Que o amor vença todas as diferenças e cure todos os ódios

 
As palavras de Jesus mais parecem um conto de fadas do que uma proposta séria para a vida, para as relações entre as pessoas, para a paz entre os homens, para a felicidade, o progresso e o desenvolvimento de todos os povos.

A experiência do homem, de todos os tempos, diz que não conseguimos sobreviver sozinhos, precisamos uns dos outros para progredir nos meios de sobrevivência. A mesma experiência também diz que não houve, no mundo, um só dia sem guerra e que a paz só acontece mediante o medo do outro, e isso implica meios cada vez mais sofisticados de combate. Se queres a paz prepara a guerra.

Jesus serve-se de uma arma poderosa, que é o amor, para vencer o mal. Esta arma é mais eficaz do que todas as armas, mas tem menos adeptos dispostos a usá-la em todas as situações de conflito. É por isso que as palavras de Jesus não são levadas a sério e soam a poesia.

LEITURA I Lv 19, 1-2.17-18

O Senhor dirigiu-Se a Moisés nestes termos: «Fala a toda a comunidade dos filhos de Israel e diz-lhes: ‘Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo’. Não odiarás do íntimo do coração os teus irmãos, mas corrigirás o teu próximo, para não incorreres em falta por causa dele. Não te vingarás, nem guardarás rancor contra os filhos do teu povo. Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor».

A lei de Moisés previa a correção fraterna como forma de vencer o mal, sempre presente nas relações humanas, mesmo entre os membros do povo de Deus. O amor ao próximo deve vencer o ódio e impedir a vingança e o rancor. Pelo amor se alcança a santidade.

Salmo Responsorial Sl 102 (103), 1-2.3-4.8.10.12-13 (R. 8a)
De acordo com o salmo 102, Deus é aquele que perdoa, cura, salva e atua com misericórdia, paciência e bondade. Reconhecer isto desperta em nós o desejo de bendizer o Senhor.

LEITURA II 1Cor 3, 16-23

Irmãos: Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é santo, e vós sois esse templo. Ninguém tenha ilusões. Se alguém entre vós se julga sábio aos olhos do mundo, faça-se louco, para se tornar sábio. Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus, como está escrito: «Apanharei os sábios na sua própria astúcia». E ainda: «O Senhor sabe como são vãos os pensamentos dos sábios». Por isso, ninguém deve gloriar-se nos homens. Tudo é vosso: Paulo, Apolo e Pedro, o mundo, a vida e a morte, as coisas presentes e as futuras. Tudo é vosso; mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus.

O amor ao próximo, proposto na primeira leitura, encontra nas palavras de Paulo a sua razão de ser. O amor devido ao outro brota do reconhecimento da presença de Deus que habita em todos, como num templo. Somos de Deus, pertencemos àquele que nos habita. Esta verdade é loucura para os sábios deste mundo, porque são vãos os seus pensamentos.

EVANGELHO Mt 5, 38-48

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Ouvistes que foi dito aos antigos: ‘Olho por olho e dente por dente’. Eu, porém, digo-vos: Não resistais ao homem mau. Mas se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda. Se alguém quiser levar-te ao tribunal, para ficar com a tua túnica, deixa-lhe também o manto. Se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, acompanha-o durante duas. Dá a quem te pedir e não voltes as costas a quem te pede emprestado. Ouvistes que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem, para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus; pois Ele faz nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos. Se amardes aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem a mesma coisa os publicanos? E se saudardes apenas os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos? Portanto, sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito».

A lei de Talião e o amor ao próximo ganham nova leitura em Jesus. A lei que vence os inimigos é o amor e não as armas. Resistir à maldade com maldade é entrar na espiral da violência. Responder com amor é vencer definitivamente o mal e agir como o Pai que está nos céus.

Reflexão da Palavra

Tiradas do livro do Levítico, as palavras da primeira leitura fazem parte do capítulo 19, todo ele dedicado a aspetos legais, inspirados nos dez mandamentos dados a Moisés, mas elaborados como resposta à situação religiosa e social do povo no pós-exílio de Babilónia, século VI a. C..

Todas as orientações legais do capítulo 19 se inserem no contexto da santidade de Deus. Porque o Senhor é santo, todos os filhos de Israel devem ser santos (versículos 1 e 2).

Os versículos 17 e 18, deste capítulo, foram selecionados como preparação para as palavras de Jesus que vão ser escutadas no evangelho deste domingo, o que revela uma continuidade entre a palavra de Deus do Antigo Testamento e a proposta de Jesus aos discípulos, no Sermão da Montanha.

Trata-se aqui de apresentar o amor, que é o grande sinal da santidade divina, em forma de correção fraterna e em oposição à inimizade, vingança ou ressentimento. Se amas, então, corrige o teu próximo e serás como Deus que corrige aqueles que ama.
O Salmo 102, é um hino de ação de graças, no qual o autor se convida a si mesmo, a sua alma, todo o seu ser, com todas as suas faculdades, a “bendizer” o Senhor. Este convite é estendido aos anjos, aos exércitos celestes e a todas as obras, terminando o salmo com o convite inicial: “Bendiz, ó minha alma, o Senhor”. Os versículos que se leem neste domingo explicam a razão deste louvor: porque o Senhor perdoa, cura, salva e concede a sua misericórdia, porque ele é paciente, compassivo e cheio de bondade.
A afirmação de Paulo nos versículos da primeira carta aos coríntios, que se escutam neste domingo: “Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?”, pode ler-se na referência à comunidade cristã, como lugar da presença de Deus, assim como referida a cada um dos membros da comunidade. Será grave o atentado contra a vida da comunidade e será igualmente grave atentar contra os irmãos ou contra si próprio. No contexto das leituras deste domingo poderemos considerar a situação individual. Cada homem é um Templo de Deus, um lugar onde ele habita, uma terra sagrada. Pensar de outro modo e entrar no jogo do mundo, em que o outro é um inimigo ou um adversário, pode ser considerado sabedoria aos olhos dos homens, mas é loucura aos olhos de Deus, porque, apesar de tudo ser nosso, não nos pertencemos a nós mesmos, pertencemos ao Senhor.

No evangelho de Mateus, Jesus contrapõe à lei de Talião, muito habitual naquele tempo, a lei do amor. Trata-se de superar o mal com o bem e acabar com o círculo do mal não exercendo vingança sobre ninguém. Para concretizar em que moldes se põe em prática o amor, Jesus apresenta alguns exemplos da vida real.

Por outro lado, Jesus atualiza a lei do amor ao próximo, alargando o horizonte do mandamento de Moisés, até aos inimigos, revelando que esse é o caminho da perfeição e seguem-no aqueles que querem ser filhos de Deus.

Meditação da Palavra

O próximo, que o mandamento de Moisés manda amar, tem em Jesus novos contornos e aparece em Paulo como lugar onde Deus habita.

O modelo das relações com os irmãos é sempre Deus. Ele, age sempre em favor dos homens e não gera inimigos no seu coração. Nele habita a perfeição que é santidade e convida o homem a ser santo, a ser perfeito, como ele é santo e perfeito.

O salmo, revela como Deus, com a sua palavra e as suas ações, vem sempre em favor do homem. Ele perdoa, cura e salva. A todos ele trata com misericórdia, paciência e bondade. Com esta forma de agir, Deus tem sempre o caminho aberto para que todos sintam que podem aproximar-se dele sem medo de serem rejeitados ou maltratados.

Quando, como se diz no livro do Levítico, Deus diz: “não odiarás os teus irmãos… não te vingarás, nem guardarás rancor… corrigirás… amarás o teu próximo” está a dizer, “sede como eu”, “sede santos, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo”.
Quando no Evangelho Jesus diz: “não resistais ao mau” está a propor uma atitude diferente da que era tida por correta e que era conhecida como lei de talião: “olho por olho e dente por dente”. Quando a resposta ao mal é a vingança, então, entra-se na espiral de violência que conhecemos em muitos cenários de guerra, entre pessoas, famílias e povos. Normalmente esta opção mata.
A proposta de Jesus é a não violência, à semelhança da atitude que ele próprio nos vai mostrar nos dias da sua paixão. Ali, diante do mistério do mal, ele não pactuou, denunciou, mas não agrediu aqueles que o condenaram, maltrataram e crucificaram. A resposta de Jesus é sempre esta: “dá a outra face, entrega também a capa, e vai mais longe no amor”.

Na segunda parte do evangelho, Jesus confronta-nos com os inimigos. Do amor ao próximo que já estava proposto na lei de Moisés, Jesus alarga os horizontes até ao amor aos inimigos: “Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem”. Com estas palavras, Jesus quer dizer que o outro pode muito bem chegar a tornar-se nosso inimigo, mas nunca deixará de ser o nosso próximo. Ora, segundo a lei de Moisés, devemos amar o nosso próximo, pelo que, também os inimigos e os que nos perseguem devem merecer de nós o amor gratuito.

É assim que Deus age, “Ele faz nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos” deixando aberta a porta para que venham sempre ter com ele em busca de perdão e de misericórdia. Aqueles que amam os inimigos agem como Deus, por isso são seus filhos. Deus não faz como os publicanos nem como os pagãos, que apenas amam aqueles que os amam.

Os discípulos de Jesus que querem ser filhos de Deus e perfeitos como Deus é perfeito, não reconhecem ninguém como inimigo, pelo contrário, reconhecem, como Paulo, que todos os homens são templo onde Deus habita. Embora esta forma de pensar seja entendida como loucura pelos sábios deste mundo, ela é a atitude que brota da sabedoria de Deus.

Como discípulos de Cristo, não pertencemos a nós mesmos, pertencemos a Cristo e, por Cristo, pertencemos a Deus. É esta proximidade com Deus que impede que olhemos o outro como inimigo para o ver como filho de Deus, um irmão que se afastou, mas para quem o caminho da reconciliação está sempre aberto.

Rezar a Palavra

Como eu, Senhor, o meu irmão também é terra sagrada, lugar onde tu habitas. Para ele tens sempre a porta aberta para que regresse, se converta e viva. O teu coração, sempre disponível para perdoar, curar e salvar, é modelo para o meu pobre coração tantas vezes fechado. A tua paciência e a tua bondade são inspiração para a minha intolerância e insensibilidade. Ensina-me, Senhor, a amar aqueles que tu amas, para que não haja inimigos no meu coração nem portas fechadas ao perdão.

Compromisso semanal

Reconheço que Deus habita em cada homem e faço-me próximo dos que são ultrajados na sua dignidade.