NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO
Todos os olhos verão
Mal tinha saído da adolescência quando, ninguém o esperava nem ele próprio, vê-se confrontado com a grande pergunta da sua vida. “Quem sou eu?” Aquela pergunta mergulhou-o numa imensa escuridão, como nunca tinha sentido, nem nos dias em que se metia debaixo das mantas irritado porque a mãe não o deixava ir com os amigos.
Todos lhe diziam: “és o Tiago… o melhor aluno da escola… tens uma voz fantástica e deixas as miúdas perdidas de amor… és o capitão da equipa de Basquete, todos te conhecem… não passas despercebido em lado nenhum pela tua alegria, animas a malta toda”. Os pais diziam-lhe “és o nosso filho, o nosso príncipe, nós amamos-te… que parvoíce esse de não saberes quem és…?”
LEITURA I Dan 7, 13-14
Contemplava eu as visões da noite, quando, sobre as nuvens do céu, veio alguém semelhante a um filho do homem. Dirigiu-Se para o Ancião venerável e conduziram-no à sua presença. Foi-lhe entregue o poder, a honra e a realeza, e todos os povos, nações e línguas O serviram. O seu poder é eterno, não passará jamais, e o seu reino não será destruído.
Levado à presença do Ancião venerável, o filho do homem é coroado rei e recebe “o poder, a honra e a realeza”. O seu poder é para sempre e domina sobre todos os povos. O Filho de homem, é Jesus, o rei, como ele afirma no evangelho. Rei de um reino que não é deste mundo.
Salmo 92 (93), 1ab.1c-2.5 (R. 1a)
Deus é mais forte do que todas as forças da noite, ele “é o Senhor lá nas alturas”, ele é o rei. Todos os que nele confiam, vivem seguros porque a palavra do Senhor é para sempre e o seu trono é inabalável.
LEITURA II Ap 1, 5-8
Jesus Cristo é a Testemunha fiel, o Primogénito dos mortos, o Príncipe dos reis da terra. Àquele que nos ama e pelo seu sangue nos libertou do pecado e fez de nós um reino de sacerdotes para Deus seu Pai, a Ele a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amen. Ei-l’O que vem entre as nuvens, e todos os olhos O verão, mesmo aqueles que O trespassaram; e por sua causa hão de lamentar-se todas as tribos da terra. Sim. Amen. «Eu sou o Alfa e o Ómega», diz o Senhor Deus, «Aquele que é, que era e que há de vir, o Senhor do Universo».
Cristo, depois do sacrifício da sua vida torna-se o “príncipe dos reis da terra”. Agora, Senhor da história, do mundo e da eternidade, ele vem sobre as nuvens e todos, mesmo os que lhe deram a morte, podem vê-l.o. Ele é o Senhor “que é, que era e que há-devir”.
EVANGELHO Jo 18, 33b-37
Naquele tempo, disse Pilatos a Jesus: «Tu és o Rei dos Judeus?». Jesus respondeu-lhe: «É por ti que o dizes, ou foram outros que to disseram de Mim?». Disse-Lhe Pilatos: «Porventura eu sou judeu? O teu povo e os sumos sacerdotes é que Te entregaram a mim. Que fizeste?». Jesus respondeu: «O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que Eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui». Disse-Lhe Pilatos: «Então, Tu és Rei?». Jesus respondeu-lhe: «É como dizes: sou Rei. Para isso nasci e vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz».
Diante de Jesus, Pilatos podia ter-se encontrado com a verdade e transformado a sua vida numa luta pela justiça e libertação dos inocentes, dos humilhados, dos que são rejeitados pela sociedade. Pilatos preferiu ignorar a verdade e condenar Jesus à morte para se manter no trono da iniquidade. Jesus, por seu lado, mantém-se firme na luta pela verdade e afirma-se rei de um reino cujos critérios não são deste mundo.
Reflexão da Palavra
Recordamos o que foi dito a propósito do livro de Daniel no domingo passado. Estamos no tempo do rei Antíoco Epifânio perseguidor dos judeus que não obedecem às suas ordens por quererem permanecer fiéis ao Senhor. Daniel, no pequeno texto da primeira leitura deste domingo, fala de uma visão noturna, na qual ele contempla “alguém semelhante a um filho do homem”. A cena é apresentada como um momento solene em que este “filho do homem” é consagrado rei. Não por sua iniciativa, mas por iniciativa de outro, o “filho do homem” é conduzido à presença do Ancião, que todos percebemos ser Deus, uma vez que a visão revela o que se passa “sobre as nuvens do céu”. A ele é dado “o poder, a honra e a realeza” que exerce de modo universal “todos os povos, nações e línguas O serviram”, num reinado eterno “o seu poder é eterno, não passará jamais, e o seu reino não será destruído”.
O “filho do homem”, de acordo com o conteúdo que se segue a este pequeno texto da liturgia dominical, não é um indivíduo, mas um povo, uma vez que, mais adiante se afirma que “a realeza, o império e a grandeza de todos os reinos, situados sob os céus, serão então devolvidos ao povo dos santos do Altíssimo”. Que povo é este? Naturalmente o povo do Senhor, Israel, na sua expressão mínima do “resto de Israel” que permanece fiel no meio das perseguições.
O texto, como já era dito no último domingo, é oferecido pelo autor como conforto para este resto fiel que vive os horrores da perseguição e vê como perecem sob a espada de Antíoco muitos dos seus membros. A estes é anunciado um tempo de salvação que deve ser aguardado em esperança.
O título “filho do homem” é usado por Jesus, atribuindo-o a si mesmo. De acordo com a afirmação coletiva do conteúdo do termo, dificilmente a poderíamos aplicar a Jesus. No entanto, sabemos que Jesus, apesar de ser um indivíduo singular ele faz a experiência de viver para um coletivo. Morre um por todos, para que todos sejam um. Ele é o primeiro, as primícias de uma nova humanidade que se há de revelar no final, quando todos formos um só nele. Aí, nesse tempo em que se realizará definitivamente a promessa da salvação, seremos o “povo dos santos do Altíssimo”.
O salmista enaltece a realeza divina que considera firme e eterna, e reconhece que a obra das mãos do Senhor, “o universo”, também está firme e inabalável. Do mesmo modo que vê a grandeza e firmeza do poder divino, ouve o ruído do mar. O mar é sinonimo de reino das trevas, da violência dos povos e do poder dos inimigos. No entanto, mais forte que todas as forças adversas, é Deus “mais forte… mais poderoso… é o Senhor lá nas alturas”. Podem estar seguros, todos os que permanecem fiéis ao Senhor, porque a palavra e a santidade de Deus não vacilam, são para sempre.
Na saudação que faz às sete Igrejas da Ásia, João, no livro do Apocalipse, afirma que Jesus Cristo é aquele que venceu a morte e o rei coroado de poder de que fala Daniel. É nele que todos somos purificados, como diz a carta aos Hebreus, no texto que lemos domingo passado, “tornou perfeitos para sempre os que ele purificou” para sermos aquele “povo dos Santos do Altíssimo” da primeira leitura ou, como diz João no Apocalipse “sermos um “reino de sacerdotes para Deus e seu Pai”.
Jesus, o verdadeiro Messias, é “a Testemunha fiel, o Primogénito dos mortos, o Príncipe dos reis da terra”, mas é também “aquele que nos ama”, que derramando o seu sangue “nos libertou do pecado” e “fez de nós um reino de sacerdotes”, por isso lhe devemos render “glória e o poder pelos séculos dos séculos”.
Jesus é aquele que “vem entre as nuvens”, como profetiza Daniel, porque triunfou sobre “aqueles que O trespassaram”. Agora Todos os podem ver, mesmos os que executaram a sua morte e, ao contrário do que se pode esperar, não serão condenados, mas têm oportunidade de, contemplando “aquele que trespassaram” o chorem, “hão de lamentar-se” e chorar, “como se chora um filho único”. Pelas lágrimas abrirão os olhos e o coração para crer naquele que condenaram injustamente. E, assim, o reino de Cristo será eterno, porque todos os corações lhe pertencem.
Para João, no evangelho, Jesus é mesmo rei. Ao longo da sua vida foi recusando ser reconhecido como tal. Quando muitos o queriam aclamar, e com razão, ele recusou e afastou-se. É diante de Pilatos, quando o seu aspeto é o de um condenado, que Jesus afirma ser rei. Quando já ninguém o reconhece com poder para poder afirmar-se como rei de Israel, ele afirma-se rei para apresentar os novos critérios de uma realeza que “não é deste mundo”. Os critérios já são conhecidos porque ele já os repetiu aos seus discípulos “quem quiser ser o primeiro há de ser o último… quem quiser ganhar a vida há de perdê-la… quem quiser ser meu discípulo pegue na sua cruz e siga-me, porque o filho do homem veio para servir e dar a vida”. João apresenta precisamente Jesus como rei, quando ele está prestes a dar a vida.
O diálogo com Pilatos revela a confirmação do que é dito por Daniel “todos os povos, nações e línguas O serviram”, e o que diz João no Apocalipse “todos os olhos O verão… e hão de lamentar-se todas as tribos da terra”. Pilatos representa todos os poderosos da terra que, diante de Jesus, mesmo na figura de um condenado, são levados a dizer “tu és rei” nem que seja como uma grande interrogação. Jesus, porém, questiona-o mais profundamente “é por ti que o dizes, ou foram outros que to disseram de Mim?”. A Jesus não se reconhece por ouvir dizer, mas por adesão pessoal à sua pessoa e ao seu reino.
O seu reino, porém, não é deste mundo. Não tem os mesmos critérios porque não submete pela força os seus súbditos, mas pelo amor que dá a vida. É o reino da verdade, da qual a vida de Cristo é o maior e mais autêntico testemunho, como se diz no Apocalipse “Jesus Cristo é a Testemunha fiel”. Por isso, Jesus diz a Pilatos “todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”, ou seja, Pilatos, que se prepara para o condenar à morte entregando-o às mãos dos judeus, é um daqueles que o “trespassaram” e está a tempo de escutar “a voz” e, em vez de filosofar sobre a verdade, pode aderir à verdade para mudar o coração.
Meditação da Palavra
Celebra-se neste domingo a Festa de Cristo Rei do universo. Que sabemos nós sobre a realeza? O que aparece imediatamente quando se fala de realeza é o trono e a coroa. O rei é alguém a quem todos devem homenagem, obediência e respeito e que está sentado num trono com a coroa na cabeça e o cetro do poder na mão.
Guardam-se, ainda hoje, em muitos museus tronos e coroas dos reis da terra, feitas de ouro ou prata e adornadas com pedras preciosas. Muitas pessoas gostam de contemplar a beleza e a riqueza destas coroas e, de facto, a beleza artística conferida pelas mãos de quem as desenhou e executou merece ser contemplada e devem ser guardada em cofres com alarmes para não serem roubadas.
Não é assim, já o sabemos, com Jesus. Ele não é um rei como os demais reis da terra e o seu reino não é deste mundo. Os critérios do seu reino não são os da força e do poder mas os do amor e da vida entregue. Por isso, o nosso rei, Jesus, não tem um trono mas uma cruz e não tem outra coroa além dos espinhos que lhe cravaram na cabeça.
O trono de Jesus, assim como a sua coroa, não são sinais de poder e o seu valor não é material, pelo que, não precisam ser guardados em museus como obras de arte nem fechados em cofres porque não há quem os queira roubar. A cruz de Jesus e a sua coroa de espinhos são para venerar, como sinais do amor e da sua entrega pela humanidade, como sinais que falam de como Deus é, um Deus que se dá.
A cruz e a coroa de espinhos são o verdadeiro testemunho de um Deus que “nos ama e pelo seu sangue nos libertou do pecado”. Eles falam da verdade de Deus, daquela verdade com que Pilatos se vê confrontado quando, na sala interior do seu palácio, questiona Jesus “Tu és o Rei dos Judeus?” e sente o peso da resposta de Jesus em forma de pergunta, “é por ti que o dizes, ou foram outros que to disseram de Mim?”. A pergunta de Jesus tem o peso da verdade que Pilatos procura contornar com desenvolvimentos filosóficos e artimanhas políticas que o mantêm no poder. A pergunta de Jesus questiona-o, como a nós hoje, sobre o porquê de permanecer diante dele. “Vens a mim pelo que ouviste dizer ou pelo que eu sou realmente?”
Como é que Pilatos se coloca diante de Jesus? Como aquele que, do mesmo modo que os reis da terra, julga ter poder para tirar a vida. Não é a verdade que atrai Pilatos a Jesus, mas o poder que ele julga ter sobre todos os homens da região e também sobre Jesus, “não sabes que tenho o poder de te libertar e o poder de te crucificar?”. Se fosse da verdade, Pilatos, conseguia ver naquele condenado o “testemunho da verdade” e escutaria Jesus no testemunho derradeiro da sua vida, porque “todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”. Mas não, Pilatos não procura a verdade. Ele não é da verdade. Só por isso, é capaz de condenar Jesus apesar de afirmar publicamente “não vejo nele nenhum crime”.
Que poder tem Pilatos? O poder da morte. Ele vai condenar Jesus à morte mesmo não vendo nele nenhum mal. Mas o poder da morte não é poder sobre Jesus, porque a morte não tem nenhum poder sobre ele. Jesus, pelo contrário, tem o poder sobre a vida, porque só Deus tem poder sobre a vida, e a morte não tem poder sobre Deus.
O poder de Deus é o poder que vem do amor. O amor que não tem medo de morrer porque os homens não têm poder sobre a vida, mas apenas o poder sobre a morte. Quem realmente conhece a vida é Jesus, não apenas esta vida, mas a vida na sua plenitude.
Sentado na cruz e coroado de espinhos, Jesus revela-se o verdadeiro rei do universo, porque ele mesmo é a vida, do mesmo modo que não tem medo da verdade, porque ele é a verdade. Por isso, Jesus não se coloca diante da vida na perspetiva da morte nem diante da verdade na perspetiva da mentira. Jesus coloca-se sempre na perspetiva do encontro com Deus. É na perspetiva do encontro com Deus que se percebe onde está a vida e onde está a morte, quem pertence à verdade e quem pertence à mentira.
Na perspetiva dos homens, que é poder e domínio, é Pilatos quem vence a luta entre a verdade e a mentira, entre a luz e as trevas. Mas a sentença final não é de Pilatos. A última palavra é sempre de Deus, por isso, a luz vence as trevas e a verdade vence a mentira. Por isso, quando Pilatos diz a Jesus “não sabes que tenho o poder de te libertar e o poder de te crucificar”, Jesus responde “não terias nenhum poder sobre mim, se não te fosse dado do alto”. A mentira não tem poder sobre a verdade, as trevas não têm poder sobre a luz e a morte não tem poder sobre a vida.
Como Pilatos, também nós podemos encontrar-nos com Cristo, estar com ele frente a frente, e não permitirmos que ele entre em nós com a verdade que nos liberta. Podemos encher-nos do orgulho e da soberba que nos faz dizer que temos poder sobre nós mesmos ou sobre as coisas e pessoas deste mundo que chamamos de “nossas”, e com isso pretendermos ser os donos do nosso destino e dominadores do Senhor como se ele fosse o servo. Podemos sempre tomar o lugar do servo, do discípulo, que aprende com o mestre o caminho da verdade e da vida.
No encontro com Cristo podemos perceber o verdadeiro sentido da luta a favor da luz, da verdade e da vida, que travamos diariamente dentro de nós e no confronto com o mundo que não aceita pertencer a um Deus fraco que morre na cruz.
Rezar a Palavra
Tu, Senhor, és rei, o rei do universo. Mas, quem sou eu Senhor? Quem sou eu diante de ti? Que posso dizer de mim mesmo? Que posso dizer de mim que seja verdade? Quem sou eu para ti? Procuro por mim, como Pilatos. Julgo ter poder e não sou nada. Preciso de ti, do teu olhar para me ver no que sou de verdade. Preciso de me encontrar em ti.
Compromisso semanal
Revejo as minhas certezas à luz de Jesus para me libertar do que me impede ser eu de verdade.