1• O texto da primeira leitura desta Liturgia, situa-nos num tempo muito remoto, anterior à formação do povo do Antigo Testamento. Estamos no tempo de Abraão quando este regressa de uma escaramuça com um dos régulos da região, com o qual combatera e a quem vencera.
Melquisedec, Rei de Salém e Sacerdote do Deus Altíssimo, veio ao encontro de Abraão e deu-lhe pão e vinho para que o Patriarca desse graças a Deus, com um sacrifício, pela vitória alcançada.
Este episódio marcou a tradição bíblica, de uma maneira acentuada: em primeiro lugar, o Salmo 109 fala-nos de um «sacerdócio à maneira de Melquisedec», ou seja, de um sacerdócio cujo sacrifício não consiste na imolação de animais, mas na oferta de pão e vinho; em segundo lugar, na carta aos Hebreus faz-se uma longa explanação sobre este «sacerdote do Altíssimo», ao qual compara nosso Senhor Jesus Cristo, a quem chama «Sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec». Estabelece-se nesse escrito um paralelismo entre o sacerdócio de Cristo, semelhante ao de Melquisedec, com o sacerdócio existente no Antigo Testamento, o sacerdócio hereditário, proveniente da tribo de Levi, à qual Jesus nem sequer pertencia, pois era da tribo de Judá.
E quais são as grandes semelhanças entre o sacerdócio destes dois homens?
Nem Melquisedec nem Jesus herdaram o seu sacerdócio de nenhum tronco carnal, hereditário; nem o sacrifício de um e outro tem nada a ver com os sacrifícios de animais que se ofereciam no templo de Jerusalém.
Tudo isto levou S. Cipriano a descobrir no pão e no vinho de Melquisedec um verdadeiro sacrifício, como que uma antecipação do pão e vinho convertidos em sacrifício eucarístico, por Jesus, no contexto da Ceia pascal. A Igreja, de resto, fez sua esta interpretação, quando na primeira oração eucarística (a do Cânone romano), pede a Deus que «aceite o nosso sacrifício, como aceitou outrora o do Sumo Sacerdote, Melquisedec».
2• São Paulo afirma, no texto há pouco proclamado, que «todas as vezes que comermos deste pão e bebermos deste cálice, anunciaremos a morte do Senhor até que Ele venha».
A morte de Cristo na cruz, foi um verdadeiro e cruento sacrifício dele mesmo. Jesus Cristo, verdadeiro sacerdote, ofereceu, no altar do Calvário, não uma vítima qualquer, como se fazia no Antigo Testamento, mas exerceu o seu sacerdócio oferecendo-se, Ele mesmo, como vítima. Ali, naquele sacrifício, identificam-se a vítima oferecida e o sacerdote oferente. O Sacerdote Jesus de Nazaré, oferece, pela humanidade, uma vítima que é Ele mesmo. Deu-se, sacrificou-se por nós.
Para que este sacrifício pudesse perpetuar-se pelos séculos além, sem se repetir de modo cruel, na véspera de se entregar na cruz, Jesus entregou-se na Ceia, de modo sacramental, sob as espécies do pão e do vinho, que já Melquisedec tinha utilizado como oferta de acção de graças. A matéria usada é igual; o sacerdócio de Melquisedec e o de Jesus têm algo de comum: não são hereditários e usam vítimas diferentes das vítimas do sacerdócio levítico.
O texto paulino garante-nos como a celebração da Eucaristia, feita em memória da Ceia do Senhor, é uma verdade fundamental, vinda do princípio da tradição dos cristãos, pois ele, Paulo, transmitiu-a, tal como a recebera. Ela é verdadeiro sacrifício, pois torna presente a Ceia, como verdadeira antecipação, no sacramento, do próprio sacrifício do Calvário. Por isso, quando celebramos os mistérios da Eucaristia, no sacramento do pão e do vinho, celebramos um verdadeiro sacrifício, no qual Cristo, Sacerdote à maneira de Melquisedec, se entrega ao Pai, dando graças pelas nossas vitórias e perdoando-nos as nossas fraquezas e pecados.
Durante a sua vida terrestre, Jesus serviu-se, muitas vezes, do «pão» e do «vinho», para expressar a sua acção salvadora. Multiplicou os pães, para saciar a fome da multidão; transformou a água em vinho, para livrar de apuros uma família, durante a boda do casamento; prometeu aos seus discípulos um pão vindo do Céu, oferecido pelo Pai, para saciar os que tenham fome dele, em ordem à vida eterna; falou das searas e das vinhas… enfim: preparou os ouvintes para grandes acontecimentos relacionados com o pão e o vinho.
Na Ceia, porém, Ele fez o grande uso deles, convertendo-os no seu Corpo como verdadeiro alimento, e no seu Sangue como verdadeira bebida.
Este é o mistério da Eucaristia, que a Igreja hoje celebra.
Por ela, Cristo se oferece ao Pai por nós; por ela, Ele dá graças pelas nossas vitórias; por ela, Ele repara as nossas almas das derrotas (os pecados); por ela, Ele nos alimenta para a vida eterna; por ela, Jesus torna-se verdadeiro sacrifício, como «Corpo entregue e Sangue derramado».
Neste dia, somos convidados a dar graças ao Senhor e a louvá-lo por este admirável milagre permanente da sua presença, no meio de nós.
(D. Manuel Madureira Dias, in Maravilhas de Deus – Homilias de um Bispo )