Levanta-te e come
Fui a tua casa, sentei-me à tua mesa, comi do teu pão. Falei, ouvi, ri, mostrei-te as minhas chagas, mostraste-me as tuas chagas, chorei contigo e amei-te. Saí com um abraço e o frio da noite soprando no meu rosto feliz. Sorrindo, caminhei feliz por ti, por mim, por nós. Passei por ti, sorri-te feliz… chamei por ti, não reparaste, toquei o teu ombro… olhaste… convidei-te para minha casa… esperei por ti com a mesa posta e o pão generoso da espera. Fez-se tarde e comi no silêncio migalhas de ausência. Bati à porta do teu esquecimento, toquei-te na alma com as mãos da saudade. Devagar, rodando sobre os pés cansados da partida, chegaste ao meu olhar, enfim, perdido, e convidaste-me a entrar. Sentei-me à tua mesa e comi as migalhas das lembranças que trazias e que sempre, nos caminhos perdidos, nos uniram.
LEITURA I 1Rs 19, 4-8
Naqueles dias, Elias entrou no deserto e andou o dia inteiro. Depois sentou-se debaixo de um junípero e, desejando a morte, exclamou: «Já basta, Senhor. Tirai-me a vida, porque não sou melhor que meus pais». Deitou-se por terra e adormeceu à sombra do junípero. Nisto, um Anjo tocou-lhe e disse: «Levanta-te e come». Ele olhou e viu à sua cabeceira um pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água. Comeu e bebeu e tornou a deitar-se. O Anjo do Senhor veio segunda vez, tocou-lhe e disse: «Levanta-te e come, porque ainda tens um longo caminho a percorrer». Elias levantou-se, comeu e bebeu. Depois, fortalecido com aquele alimento, caminhou durante quarenta dias e quarenta noites até ao monte de Deus, Horeb.
Tomado pelo medo, Elias desanima e foge para o deserto. A perseguição que lhe move a rainha Jezabel leva-o a desacreditar da possibilidade de converter o seu povo ao Senhor e ele prefere morrer. Deus, que não abandona os seus filhos, envia-lhe o anjo para o alimentar no corpo e no espírito.
Salmo Responsorial Sl 33 (34), 2-3.4-5.6-7.8-9 (R. 9a)
O salmista proclama um hino de louvor e ação de graças porque reconhece que o Senhor lhe enviou um anjo que o defendeu e protegeu de todos os inimigos. O Senhor, escuta, entende, responde, liberta e salva os pobres que recorrem a ele.
LEITURA II Ef 4, 30 – 5, 2
Irmãos: Não contristeis o Espírito Santo de Deus, que vos assinalou para o dia da redenção. Seja eliminado do meio de vós tudo o que é azedume, irritação, cólera, insulto, maledicência e toda a espécie de maldade. Sede bondosos e compassivos uns para com os outros e perdoai-vos mutuamente, como Deus também vos perdoou em Cristo. Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados. Caminhai na caridade, a exemplo de Cristo, que nos amou e Se entregou por nós, oferecendo-Se como vítima agradável a Deus.
Paulo convida os efésios a fugir de toda a espécie de maldade e a aderir ao bem, imitando a Deus de quem nos tornámos filhos no batismo e a Jesus que deu a vida por nós. Marcados pelo Espírito no batismo, somos cidadãos do céu e assumimos comportamentos do céu.
EVANGELHO Jo 6, 41-51
Naquele tempo, os judeus murmuravam de Jesus, por Ele ter dito: «Eu sou o pão que desceu do Céu». E diziam: «Não é Ele Jesus, o filho de José? Não conhecemos o seu pai e a sua mãe? Como é que Ele diz agora: ‘Eu desci do Céu’?». Jesus respondeu-lhes: «Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a Mim, se o Pai, que Me enviou, não o trouxer; e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia. Está escrito no livro dos Profetas: ‘Serão todos instruídos por Deus’. Todo aquele que ouve o Pai e recebe o seu ensino vem a Mim. Não porque alguém tenha visto o Pai; só Aquele que vem de junto de Deus viu o Pai. Em verdade, em verdade vos digo: Quem acredita tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida. No deserto, os vossos pais comeram o maná e morreram. Mas este pão é o que desce do Céu, para que não morra quem dele comer. Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei de dar é a minha carne, que Eu darei pela vida do mundo».
No discurso sobre o pão da vida e perante a murmuração dos judeus, Jesus afirma que só Deus pode conceder-lhes o dom de o reconhecer como enviado do Pai, como pão que desce do céu, como alimento de vida eterna, como aquele que dá a vida ao mundo.
Reflexão da Palavra
A história do profeta Elias é contada a partir do capítulo 17 do primeiro livro dos Reis. Não sabemos o que terá sido a sua vida antes desta narração. O profeta vive no tempo do rei Acab e Israel vive, para além da instabilidade política, a idolatria. Dominado pelo culto a Baal, sofre uma terrível seca que é compreendida, por um lado como castigo e por outro como forma de fazer o povo compreender que não é Baal, mas o Senhor Deus de Israel, quem manda a chuva sobre a terra.
A missão profética de Elias transforma-se numa perseguição por parte da rainha Jezabel por ter vencido e matado os profetas de Baal. A rainha, informada pelo rei Acab do que tinha sucedido, manda um recado a Elias “que os deuses me tratem com o maior rigor, se amanhã, a esta mesma hora, não fizer da tua vida o mesmo que tu fizeste da vida deles”.
O grande profeta Elias enche-se de medo e foge para salvar a vida. É aqui que começa o texto da primeira leitura. Depois da caminhada de um dia no deserto, Elias sente que fracassou na sua missão e deseja morrer. Na sua oração faz conhecer a Deus o seu desânimo “já basta, Senhor. Tirai-me a vida, porque não sou melhor que meus pais”. Perante a situação parece que o mal, personificado na rainha Jezabel e no deus Baal, é mais forte que o Senhor do universo, mas o projeto de Deus não termina aqui. O próprio profeta vai perceber que não é um fracassado, que não está sozinho e não é o único fiel ao Senhor.
O Senhor acompanha e cuida de Elias e fortalece-o através do anjo que lhe dá de comer e de beber, “levanta-te e come, porque ainda tens um longo caminho a percorrer”. Fortalecido com o alimento que Deus lhe enviou, Elias caminha até ao Horeb, como o povo no êxodo guiado por Moisés.
O salmo 33 está construído em duas partes, a primeira é um hino individual de louvor e ação de graças (v. 2-11) e a segunda uma reflexão de tipo sapiencial (v. 12-23. Vai ser cantado durante três domingos seguidos. Neste domingo proclama-se a primeira parte (v. 2-9), na qual o salmista, a partir da sua experiência pessoal afirma que Deus é aquele que escuta, entende, responde, liberta, salva, através do seu anjo “o Anjo do Senhor protege os que O temem e defende-os dos perigos”, por isso, os pobres devem “saboreai e vede como o Senhor é bom” porque, como fez com Elias, o Senhor os faz recuperar o gosto pela vida.
Neste domingo continuamos a escutar a catequese de Paulo à comunidade de Éfeso. Trata-se de uma catequese de sabor batismal, na qual o apóstolo convida a viver segundo o Espírito que recebemos no Batismo. A partir da marca que foi impressa em nós “que vos assinalou para o dia da redenção” somos convidados a viver como homens chamados à plenitude que é a vida eterna e não segundo os critérios deste mundo. Daí que o apóstolo apresente uma lista de vícios a evitar e de virtudes a conquistar. Afastai “azedume, irritação, cólera, insulto, maledicência e toda a espécie de maldade” e procurai ser “bondosos e compassivos … perdoai-vos mutuamente… e caminhai na caridade”. O modelo será sempre Deus e Cristo, porque somos filhos e porque “nos amou e Se entregou por nós”.
Continuamos a escutar o discurso sobre o pão da vida do capítulo 6 de João. O evangelista procura aqui apresentar Jesus como o novo Moisés, que manifesta e revela o Pai, o Deus salvador. A multidão toma a atitude do povo no deserto, como escutámos na primeira leitura do XVII domingo “os judeus murmuravam de Jesus”. A incerteza faz duvidar tanto de Deus como de Jesus. No deserto o povo revoltado, punha em causa as boas intensões de Deus ao libertá-los do Egito. Aqui, junto a Cafarnaúm, levanta-se a dúvida sobre Jesus. É ele ou não aquele em quem podemos confiar porque nele se manifesta o próprio Deus? Afinal, ele é o filho de José. Está em causa a identidade de Jesus. Ele diz que Deus é seu pai, que desceu do céu e eles conhecem José como seu pai. Como pode ele ter descido do céu se o seu pai está ali e a sua mãe também?
A resposta de Jesus é um convite a confiar nele, aproximar-se e acreditar. A todo aquele que desejar conhecê-lo Deus concede-lhe esse dom, pois nele se manifesta, revela e torna presente, o próprio Deus. Ninguém conhece por si mesmo a verdadeira identidade de Jesus “ninguém pode vir a Mim, se o Pai, que Me enviou, não o trouxer”.
Ao contrário do que se possa pensar, este conhecimento não está reservado a uns quantos eleitos, está aberto a todos, desde que queiram, pois o Senhor prometeu “serão todos instruídos por Deus”. Então “todos”, “todo aquele que ouve o Pai … vem a Mim” e todo aquele que vem a mim “crê”. Crê em quê? Crê que “Eu sou o pão da vida”. E aquele que crê, “tem a vida eterna”.
Esta verdade é superior à revelação feita no deserto, pois eles comeram o maná e morreram. Jesus é “o pão vivo que desceu do Céu”, por isso, “quem comer deste pão viverá eternamente”. Finalmente, Jesus identifica o pão que desce do céu com “a minha carne”.
Meditação da Palavra
Há um ponto natural de encontro entre Deus e o homem que, simultaneamente tem sido lugar de suspeita por parte do homem relativamente a Deus. É a humanidade. Criado à imagem de Deus o homem é lugar da sua presença e, por isso, devia ser fácil encontrar o criador aí mesmo, na nossa carne, na existência concreta, no contexto humano e frágil da nossa condição, nos fracassos e na superação dos limites. No entanto, frequentemente, esta condição se torna um obstáculo e levanta suspeitas sobre essa presença divina.
A palavra deste domingo revela isso mesmo, um Deus que vem ao encontro do homem e o acompanha no ritmo dos passos de cada circunstância e um homem que sente dificuldade em viver a partir do encontro com o divino. Elias, o grande profeta, homem de Deus, apesar de ter vencido os profetas de Baal, experimenta em si mesmo a fragilidade em forma de medo. A ameaça da rainha, “que os deuses me tratem com o maior rigor, se amanhã, a esta mesma hora, não fizer da tua vida o mesmo que tu fizeste da vida deles”, provoca-lhe uma tal insegurança que nem consegue refletir sobre o poder que Deus colocou nas suas mãos. Foge para o deserto e, cansado da caminhada sob o sol escaldante, não tem condições físicas e espirituais para refletir sobre o que se está a passar na sua vida. Na sua fragilidade apenas consegue balbuciar um desejo, “já basta, Senhor. Tirai-me a vida, porque não sou melhor que meus pais”.
A continuação do texto revela que Deus está bem próximo, ali mesmo naquela fragilidade, no cansaço físico, no fracasso da existência mal compreendida, no medo perante as ameaças que põem a vida em perigo, na desidratação física e espiritual, na fome alucinante. Elias esquece que “o pobre clamou e o Senhor o ouviu, salvou-o de todas as angústias”. O Senhor, porém, não se esquece e envia o seu anjo que “protege os que O temem e defende-os dos perigos”.
“Fortalecido com aquele alimento, Elias, caminhou durante quarenta dias e quarenta noites, isto é, a vida toda, “até ao monte de Deus, o Horeb”.
No evangelho é a humanidade de Jesus, na qual se esconde a sua divindade, que se torna, para os judeus que o escutam, impedimento para o encontro com Deus. Perante as palavras de Jesus, escutadas no último domingo “Eu sou o pão que desceu do Céu”, não conseguem compreender como é que um homem pode descer do céu. Conhecem José seu pai e conhecem toda a família, ele é um homem em tudo igual a todos, como pode dizer “desci do céu”?
A fragilidade humana é demasiado evidente para podermos conceber que nela se esconde o mistério de Deus. Criados à imagem de Deus, deveria ser fácil perceber a marca de Deus em nós, o selo que nos cola a ele definitivamente, numa pertença inalienável.
Por detrás da realidade humana de Jesus, que o identifica como filho de José, esconde-se a origem divina do filho de Deus. Todos podem ver esta identidade de Jesus, mas para isso é necessário que o Pai nos leve a Jesus, que o próprio Deus nos instrua para lhe pertencermos, porque “todos os que o Pai me dá virão a mim”. Sem o olhar purificado pelo ensino divino “serão todos instruídos por Deus”, não é possível ver mais do que humanidade, pequenez, pobreza, insegurança, incapacidade, impedimentos.
Purificado o nosso olhar com a palavra de Deus, consegue ver-se no amor e no serviço ao homem o amor e o serviço a Deus, “o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá a vida ao mundo”. Olhar para Jesus, não a partir da condição humana, mas da revelação que Deus faz de si mesmo através da sua vida, das suas palavras, das suas escolhas e das suas renúncias, porque aí se revela um serviço e um amor ao homem. Um amor e um serviço que são verdadeiro alimento, pão que sacia, vida que preenche.
Com o olhar purificado pela instrução divina pode ver-se em Jesus um modelo a imitar, “sede imitadores de Deus, como filhos muito amados. Caminhai na caridade, a exemplo de Cristo, que nos amou e Se entregou por nós, oferecendo-Se como vítima agradável a Deus”. Porque esta é a verdadeira identidade de Jesus, o filho que nos faz filhos, uma entrega que nos ensina a ser lugar de encontro com Deus no serviço e no amor aos homens, a todos os homens.
Ser pão descido do céu é expressão figurativa de uma realidade que se torna visível na entrega total pelo mundo, pelos homens. Paulo recorda aos efésios que eles também trazem em si um selo de pertença a Deus, é o selo do Espírito recebido no batismo. E, para que esse selo os configure como pão de Deus, alimento descido do céu, devem imitar Jesus na sua caridade. Os sentimentos que eles vivem uns com os outros não estão a revelar o mistério divino que trazem gravado neles. Eles vivem mergulhados no “azedume, irritação, cólera, insulto, maledicência e toda a espécie de maldade”, coisas que devem ser eliminadas do meio deles. O selo de Deus com que foram marcados “para o dia da redenção” reclama que sejam “bondosos e compassivos uns para com os outros e perdoai-vos mutuamente, como Deus também vos perdoou em Cristo”, pois só assim se pode ver a sua verdadeira identidade, a de filhos de Deus.
No serviço e no amor aos homens, Jesus revela ser pão que dá vida, uma vida que é maior que a sua humanidade, uma vida que permanece eternamente, porque se trata dele mesmo, da sua carne, da sua existência consistente, por ser divina e por ser entregue por todos.
Na Eucaristia, encontramo-nos com Cristo no mistério da sua entrega na cruz e comungamos o pão que desceu do céu, que é a sua carne, o seu corpo, mas encontramo-nos também com o desafio de sermos, para toda a humanidade, existência que se dá no amor e no serviço a todos, imitando Cristo na caridade.
Rezar a Palavra
Neste domingo de calor, em que podemos descansar do trabalho da semana ou do trabalho do ano, porque estamos de férias, queremos sentar-nos, Senhor, no meio da assembleia reunida para a Eucaristia. No silêncio da espera pelo cântico inicial, depomos as malas do cansaço, da tristeza, dos sentimentos descontrolados, dos momentos de desamor, da frieza dos gestos e palavras, da desconfiança e olhamos no teu rosto crucificado, onde a tua humanidade se revela mais expressiva e nele encontramos o divino em nós. Compreendemos, então, que és o pão que desce do céu, que és a vida dada ao mundo, que és alimento de vida eterna, que em ti recuperamos a vida que nos falta.
Compromisso semanal
Reconheço que é para a vida eterna o pão que recebo na eucaristia.