Sou o teu pão

Quando sobre a minha mesa não há pão tudo escurece e faz-se noite. Na escuridão da noite, ainda que uma centelha de luar entre pela janela, a verdade é que não há pão. No meio da noite, sem pão, sombras vindas do nada, sentam-se à minha mesa filosofando sobre a essência da vida, a razão e o sentido, o porquê e o para quê, a minha origem e o meu fim, a justiça e a desgraça, o amor e o abandono e reclamam: “queremos pão! Para isso viemos. Dá-nos do teu pão ou então dá-nos a tua vida que transformaremos em pão “. As sombras da noite, sentadas à minha mesa sem pão, tornam-se gigantes que se impõem sobre mim, vindos do nada, mas tão reais para mim que, por amor à vida, tenho que encontrar maneira de lhes dar pão.

LEITURA I Prov 9, 1-6

A Sabedoria edificou a sua casa e levantou sete colunas. Abateu os seus animais, preparou o vinho e pôs a mesa. Enviou as suas servas a proclamar nos pontos mais altos da cidade: «Quem é inexperiente venha por aqui». E aos insensatos ela diz: «Vinde comer do meu pão e beber do vinho que vos preparei. Deixai a insensatez e vivereis; segui o caminho da prudência».

A sabedoria, que está em Deus desde o princípio, convida os homens a viver como inteligente, reconhecendo o caminho da prudência num mundo de insensatos. Aceitar o convite da Sabedoria para comer do seu pão e beber do seu vinho é aceitar acolher a pôr em prática a vontade de Deus.

Salmo 33 (34), 2-3.10-11.12-13.14-15 (R.9a)

O salmista distingue entre os que escutam e se deixam ensinar pelo Senhor e os poderosos que vivem de si mesmos. Os humildes procuram o Senhor, desejam a felicidade, evitam o mal e fazem o bem, os outros “empobrecem e passam fome”.

LEITURA II Ef 5, 15-20

Irmãos: Vede bem como procedeis. Não vivais como insensatos, mas como pessoas inteligentes. Aproveitai bem o tempo, porque os dias que correm são maus. Por isso não sejais irrefletidos, mas procurai compreender qual é a vontade do Senhor. Não vos embriagueis com o vinho, que é causa de luxúria, mas enchei-vos do Espírito Santo, recitando entre vós salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e salmodiando em vossos corações, dando graças, por tudo e em todo o tempo, a Deus Pai, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Paulo anima os efésios a deixarem a insensatez e a unirem-se no mesmo Espírito para procurarem e compreenderem juntos a vontade do Senhor. Como comunidade de irmãos devem dar graças de todo o coração, com salmos, hinos e cânticos espirituais.

EVANGELHO Jo 6, 51-58

Naquele tempo, disse Jesus à multidão: «Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei de dar é minha carne, que Eu darei pela vida do mundo». Os judeus discutiam entre si: «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?». E Jesus disse-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia. A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele. Assim como o Pai, que vive, Me enviou e Eu vivo pelo Pai, também aquele que Me come viverá por Mim. Este é o pão que desceu do Céu; não é como o dos vossos pais, que o comeram e morreram: quem comer deste pão viverá eternamente».

Perante a dificuldade em acreditar nas palavras de Jesus, a multidão é confrontada com a necessidade de uma opção radical, ou comem o alimento oferecido por Jesus, a sua carne e o seu sangue, ou não têm a vida que só ele pode oferecer e que está disponível na Eucaristia.

Reflexão da Palavra

O livro dos Provérbios, no início do capítulo 9 e final do prólogo, apresenta o convite da Sabedoria para o banquete, “quem é inexperiente venha a mim”, e no final do mesmo capítulo (v. 13-18) o convite feito pela “senhora insensatez”, “quem é simples venha cá!”. Com estes dois convites, dirigidos aos homens, compreende-se que se trata de uma opção que cada um é chamado a fazer, aceitar o convite da sabedoria ou o convite da insensatez.

A sabedoria insiste “Vinde comer do meu pão e beber do vinho que vos preparei. Deixai a insensatez e vivereis; segui o caminho da prudência”. E a insensatez insiste também num outro sentido “as águas roubadas são mais doces e o pão, comido às escondidas, é mais saboroso”.

A sabedoria é apresentada como alguém que está no início de todas as coisas. Ela está com Deus desde o início na organização da criação, “desde a eternidade fui formada, desde as origens, antes dos primórdios da terra” (8,23) a lembrar o prólogo do evangelho de João “no princípio existia o VerboNo princípio ele estava em Deus. Por ele é que tudo começou a existir” (Jo 1,1-2).

É a própria sabedoria que edifica a casa e levanta “sete colunas”, símbolo da perfeição. Ela também prepara o banquete “abateu os seus animais, misturou o seu vinho e dispôs a sua mesa” e envia as servas para fazer o convite. O convite é dirigido aos “simples” para que deixem a insensatez e vivam segundo“os caminhos da prudência”.

Pela segunda vez consecutiva surge o salmo 33. Na sequência da leitura de provérbios, o salmo convida os humildes a vir, a escutar, a procurar o Senhor, a amar a vida, a desejar o caminho da felicidade, a evitar o mal e a fazer o bem, a procurar a paz. Os pobres seguem por este caminho e nada lhes falta, enquanto que os ricos, porque não seguem por este caminho, “empobrecem e passam fome”.

Paulo continua a sua catequese dos domingos anteriores, chamando a atenção para o modo de proceder de cada um. Segundo o apóstolo, “os dias que correm são maus” e, por isso, há caminhos perigosos que não devem ser atravessados, como é o caminho da embriaguez “não vos embriagueis com vinho”. Para o cristão só há um caminho, o do Espírito, “enchei-vos do Espírito Santo”. Animados pelo Espírito os crentes vivem de modo sensato, como pessoas inteligentes, aproveitam o tempo, compreendem a vontade do Senhor, recitam salmos, hinos e cânticos espirituais e dão graças “por tudo e em todo o tempo”.

O evangelho tem início com o último versículo do domingo passado, “Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei de dar é minha carne, que Eu darei pela vida do mundo”. Esta a afirmação vem sendo aprofundada desde o início do capítulo 6. Jesus é o pão pelo qual vale a pena trabalhar, porque “dá a vida eterna” (6, 27). O pão que desceu do céu é o pão que dá a vida eterna e é a “minha carne”, diz Jesus.

A multidão que “murmurava entre si”, agora “discute entre si”. As palavras de Jesus provocam na multidão a mesma reação que a fome provocou no povo em Masá e Meribá (Ex 17). A situação é incompreensível, “como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?”.

À dificuldade da multidão, Jesus não acrescenta uma explicação, apresenta uma consequência “se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós”. Diante de Jesus não há outra alternativa senão acreditar, aceitar, comer e beber, porque, não acreditar significa não aceitar a sua morte e não comer e beber a sua carne e o seu sangue é não ter a vida.

Aquele que desceu do céu é também aquele que dá a sua “carne pela vida do mundo” e se torna para todos, alimento de vida eterna, o que significa que, aceitar um é aceitar o outro e rejeitar um é rejeitar o outro.

O texto ao colocar-nos diante de Jesus descido do céu que dá a vida pelo mundo e se torna alimento de vida eterna, coloca-nos diante do mistério da Eucaristia onde o pão e o vinho são o corpo e o sangue de Cristo que comungamos e no qual estamos em comunhão com a sua morte na cruz.

Meditação da Palavra

No evangelho de João, Jesus diz à multidão e aos homens de todos os tempos, o mesmo que a Sabedoria diz aos simples, aos inexperientes e insensatos, “vinde comer do meu pão e beber do vinho que vos preparei”. No entanto, como verificámos no texto do domingo passado e também hoje, a reação da multidão, dos judeus e no próximo domingo a reação dos próprios discípulos, é incompreensivelmente de recusa. Parece impossível acreditar em Jesus. A sua proposta parece fora do contexto existencial de quem o escuta. Não parece possível acreditar que ele desceu do céu, é incompreensível o desafio de comer da sua carne e até as suas palavras são insuportáveis (6,60). O mistério de si mesmo, revelado pelo próprio Jesus, parece difícil de aceitar.

Jesus, como a Sabedoria, desce até ao terreno existencial em que se encontram os seus ouvintes, fazendo entender que não se trata de uma ideia para compreender, discernir ou discutir, trata-se de uma opção fundamental entre viver e ser feliz ou perder a vida de forma insensata. Trata-se de escutar e aderir de forma consciente, sabendo que, se vens comigo tens a vida, se não vens comigo não tens a vida. Dás ouvidos à voz da Sabedoria que está em Deus desde o princípio ou dás ouvidos à voz da “senhora Insensata”. Também ela faz um convite a todos os homens, “vinde cá”, sem eles saberem que “ali está a morte” (Pv 9,18).

Não é, portanto, indiferente escolher a Sabedoria ou a insensatez, escolher a vida ou a morte, escolher acreditar em Jesus ou rejeitá-lo, comer do seu pão ou não comer, aceitar que a “minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida” ou rejeitar este alimento de vida eterna. Não aderir à proposta de Jesus é rejeitar a possibilidade de viver o milagre da vida eterna que só ele oferece.

O caminho da Sabedoria que nos é dado reconhecer em Jesus, na entrega total da sua vida, é o mesmo que encontramos no sinal que ele próprio nos deixou, a Eucaristia. O caminho da cruz e a Eucaristia estão unidos na mesma atitude de entrega. Num e noutro é dado ao homem, como alimento, a carne e o sangue de Cristo. Não se trata de um assunto para discutir, trata-se da vida entregue por alguém, a fim de que todos tenham a vida, permanecendo naquele que é a vida. Aceitar o mistério da Eucaristia, acreditar, deixar-se alimentar é a atitude para permanecer em Jesus e ter nele a vida eterna. Não aceitar, não acreditar, não se alimentar é perder a vida.

É o desafio de crer ou não crer em Jesus, sempre presente no evangelho de João. No diálogo com Nicodemos Jesus diz que o Pai deu o seu filho ao mundo para que “todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16) e no diálogo com a Samaritana diz “todo aquele que beber desta água voltará a ter sede; mas quem beber da água que eu lhe der, nunca mais terá sede: a água que eu lhe der há de tornar-se nele fonte de água que dá a vida eterna” (Jo 4,13-14).

O grande desafio do homem é a fé em Jesus, uma proposta que contém em si mesma o dom da vida. Basta crer. Mas a possibilidade de não crer está sempre presente e vem na forma de murmuração ou discussão, que significa sempre rejeição da proposta, do desafio e da fé, “como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?”.

As comunidades cristãs distinguem-se a partir da capacidade de reconhecer na Eucaristia a presença real de Jesus que mantém os seus membros unidos no Espírito Santo e as comunidades onde predomina a insensatez da dúvida ou da busca dos argumentos humanos que comprovam ou não uma verdade. É a isto que Paulo chama de embriaguez. Deixar-se embriagar pelas realidades deste mundo significa escolher de forma insensata o caminho que conduz à morte. Deixar-se conduzir pela sabedoria, pelo Espírito Santo que habita em nós desde o batismo, é seguir pelo caminho da vida, de acordo com o salmo quando diz “vinde, filhos, escutai-me, vou ensinar-vos o temor do Senhor”, “porque nada falta aos que O temem”.

A Eucaristia é um dom, que torna presente a entrega de Jesus na cruz. Trata-se do “pão que Eu hei de dar” como alimento que sacia a fome espiritual. Uma fome que ninguém consegue saciar a não ser aquele que se dá a si mesmo como alimento permanente e eterno “quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele”.

Não se come este pão que é Jesus como se come o maná. Já ali, o Senhor disse ao seu povo que o maná era “para te ensinar que nem só de pão vive o homem; de tudo o que sai da boca do Senhor é que o homem viverá” (Dt 8,3). O pão da Eucaristia que é corpo e sangue de Cristo, entregue e derramado na cruz, é alimento espiritual que dá àquele que crê e come, a vida eterna.

Rezar a Palavra

Deixo entrar em mim as palavras de Paulo “não sejas insensato”, “compreende bem a vontade do Senhor”, “não te embriagues…”, enche-te do Espírito Santo. Escuto a voz da Sabedoria “vem a mim”. Escuto acima de tudo a tua voz, Senhor, “a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele” e sinto o desejo de viver por ti.

Compromisso semanal

Compreendo que não vivo sem o alimento que Deus me oferece na Eucaristia.