Mistagogia da Palavra

Hoje como ontem, os homens sentem a exigência de ultrapassar os limites impostos pela sua condição humana e de penetrar nos mistérios do mundo de Deus. Muitos respondem a esta exigência com paliativos, às macaqueadas da religião, que se chamam artes divinatórias, práticas mágicas, bruxarias, sessões espiritistas. Mas não é com estes truques enganadores e mesquinhos que se chega lá. O Senhor deu-nos a sua palavra pelos profetas e completou toda a revelação por meio do seu Filho, Jesus Cristo. Os profetas de hoje – e pela efusão do Espírito Santo todos os membros da comunidade cristã se tornaram “profetas” – são chamados a escutar e a fazer ressoar no mundo a voz de Deus.
A 1ª leitura é do Livro do Deuteronómio. Deus promete a Moisés, e este comunica ao povo que há-de enviar, além doutros, um muito especial, que falará em nome de Deus com autoridade própria. Esse profeta é Nosso Senhor Jesus Cristo.
A 2ª leitura é da Primeira Epístola de S. Paulo aos Coríntios. Em Israel, os homens e as mulheres que não casavam e não tinham filhos eram desprezados. Aqui o Apóstolo faz o elogio da virgindade. Quem não tem uma família própria tem o coração livre para se dedicar completamente a Deus e a todos os irmãos sem qualquer limitação. Aqui S. Paulo está a falar da virgindade ou celibato autênticos, vividos como dom de Deus na alegre disponibilidade ao serviço do reino de Deus e dos irmãos.
O Evangelho é de S. Marcos. Jesus ensina na sinagoga de Cafarnaum e aí mesmo cura um possesso. Ao chegar a plenitude dos tempos, Deus já não fala por intermediários, mas pelo seu próprio Filho. E isso notava-se nas palavras de Jesus. Ele não fala com autoridade de outro, mas com a sua própria. O estilo do ensino de Jesus era bem mais libertador do que o dos fariseus. Era o anúncio de uma boa notícia para os simples. Daí o entusiasmo e a admiração dos ouvintes. O ensinamento de Jesus continua na cura de um possesso na mesma sinagoga de Cafarnaum. Era uma maneira eficaz de mostrar a sua autoridade mesmo sobre os Demónios, a quem se atribuíam as doenças e outros males.


A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra

Vem Espírito Santo, rompe a rotina do relógio do meu dia e dá-me um coração interrogado e maravilhado.


Evangelho    Mc 1, 21-28

Jesus chegou a Cafarnaum e quando, no sábado seguinte, entrou na sinagoga e começou a ensinar, todos se maravilhavam com a sua doutrina, porque os ensinava com autoridade e não como os escribas. Encontrava-se na sinagoga um homem com um espírito impuro, que começou a gritar: «Que tens Tu a ver connosco, Jesus Nazareno? Vieste para nos perder? Sei quem Tu és: o Santo de Deus». Jesus repreendeu-o, dizendo: «Cala-te e sai desse homem». O espírito impuro, agitando-o violentamente, soltou um forte grito e saiu dele. Ficaram todos tão admirados, que perguntavam uns aos outros: «Que vem a ser isto? Uma nova doutrina, com tal autoridade, que até manda nos espíritos impuros e eles obedecem-Lhe!». E logo a fama de Jesus se divulgou por toda a parte, em toda a região da Galileia.

Caros amigos e amigas, Marcos provoca-nos a um percurso de descoberta da pessoa de Jesus e lança-nos, logo neste pequeno trecho, algumas pistas que não nos poderão deixar indiferentes. Cada um de nós é chamado a questionar-se: Que vem a ser isto? Quem é este homem?! Não deixemos de responder… pessoalmente e de nos comprometer!

Interpelações da Palavra

Todos se maravilhavam
Aquele homem surgira do nada, de um passado obscuro, não trazia credenciais, nem selos reais, não tinha cartas abonatórias, ou antecedentes heroicos que o recomendassem. Chegava na nudez do trivial, com uns assomos de genialidade quase caseira, palavras simples, acessíveis ao senso comum… nada de artifícios de oratória, nem adornos rebuscados, e era isso que seduzia e convencia o povo: a naturalidade, a força da coerência entre a palavra e a sua consequência, a força da ação concreta, a coragem de introduzir as mãos no mais tenebroso do humano, o tocar na impureza e na fragilidade com uma misericórdia libertadora! Jesus não é um profeta teórico, a sua missão e a sua pregação passam por olhar a situação concreta das pessoas e agir em favor delas.
Ainda hoje o mundo espera dos discípulos de Jesus que saibam ser trovadores desta mensagem, dedilhando-a nas fibras dos dramas humanos que molestam os nossos contemporâneos. Não vale a pena inventar excentricidades para chamar a atenção sobre Jesus, mas ser presença e ser voz da sua Palavra, ser proximidade atenta e libertadora.

Espíritos impuros
Já é alguma coisa identificar os demónios que nos habitam e ajudar os outros em tal tarefa. E nós, dedicamo-nos a identificar os demónios que nos habitam? Temos a coragem de denunciar estas vozes que falam por nós e não somos nós, estas forças que nos prendem os membros que queriam ser mais diligentes, esta algema oculta que nos paralisa o bem que desejava semear-se mais? A tal exercício chama-se exame de consciência, tão pouco considerado, modalidade inexistente nos ginásios públicos, que nos incitam a estar em forma. Por isso os tecidos adiposos do egoísmo vão dando contorno ao nosso “corpo” espiritual, a flacidez do comodismo atrofia a nossa atenção e a nossa diligência rumo ao outro, a indiferença faz o ninho ao individualismo, a arrogância e o mau humor instalam-se. E isto não é uma imagem bonita de nós mesmos! Amigos e amigas, os espíritos impuros são tudo aquilo que nos despersonaliza e nos faz enveredar por sendas desumanas. A Palavra de Jesus tem a eficácia não apenas de “agitar” os espíritos impuros, mas de os desmascarar e de os expulsar!

A fama de Jesus
Segundo os padrões actuais do sucesso, Jesus sai da sinagoga em alta! No facebook daquele tempo teria muitos likes e uma legião de fãs. Mas Jesus não segue o caminho do sucesso fácil. A fama dele era na Galileia, reduto dos desprezados, dos mal considerados… a fama de Jesus nasce no sítio da má fama! Mas é aí que Ele começará a anunciar um Reino em que todos têm lugar e consideração. Este detalhe é um tremendo convite para nós, a descermos aos recantos onde ainda ninguém recebeu atenção sobre a sua dignidade. Amigos e amigas, escutemos Jesus, concedendo-lhe a autoridade que Ele tem e façamo-nos seus intérpretes, em gestos, atitudes e palavras! Entre tantas palavras que nos bombardeiam a atenção, Ele é a palavra que desperta, que chama, que cura… é o poder do Evangelho!

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor Jesus, mestre que me falas e ensinas o caminho da vida,
atravessa a minha estrada programada e assusta os meus entretenimentos, para que
desperte e descubra a maravilha de cada Palavra que me diriges e me sussurras com ternura.
Senhor Jesus, Mestre que me tocas e feres as brechas que escondo,
grita as perguntas que não tenho coragem de fazer e abre os meus olhos sonolentos
para que acolha com alegria e entusiasmo cada milímetro da Tua graça em mim.

Viver a Palavra
Vou apontar o milagre que o Senhor faz em mim neste dia.