Escutar é já ver Jesus que vem
Isaías sonha com a chegada do servo de Iahvé que vem reunir o seu povo e levar a missão de Israel até aos confins da terra. No exílio ele escuta o Espírito do Senhor e coloca-se na pele do servo a quem o Senhor confia uma missão cada vez mais universal porque o seu olhar vai cada vez mais longe. João Batista está ali, entre o Antigo e o Novo Testamentos, entre o Israel de Isaías e a universalidade do Messias, entre o deserto e a terra prometida. João está junto do Jordão e escuta, como quem vê, os acontecimentos vividos na presença de Jesus.
Para João, escutar, é já ver o Espírito Santo descer sobre Jesus e reconhecer nele o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, o que “era antes de mim”, aquele que é “Filho de Deus”.
Parado junto ao Jordão, vê Jesus e dá testemunho dele, um testemunho que permanece depois dele e continua em Paulo e na Igreja.
LEITURA I Is 49, 3.5-6
Disse-me o Senhor: «Tu és o meu servo, Israel, por quem manifestarei a minha glória». E agora o Senhor falou-me, Ele que me formou desde o seio materno, para fazer de mim o seu servo, a fim de Lhe reconduzir Jacob e reunir Israel junto d’Ele. Eu tenho merecimento aos olhos do Senhor, e Deus é a minha força. Ele disse-me então: «Não basta que sejas meu servo, para restaurares as tribos de Jacob e reconduzires os sobreviventes de Israel. Vou fazer de ti a luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terra». Palavra do Senhor.
Inserido no Segundo Cântico de Isaías, dedicado ao servo de Javé, o texto apresenta a missão do servo. Trata-se de uma missão em dois tempos, a reunião de Israel, tantas vezes fracassada como testemunham vários profetas e a salvação universal, claramente presente nas palavras “não basta que sejas meu sero… vou fazer de ti a luz das nações”.
Salmo Responsorial Sl 39 (40), 2 e 4ab.7-8a.8b-9.10-11ab(R. 8a e 9a)
O salmo 40 construído em duas partes, a primeira como ação de graças e a segunda como súplica, apresenta entre uma e outra os versículos 7-11, onde se põe em confronto os sacrifícios e o cumprimento da vontade de Deus que a carta aos Hebreus coloca na boca de Jesus. Os versículos escolhidos para este domingo são exclusivos da ação de graças e culmina com este inciso “Não Vos agradaram sacrifícios” então eu disse “Aqui estou” para, num sentido de vocação universal, proclamar “a justiça na grande assembleia”.
LEITURA II 1Cor l, 1-3
Irmãos: Paulo, por vontade de Deus escolhido para Apóstolo de Cristo Jesus, e o irmão Sóstenes, à Igreja de Deus que está em Corinto, aos que foram santificados em Cristo Jesus, chamados à santidade, com todos os que invocam, em qualquer lugar, o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso: A graça e a paz de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo estejam convosco. Palavra do Senhor.
Iniciamos neste domingo a escuta da primeira carta de Paulo aos Coríntios. No contexto da saudação inicial Paulo faz referência à sua vocação universal. Foi para cumprimento desta vocação que ele foi a Corinto e ali fundou a comunidade dos “santificados” e cuida para que se mantenham fiéis, preocupação que tem por todos os que “em qualquer lugar, invocam o nome de Jesus”.
EVANGELHO Jo 1, 29-34
Naquele tempo, João Batista viu Jesus, que vinha ao seu encontro, e exclamou: «Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. É d’Ele que eu dizia: ‘Depois de mim vem um homem, que passou à minha frente, porque era antes de mim’. Eu não O conhecia, mas foi para Ele Se manifestar a Israel que eu vim batizar na água». João deu mais este testemunho: «Eu vi o Espírito Santo descer do Céu como uma pomba e permanecer sobre Ele. Eu não O conhecia, mas quem me enviou a batizar na água é que me disse: ‘Aquele sobre quem vires o Espírito Santo descer e permanecer é que batiza no Espírito Santo’. Ora, eu vi e dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus».
O texto evangélico revela como João reconheceu Jesus e como o deu a conhecer ao mundo. A João, vêm os sacerdotes e os levitas perguntar quem ele é, porque ele anda a batizar. Ele avança que não é o Messias, pois batiza apenas com água. O Messias é aquele sobre quem desceu o Espírito Santo. Por isso, quando Jesus vem ao encontro de João, ele revela-o afirmando: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”.
Reflexão da Palavra
O segundo cântico de Isaías apresenta um servo, com nome de Israel, que é enviado ao povo exilado, para reconduzir Jacob, para congregar Israel, mas não teve sucesso na sua missão. Ele reconhece que foi alvo de uma eleição divina, ainda antes de nascer e foi enviado, mas no cumprimento da missão experimenta o mesmo fracasso dos profetas que não conseguiram reunir nem fortalecer Israel na esperança. Então, o Senhor, em vez de renunciar ao seu projeto, alarga o horizonte e confia-lhe uma nova missão. Não é suficiente reunir Israel, como servo irás mais longe “vou fazer de ti a luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terra”.
A primeira leitura estabelece uma forte ligação com o evangelho. João Batista também se sente enviado, “aquele que me enviou”, com a missão de revelar aquele que “era antes de mim”, que ele anunciou sem conhecer, apenas por ter escutado a voz de quem o enviou. João é apenas enviado, a sua liberdade foi entregue nas mãos de outro que lhe deu a conhecer o que agora testemunha. Como servo, João escuta a voz que lhe fala, de tal modo que vê acontecer aquilo que escuta. Ao levantar o olhar, vê Jesus que vem ao seu encontro e cumpre a missão para que foi enviado, revelando quem ele é: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, é aquele que batiza no Espírito Santo” e dá testemunho do que viu “eu vi o Espírito Santo descer do céu como uma pomba e permanecer sobre ele” como lhe comunicara aquele que o enviou.
João, porém, não é o servo de quem fala Isaías, ele é apenas a voz. O servo é Jesus, como bem adianta João ao chamar-lhe “cordeiro” usando o termo aramaico ‘talia’ que significa ‘servo’ e ‘filho’ e que pode ainda usar-se para dizer ‘pão’, tudo realidades aplicáveis a Jesus.
“Enviado para batizar com água”, João aponta para aquele que batiza no Espírito Santo. Enviado, ele permanece ali entre quem o enviou e aquele de quem deve dar testemunho, entre a palavra e a sua realização. Por isso pode dizer “eu vi” e porque viu pode afirmar, como o evangelista o fará no final do evangelho, “quem o viu é que dá testemunho de que ele é o Filho de Deus”.
Também Paulo ouviu uma voz que fez dele “Apóstolo de Cristo Jesus” não por vontade própria mas por vontade de Deus. É a partir desta tomada de consciência que ele reconhece, nos irmãos da comunidade de corinto, os “que foram santificados em Cristo Jesus” e “chamados à santidade”, e não apenas os irmãos de Corinto, também em todos os que “invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo”, estejam onde estiverem.
As três leituras são atravessadas pela afirmação do salmo “Eu venho, Senhor, para fazer a vossa vontade” que vale mais do que todos os sacrifícios e oblações.
Meditação da Palavra
A salvação vem de Deus, é ele quem sussurra ao ouvido do homem o seu desejo de mudar a sorte dos que foram levados para o cativeiro, onde são privados da liberdade de viver e sonhar a sua própria vida e a possibilidade de um mundo melhor. A experiência de cativeiro é revestida de solidão, abandono, vazio, impotência, incapacidade, ausência de razões, a morte do desejo e a resignação perante a sorte. Israel encontra-se assim, quando o profeta Isaías surge com a notícia de um servo enviado por Deus para reconduzir os filhos dispersos. Este anúncio é uma voz de esperança. Nem sempre a esperança reanima os desalentados. Por vezes a derrota é mais forte que a esperança.
A salvação de Deus é para todos os homens e não apenas para Israel. Deus anuncia que o seu servo será luz das nações para que a sua salvação chegue até aos confins da terra. Por vezes é necessário ver a luz a brilhar lá longe para acreditar que ela pode brilhar também em nós. Não “basta que sejas meu servo, vou fazer de ti a luz das nações” e “não basta restaurar as tribos de Jacob” porque a salvação é para todos. O servo de Isaías apresenta-se como um escutador de Deus e está disponível para ser a luz das nações.
O servo é Jesus que se apresenta como aquele que vem para fazer a vontade de Deus. É assim que João Batista o apresenta. João reconhece que é Jesus quem vem substituir os sacrifícios do templo, que não concedem o perdão, pelo seu próprio sacrifício como cordeiro de Deus. Deus não quer sacrifícios inúteis, Deus salva pelo cumprimento da sua vontade. Jesus é esse “cordeiro” capaz de oferecer o único sacrifício agradável a Deus e capaz de salvar o homem dos seus pecados, porque é Filho de Deus e sobre ele permanece o Espírito Santo, que desceu do céu para que ele batize segundo o mesmo Espírito.
João reconhece em Jesus o enviado por Deus porque ele próprio aprendeu a escutar a voz daquele cuja palavra anuncia a salvação. Habituado a escutar, adquiriu a capacidade de ver realizar-se diante dos seus olhos a ação de Deus. Por isso, quando Jesus vem ao seu encontro pode reconhecer nele, aquele sobre quem desceu o Espírito e o único que pode santificar o homem.
Paulo também reconhece a ação de Jesus nos irmãos de Corinto e em todos os que invocam o seu nome porque também ele foi tornado Apóstolo de Jesus por vontade de Deus. Foi ao escutar a vontade de Deus que ele se tornou capaz de ver Deus acontecer nos seus irmãos que, como ele, são chamados à santidade.
Por vezes as circunstâncias da nossa vida impedem-nos de acreditar que há alguém que nos pode salvar. Mesmo que nos anunciem a chegada de um salvador, a dor, o sofrimento, a desilusão ou a resignação tomaram conta de nós ao ponto de já não haver esperança que nos levante do chão. É olhando a luz a brilhar no rosto de quem aprendeu a escutar a voz daquele que salva, que podemos perceber a possibilidade do encontro com Jesus, que vem ao nosso encontro, e reconhecer nele o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
Com João Batista aprendemos a escutar a voz daquele que sempre e a todos envia como testemunhas de Cristo, que batiza no Espírito Santo e tira o pecado do mundo, o único que nos pode tirar a todos do cativeiro em que, por vezes, nos vemos aprisionados. Escutar é tornar ‘talia’ de Deus, servo, filho, cordeiro.
Rezar a Palavra
Servo de Iahvé, que lanças a luz da salvação sobre as nações, ilumina-me. Cordeiro de Deus que tiras o pecado do mundo, santifica-me. Filho de Deus que batizas no Espírito Santo, faz-me reconhecer que é em ti que sou santificado e em ti encontro o caminho da santidade. Espírito de Deus inspira-me para escutar e ver a salvação que vem ao meu encontro.
Compromisso semanal
Quero ver em Jesus o meu santificador e nos irmãos homens e mulheres capazes de invocar o nome de Jesus.