Que o meu coração veja a tua misericórdia

Abram-se as portas e as janelas para que entre a luz. Abram-se os olhos dos que, pelo medo, não conseguem ver e soltem-se as amarras de todos os que, mesmo vendo, não podem dizer “vi o Senhor”. Cantem-se aleluias para vencer cobardias e proclame-se a palavra que ilumina todas dúvidas.
Anuncie-se a vitória de Cristo sobre a morte e cada um confirme que o encontrou pela manhã. Que o rosto feliz do primeiro dia da semana, transporte a notícia da ressurreição e todos possam dizer “meu Senhor e meu Deus”.

LEITURA I At 2, 42-47

Os irmãos eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações. Perante os inumeráveis prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos, toda a gente se enchia de temor. Todos os que haviam abraçado a fé viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam propriedades e bens e distribuíam o dinheiro por todos, conforme as necessidades de cada um. Todos os dias frequentavam o templo, como se tivessem uma só alma, e partiam o pão em suas casas; tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração, louvando a Deus e gozando da simpatia de todo o povo. E o Senhor aumentava todos os dias o número dos que deviam salvar-se.

O testemunho de fé e alegria da comunidade que se reúne à volta dos apóstolos, para escutar a palavra e repartir o pão, gera a simpatia do povo e faz crescer a comunidade com novos membros.

Salmo Responsorial Sl 117 (118), 2-4.13-15.22-24 (R. 1)
Neste domingo canta-se o mesmo salmo do domingo de Páscoa. Trata-se, como dissemos, de uma verdadeira ação de graças, encenada como uma liturgia. Repetem-se os versículos 22 e 23, sendo diferentes os restantes. No conjunto dos versículos escolhidos para este domingo domina o convite a proclamar a misericórdia do Senhor e os prodígios realizados por ele. Podemos salientar o facto de estes prodígios serem, agora, realizados através dos apóstolos, como refere o texto da primeira leitura.

LEITURA II 1Pd 1, 3-9

Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, na sua grande misericórdia, nos fez renascer, pela ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos, para uma esperança viva, para uma herança que não se corrompe, nem se mancha, nem desaparece. Esta herança está reservada nos Céus para vós, que pelo poder de Deus sois guardados, mediante a fé, para a salvação que se vai revelar nos últimos tempos. Isto vos enche de alegria, embora vos seja preciso ainda, por pouco tempo, passar por diversas provações, para que a prova a que é submetida a vossa fé – muito mais preciosa que o ouro perecível, que se prova pelo fogo – seja digna de louvor, glória e honra, quando Jesus Cristo Se manifestar. Sem O terdes visto, vós O amais; sem O ver ainda, acreditais n’Ele. E isto é para vós fonte de uma alegria inefável e gloriosa, porque conseguis o fim da vossa fé: a salvação das vossas almas.

Regenerados pela ressurreição de Cristo, os cristãos não temem as provações. Vivem na alegria todas as dificuldades porque se sabem herdeiros de uma herança que não se corrompe, nem mancha, nem desaparece. Reconhecem no seu sofrimento uma identificação com Cristo e nele afirmam a certeza da salvação.

EVANGELHO Jo 20, 19-31

Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor. Jesus disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos». Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Disseram-lhe os outros discípulos: «Vimos o Senhor». Mas ele respondeu-lhes: «Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei». Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa e Tomé com eles. Veio Jesus, estando as portas fechadas, apresentou-Se no meio deles e disse: «A paz esteja convosco». Depois disse a Tomé: «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente». Tomé respondeu-Lhe: «Meu Senhor e meu Deus!». Disse-lhe Jesus: «Porque Me viste acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto». Muitos outros milagres fez Jesus na presença dos seus discípulos, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome.

A experiência da fé não é uma tarefa individual, mas comunitária. A fé de cada um precisa do encontro com os outros, da partilha de dúvidas e de certezas, de uma reflexão continuada no encontro com Cristo ressuscitado, para poder chegar a dizer “Meu Senhor e meu Deus”

Reflexão da Palavra

No centro do texto que o livro dos Atos dos Apóstolos oferece sobre a vida da comunidade, estão as necessidades dos irmãos. A atenção às necessidades dos outros leva-os a vender os bens e a distribuir a cada um segundo as suas necessidades. De acordo com o texto, a consequência de terem abraçado a fé é terem tudo em comum e a capacidade para o fazerem nasce da ida diária ao templo e da Eucaristia, “partiam o pão em suas casas”. A fidelidade ao “ensino dos Apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações” é a garantia do êxito dentro e fora da comunidade, viviam “como se tivessem uma só alma” e “gozavam da simpatia de todo o povo”.

A fé da comunidade é consolidada também através de prodígios e milagres realizados pelos apóstolos, como manifestação do poder de Deus. O salmo 117 vai fazer referência a estes prodígios realizados pelo Senhor, como manifestação da sua misericórdia e da sua salvação.

Pedro apresenta a paixão de Cristo como ponto central da sua carta. No centro do texto, da segunda leitura, está a problemática do sofrimento dos cristãos. Só por si o sofrimento não tem sentido. Mas, para aqueles que foram regenerados (pelo batismo) na ressurreição de Cristo e nele tornados herdeiros de “uma herança que não se corrompe”, “reservada nos céus”, graças ao amor a Cristo, em quem acreditam apesar de não o verem, o sofrimento, torna-se fonte de salvação porque se identificam com Jesus, fazendo prova da sua fé como se prova o ouro no fogo. Desta forma alcançam “a salvação das vossas almas”.

O evangelho de João, continuação do texto de domingo de Páscoa, abre uma nova cena. Da “manhãzinha, ainda escuro” passamos à “tarde daquele dia”, o mesmo primeiro dia da semana. Muda também o lugar do encontro, estamos na “casa onde os discípulos se encontravam”. Já não se fala de Maria Madalena nem do sepulcro nem de morte.

O texto apresenta duas grandes cenas. Nas duas cenas os discípulos estão em casa, com portas e janelas fechadas e Jesus apresenta-se no meio deles. Nas duas cenas Jesus saúda os discípulos “a paz esteja convosco”. Embora de modo diferente, nas duas cenas Jesus mostra, através dos sinais das mãos e dos pés, que ele é o mesmo que esteve suspenso na cruz, anúncio que transforma o medo em alegria “ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor” e transforma a incredulidade em fé “não sejas incrédulo mas crente“.

Na primeira cena Jesus introduz os discípulos na sua missão “como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós” e dá-lhes o poder de perdoar e reter o perdão pela força do Espírito que lhes concede mediante um sopro.

Entre a primeira e a segunda cena aparece Tomé que, não estando presente naquela tarde, tem dificuldades em acreditar.
A segunda cena começa por afirmar a presença de Tomé entre os discípulos quando Jesus, pela segunda vez, e oito dias depois, se apresenta no meio deles. As palavras de Jesus para Tomé são decalcadas nas palavras que Tomé tinha dito aos outros discípulos: “Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente”. O evangelista apresenta aqui uma relação entre ver e crer, como já tinha feito antes, na cura do filho do funcionário real “se não virdes sinais extraordinários e prodígios, não credes”. Para João, crer é mais do que ver, é ir mais além daquilo que se vê.
Perante a afirmação de Jesus, Tomé também quer ir mais além e, servindo-se da expressão do salmo 35,23 “Desperta e levanta-te para me defenderes, meu Senhor e meu Deus”, afirma a fé em Jesus.

Na conclusão, as palavras de Jesus são dirigidas a todos os que escutam o evangelho, também a nós hoje, os chamados a acreditar em Jesus sem terem visto. A estes, Jesus proclama “felizes os que acreditam sem terem visto”. O evangelista reforça, no epílogo, a relação entre a fé e a salvação, afirmando que estes factos “foram escritos para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome”.

Meditação da Palavra

No segundo domingo da Páscoa a Igreja celebra o Domingo da Divina Misericórdia. A misericórdia do Senhor é eterna, proclama hoje o salmo 117, e todos podem reconhecer na ação de Deus realizada em Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem, a manifestação dessa misericórdia infinita.

Que o digam os ouvintes de Pedro, provavelmente homens e mulheres que aderiram à fé em Jesus morto e ressuscitado e que viveram, recentemente, a experiência do batismo. A eles Pedro recorda que renasceram para uma vida nova, graças à “grande misericórdia” de Deus, Pai de Nossos Senhor Jesus Cristo. Esta vida nova é uma “esperança viva, uma herança que não se corrompe” que lhes “está reservada nos céus” e que é “salvação que se vai realizar nos últimos tempos”.

Esta herança, fruto da misericórdia de Deus, encontra no amor a Jesus Cristo a sua fonte e motivo de alegria. Uma alegria que as provações do tempo presente não conseguem apagar, antes fortalecem pela união aos sofrimentos de Cristo na sua paixão. Provada nas dificuldades, a fé dos neófitos torna-se “digna de louvor, glória e honra”, porque “sem o terdes visto, vós o amais; sem o ver ainda, acreditais nele”.

Trata-se da fé sem ver, elogiada por Jesus no episódio de Tomé relatado no evangelho por João. As duas cenas do evangelho colocam diante dos ouvintes de hoje e de sempre, por um lado, a certeza da ressurreição de Jesus, provada pelos sinais nas mãos e nos pés a certificar que é o mesmo Jesus que esteve suspenso na cruz. Por outro lado, coloca em confronto a fé nascida dentro da comunidade e a dificuldade em crer dos que estão fora, cheios de dúvidas e a exigir ver para crer. Tomé é o exemplo destes que, ontem e hoje, exigem ver para acreditar.

Jesus, apressando-se a ir ao encontro daqueles que, como Tomé têm dificuldade em acreditar, torna-se presente em cada primeiro dia da semana e avisa que acreditar é mais do que ver. O tom de censura a Tomé, deixa um elogio aos que não precisam de ver para acreditar: “Porque viste acreditaste”, diz Jesus, “felizes os que acreditam sem terem visto”.

Mais do que ver é necessário escutar, por isso, o evangelista se apressa a informar que “muitos outros milagres fez Jesus na presença dos seus discípulos… Estes, porém, foram escritos para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome”. Será na escuta desta palavra que todos os que não podem ver, vão chegar à fé.
Exemplo disso é a comunidade de Jerusalém que, iluminada pelo ensino dos apóstolos, animada pela fração do pão (eucaristia) e pela oração realizada diariamente no templo, tem um só coração e atende aqueles que, nas suas necessidades, se identificam mais com Jesus na sua paixão, apressando-se a socorrê-los com os seus próprios bens.

Não vendo, escutam e, pela palavra dos apóstolos, chegam à fé, de tal modo que se vê neles o rosto de Cristo que seduz todo o povo e faz aumentar o número daqueles que devem salvar-se.

Rezar a Palavra

Sinto-me tantas vezes Tomé diante da possibilidade de crer, Senhor. Por vezes, olho os meus irmãos e vejo neles o rosto de uma fé que me falta, uma certeza que me parece nunca ter experimentado. Vivo no meio de dúvidas, de ausências e incertezas. A fé que assiste os meus olhos não é evidente, mas eu continuo a dizer “meu Senhor e meu Deus”, mais na esperança do que na certeza, se bem que o meu coração sabe que tu estás vivo, ressuscitado, e me assistes como amparo na cegueira do caminho. Que me anime a esperança viva e o amor feito pão partilhado com os irmãos.

Compromisso semanal

Ainda que seja escuro o meu caminho, animo na fé aqueles que comigo continuam a procurar-te no meio da escuridão.