-nos em terra, adoremos o Senhor que nos criou”.
O salmo, interrompe repentinamente este louvor para fazer ouvir a voz de Deus com uma advertência: “não endureçais os vossos corações”. E recorda como os antepassados endureceram o coração e se revoltaram contra o Senhor em Massá e Meribá. Na advertência, o Senhor, recorda que “não entrarão no lugar do meu repouso”.
A fidelidade à aliança, o cumprimento da lei e a escuta da palavra é mais fácil quando se tem uma vida livre de compromissos familiares. Em resposta a muitas questões levantadas na comunidade de Corinto, Paulo estabelece uma comparação entre a vida dos casados e a dos solteiros. Aqueles que se casam estão divididos entre agradar ao marido ou à esposa e a Deus, enquanto que os solteiros podem dedicar-se totalmente ao Senhor. Paulo valoriza a vida dos que se consagram acima da vida matrimonial por causa da relação com Deus, tendo em conta que todos gostavam de poder dedicar-se inteiramente ao Senhor, mas, por causa dos deveres familiares não o podem fazer. No entanto, não pretende, ele, diminuir a importância do matrimónio que também tem grande valor aos olhos do Senhor.
Marcos coloca Jesus na sinagoga de Cafarnaum em dia de sábado, a ensinar. Jesus entra em Cafarnaum mas não vai sozinho, como se depreende do plural “entraram”, vai com os discípulos. Ali realiza aquela que é a sua principal atividade “ensinar”. Cafarnaum é um lugar recorrente no evangelho, pois é dali que Jesus parte e ali chega diversas vezes, é o porto de abrigo. Ali está a casa de Pedro.
O ensino de Jesus deixa “perplexos” todos os ouvintes, de tal modo que lhe reconhecem autoridade, embora se questionem sobre a origem dessa autoridade, sobretudo após ter expulsado o espírito impuro. Este questionar-se mutuamente sobre a palavra e a ação de Jesus pode significar uma primeira adesão, pela fé. A autoridade de Jesus vem de si mesmo, da sua condição de filho de Deus, ele não fala do que ouviu a outros, mas do que ele mesmo é e faz.
Em oposição à multidão, um homem, caracterizado como alguém “possuído por um espírito impuro”, reconhece que Jesus é o “Santo de Deus”, mas entende que Jesus nada tem que ver com ele e com os que são como ele (fala no plural) e sente-se ameaçado, “vieste para nos perder?”. De facto, Jesus veio para eliminar o mal e o espírito impuro não pode ter nada com Jesus, são de sinal oposto. Mas a ação de Jesus não é para destruir, é para salvar o homem do mal que o destrói, despersonaliza e não o deixa ser ele mesmo.
Neste agir em favor do homem e contra o mal é que se revela quem é Jesus. No entanto, para saber quem realmente ele é, não basta ouvir falar dele e da sua fama, é necessário ir com ele até à cruz onde o mal é definitivamente vencido e o homem salvo.
Meditação da Palavra
Não conhecer quem Deus é pode causar medo e admiração. Na primeira leitura percebe-se que o povo, no Horeb, teve tanto medo de Deus que julgou morrer se ouvisse de novo a sua voz, tal foi o susto que sentiram naquela primeira experiência. Pediram a Deus que lhes falasse de outro modo, através de Moisés, “não ouvirei jamais a voz do Senhor meu Deus, nem verei este grande fogo, para não morrer”. No evangelho as pessoas ficam admiradas, surpreendidas, um misto de admiração e medo, com a autoridade de Jesus que não fala como os escribas e tem poder sobre os espíritos impuros.
Deus aceita falar através de Moisés e promete um outro profeta depois dele, escolhido de entre o povo, para comunicar através a sua palavra ao povo “porei as minhas palavras na sua boca e ele lhes dirá tudo o que Eu lhe ordenar”. A palavra comunicada através do profeta tem a mesma validade. É sempre palavra de Deus ao seu povo e deve ser escutada, “se alguém não escutar as minhas palavras que esse profeta disser em meu nome, Eu próprio lhe pedirei contas”. Mas há sempre o risco de surgirem falsos profetas, homens que se assumem como enviados por Deus para comunicar o que eles próprios pensam e entendem. O povo tem que aprender a distinguir entre profetas verdadeiros e falsos profetas, “como distinguiremos a palavra que não proferiu o Senhor?”. O teste parece simples à primeira vista, mas nem sempre é fácil detetar um falso profeta: “Quando o profeta falar em nome do Senhor e essas palavras não se realizarem, então essa palavra não veio do Senhor“. Por isso, “se um profeta tiver a ousadia de dizer em meu nome o que não lhe mandei, ou de falar em nome de outros deuses, tal profeta morrerá”.
Israel, que recebeu muitos profetas da parte de Deus, que de muitos modos foram a voz de Deus no meio do seu povo, esperava a chegada daquele profeta anunciado por Moisés, uma figura que ganhou contornos escatológicos e que o povo aguarda ainda no tempo de Jesus.
No evangelho aparece Jesus na sinagoga de Cafarnaum em dia de Sábado e começa a ensinar. As pessoas que escutam, rapidamente se apercebem de que a sua doutrina é nova, no sentido de que “não (ensina) como os escribas”. Jesus ensina com autoridade e a sua palavra realiza-se num homem que está ali presente e está possuído por um espírito impuro. Perante a libertação que Jesus opera nele o povo fica atemorizado porque nunca tinha vista uma autoridade a manifestar-se daquela forma tão admirável, “que até manda nos espíritos impuros e eles obedecem-lhe”.
Jesus apresenta-se, assim, como o profeta cuja palavra se realiza perante os homens. João não era o profeta, mas Jesus sim, é o profeta esperado, prometido a Moisés como escutámos no livro do Deuteronómio. No entanto, no imaginário das pessoas os contornos deste profeta podem confundir-se com alguém que Jesus não é. Ele é o “santo de Deus” que o espírito impuro denuncia, mas não o é da forma como o povo espera. Por isso Jesus manda calar o espírito impuro, assim como manda que os apóstolos não falem dele e aos que ele cura, que não digam nada a ninguém. Jesus é o profeta cuja novidade se realiza na cruz. É necessário fazer o caminho com Jesus até à cruz, e renunciar a si mesmo para seguir Jesus com a cruz de todos os dias, para compreender quem é verdadeiramente este profeta que tem “uma nova doutrina” e “manda nos espíritos impuros”.
A autoridade das palavras e dos gestos libertadores de Jesus vem dele mesmo, da sua condição de “Filho de Deus” como revela Marcos no início do evangelho: “princípio do evangelho de Jesus, Filho de Deus”. novidade que será totalmente compreendida ao final quando na cruz se ouvir o centurião romano dizer: “verdadeiramente este homem era Filho de Deus”.
A dificuldade, para nós, já não é só a de distinguir os falsos profetas dos verdadeiros. A dificuldade está nos nossos olhos que podem olhar para Jesus e não ver quem ele é, não perceber que ele é o Filho de Deus ou ficar apenas na informação da sua identidade revelada por outros, sem chegar a fazer a experiência pessoal de encontro e evidência no seguimento de Jesus.
De facto, há muitas coisas que podem servir de distração e distanciar-nos do caminho de Jesus. Paulo aponta para as preocupações da vida real como impedimento para viver totalmente o projeto de santidade a que Jesus nos chama. Por isso diz que “a mulher casada preocupa-se com as coisas do mundo, com a forma de agradar ao marido” e do mesmo modo o homem casado “aquele que se casou preocupa-se com as coisas do mundo, com a maneira de agradar à esposa” e por isso, “encontra-se dividido”.
É possível, se assim o quisermos, a casados e solteiros, fazer o caminho com Jesus renunciando a tudo o que nos impede de o seguir e tomando, como ele, a cruz de cada dia, reconhecendo que ele mesmo é a novidade que a nossa vida precisa para se concretizar em nós a palavra de Deus. É possível procurar o que “mais convém e vos pode unir ao Senhor sem desvios”.
Não procuramos Jesus como se procura uma pessoa famosa, apenas pela sua fama, capacidade de atrair ou por termos ouvido falar. Procura-se Jesus pelo que ele é, enquanto Filho de Deus, e pelo poder que tem de transformar a nossa vida.
Rezar a Palavra
Ensina-me, Senhor, a distinguir a voz dos falsos profetas, de que o nosso mundo está cheio, para ouvir unicamente a tua voz e perceber a grande novidade que trazes à minha vida. Mostra-me o teu verdadeiro rosto em Jesus para que sinta entusiasmo em segui-lo. Conduz-me pela cruz de cada dia para ser um verdadeiro discípulo de Cristo.
Compromisso semanal
Quero fazer uma experiência pessoal de encontro com a novidade de Cristo para me decidir a segui-lo até à cruz.