Era quinta-feira, véspera da condenação de Jesus à morte. O Mestre queria tomar a refeição pascal, em memória da Páscoa judia, em conjunto com os seus discípulos. Eles, afinal, eram a sua família, e representavam o povo todo. Além disso, aquela refeição pascal era a última da sua vida mortal. Durante esta ceia, Jesus instituiu a Eucaristia… Este acontecimento de Fé é celebrado, na Igreja católica, logo no início da celebração litúrgica do Tríduo pascal, num contexto marcado pela vertente da Paixão e Morte do Senhor, onde os sinais festivos não são tão visíveis.
A Igreja, consciente da grandeza deste mistério e do significado profundo da instituição da Eucarística, introduziu, no seu calendário litúrgico, a solenidade que estamos hoje a celebrar. E fê-lo para afirmar a sua fé e o seu amor para com Cristo, presente no Santíssimo Sacramento, mas também para poder cantar, festivamente, os louvores de Deus, na Pessoa de Jesus Ressuscitado, presente na hóstia e no vinho consagrados.
Com esta celebração, a Igreja convida os seus fiéis a reflectirem e a interiorizarem a riqueza do amor de Deus, oculto e manifesto na presença real de Cristo, na Eucaristia; convida-os, enfim, a dar graças a Cristo, pelo dom da sua entrega por nós: Ele é «corpo entregue»; Ele é «sangue derramado».
1• A primeira leitura, há pouco proclamada, indica-nos algumas das características da Antiga Aliança: Deus manifesta a sua divina vontade ao povo de Israel, através da mediação de Moisés; o Povo compromete-se a fazer tudo o que o Senhor disser; Moisés ergue um altar e levanta doze pedras, para significar todo o Povo (uma por cada tribo); manda imolar algumas vitimas; toma sangue dessas vitimas e, com ele, asperge o altar, as doze pedras e o Povo. Está feita a aliança: Deus falou, o Povo respondeu e o pacto foi selado com sangue. O sangue sanciona a aliança. O mesmo sangue das vitimas uniu o altar (símbolo de Deus), as doze pedras (símbolo do povo inteiro) e o próprio povo presente (que se comprometera a ser fiel à vontade divina). A partir de então estavam todos reunidos: Deus com o Povo, o Povo com Deus e os membros do Povo uns com os outros.
Mas esta aliança não passava duma simples figura simbólica: o sangue dos animais não tinha eficácia, em si mesmo, para unir os homens com Deus; apenas revelava o desejo de que isso pudesse acontecer.
2• Jesus, Filho Eterno do Pai, fez-se Homem no seio de Maria. Ao fazer-se homem, sem deixar de ser o Filho eterno de Deus, assumiu a capacidade de poder dar-se e entregar-se como homem, sujeitando-se à própria morte. A partir da Encarnação, Jesus, o Filho de Deus, tem poder de dar a vida e de retomá-la, ou seja, tem poder de oferecê-la.
Ele, o Filho de Deus feito homem, pode derramar o seu sangue, pode dar a vida ao Pai, em favor dos homens, cuja natureza assumiu.
E Jesus realizou, de facto, tudo isto, ao dar a vida por nós, na cruz. O seu sangue humano é sangue do Filho de Deus. Foi derramado não sobre as nossas cabeças, mas sobre todo o nosso ser humano, porque Ele era humano. Não foi símbolo duma purificação que nos atingisse no exterior, mas expressão da verdadeira identidade do querer humano com o querer divino. A Aliança perfeita aconteceu! A vontade humana de Jesus identificou-se, em pleno, com a sua vontade divina.
Fomos redimidos das nossas infidelidades! Estamos salvos!
3• Jesus realizou a sua última ceia pascal com os Doze Apóstolos. Toma o pão e diz: «Isto é o meu Corpo, entregue por vós».
Toma o cálice, com vinho e diz: «Este é o meu Sangue, o Sangue da nova e eterna aliança, derramado por todos».
A nossa Eucaristia é Ceia, é Aliança, é Páscoa, é Cruz, é Ressurreição, é Redenção, é identificação com a vontade de Deus, é Corpo entregue e Sangue derramado pelos homens. Por isso a verdadeira celebração da Eucaristia inclui sempre a doação de nós mesmos aos irmãos.
(D. Manuel Madureira Dias, in Maravilhas de Deus – Homilias de um Bispo )