Água e luz: dois elementos essenciais à vida! Se a liturgia do Domingo passado nos fez desejar a água viva, a de hoje convida-nos a abrir os olhos para ver as coisas de outra maneira… Nós olhamos para as coisas, para as notícias, para a televisão e o computador, quase sempre limitados pela interpretação dos que detêm o poder político e económico que, normalmente nos oferecem uma visão limitada. O Evangelho faz-nos olhar mais para a frente, para lá do meramente útil e eficaz, com a riqueza dos horizontes da alma humana, repleta de possibilidades.
O cego de nascença é uma pessoa que sofre na sua carne a interpretação errónea sobre o conceito de Deus que os seus contemporâneos têm ao considerarem que toda e qualquer limitação física era consequência do pecado. No gesto de iluminar e dar a vista ao cego, Jesus obriga todos a rever o conceito de Deus e do pecado. É um caminho que todos somos convidados a fazer para chegar onde o cego, já curado, chegou: “eu creio, Senhor”.

1.    A sequência do relato

– Depois da cura operada por Jesus é que parece que se colocam todos os problemas… Antes, todos conviviam bem com a situação do homem que era cego… Mas, depois, interrogam-se sobre a sua identidade (“é ele! Não, é outro parecido com ele!”)… Dá a impressão que, melhorar a situação da pessoa, traz mais complicações do que mantê-la num estado de dependência…
– O interrogatório dá quase origem a um processo e leva a procurar o culpado pela mudança de situação: “onde está ele?”… Entram em cena os fariseus, homens da lei e responsáveis pela conduta das pessoas em matéria religiosa… São detectados dois obstáculos: era sábado e o autor da proeza seria um pecador…
– O único testemunho favorável é o do que tinha sido cego (“é um profeta”) porque todos os outros judeus começaram a duvidar da sua palavra e de que, inclusivamente, tivesse sido cego… É neste contexto que entram em cena os pais… Parece que estamos num interrogatório no tribunal!…
– O único que fala claro é o que tinha sido cego: “só sei uma coisa: que eu era cego e agora vejo”. Todos os outros têm medo (familiares) ou se refugiam na sua autoridade (judeus e fariseus)… E o grande pecado é “não querer ver” seja por que motivo for…

2.    Ver e ser luz

– A experiência do cego de nascimento, que depois de se encontrar com Jesus fica a ver, já não permite que volte atrás: começou a ver, é a mesma pessoa, mas a sua relação com os outros e com o mundo, é totalmente diferente…
– Os fariseus e os judeus em geral, pensando que eram os iluminados, acabam na cegueira das suas supostas seguranças porque não sentem necessidade de mudar. Vivem na obscuridade de pensar só nas suas coisas, não reconhecem as suas inseguranças e dúvidas, querem exibir sempre só a parte boa do triunfador…  “Não há pior cego do que aquele que não quer ver”: estes são os fariseus e somos nós que teimamos em manter as coisas sempre da mesma maneira, julgando que temos as receitas para tudo… Depois, de vez em quando aparecem surpresas, e deixam-nos perplexos…
– O mundo de hoje precisa de luz para ver e dar sentido a tantas situações de sofrimento, anseia pela luz pascal que só o ressuscitado nos pode dar… “Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Vivei como filhos da luz…” (2ª leit). É este o melhor serviço que a Igreja pode prestar ao mundo: apresentar o Sol que vem do alto, Jesus Cristo ressuscitado…


LEITURA I    1 Sam 16, 1b.6-7.10-13a

David é ungido rei de Israel.

Leitura do Primeiro Livro de Samuel
Naqueles dias,
o Senhor disse a Samuel:
«Enche a âmbula de óleo e parte.
Vou enviar-te a Jessé de Belém,
pois escolhi um rei entre os seus filhos».
Quando chegou, Samuel viu Eliab e pensou consigo:
«Certamente é este o ungido do Senhor».
Mas o Senhor disse a Samuel:
«Não te impressiones com o seu belo aspecto,
nem com a sua elevada estatura,
pois não foi esse que Eu escolhi.
Deus não vê como o homem:
o homem olha às aparências, o Senhor vê o coração».
Jessé fez passar os sete filhos diante de Samuel,
mas Samuel declarou-lhe:
«O Senhor não escolheu nenhum destes».
E perguntou a Jessé:
«Estão aqui todos os teus filhos?».
Jessé respondeu-lhe:
«Falta ainda o mais novo, que anda a guardar o rebanho».
Samuel ordenou: «Manda-o chamar,
porque não nos sentaremos à mesa, enquanto ele não chegar».
Então Jessé mandou-o chamar:
era ruivo, de belos olhos e agradável presença.
O Senhor disse a Samuel:
«Levanta-te e unge-o, porque é este mesmo».
Samuel pegou na âmbula do óleo e ungiu-o no meio dos irmãos.
Daquele dia em diante,
o Espírito do Senhor apoderou-Se de David.
Palavra do Senhor.


SALMO RESPONSORIAL    Salmo 22 (23), 1-3a.3b-4.5.6 (R. 1)

Refrão:    O Senhor é meu pastor: nada me faltará.
      Ou:    O Senhor me conduz: nada me faltará. 

O Senhor é meu pastor: nada me falta.
Leva-me a descansar em verdes prados,
conduz-me às águas refrescantes
e reconforta a minha alma.

Ele me guia por sendas direitas por amor do seu nome.
Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
o vosso cajado e o vosso báculo 
    me enchem de confiança.           

Para mim preparais a mesa
à vista dos meus adversários;
com óleo me perfumais a cabeça
e meu cálice transborda.

A bondade e a graça hão-de acompanhar-me
todos os dias da minha vida,
e habitarei na casa do Senhor
para todo o sempre.


LEITURA  II    Ef 5, 8-14

«Desperta e levanta-te do meio dos mortos,
e Cristo brilhará sobre ti
»

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
Irmãos:
Outrora vós éreis trevas,
mas agora sois luz no Senhor.
Vivei como filhos da luz,
porque o fruto da luz é a bondade, a justiça e a verdade.
Procurai sempre o que mais agrada ao Senhor.
Não tomeis parte nas obras das trevas, 
que nada trazem de bom;
tratai antes de as denunciar abertamente,
porque o que eles fazem em segredo
até é vergonhoso dizê-lo.
Mas todas as coisas que são condenadas 
são postas a descoberto pela luz,
e tudo o que assim se manifesta torna-se luz.
É por isso que se diz:
«Desperta, tu que dormes; levanta-te do meio dos mortos,
e Cristo brilhará sobre ti».

EVANGELHO          Forma longa    Jo 9, 1-41

«Eu fui, lavei-me e comecei a ver»


Naquele tempo,
Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença.
Os discípulos perguntaram-Lhe:
«Mestre, quem é que pecou para ele nascer cego?
Ele ou os seus pais?».
Jesus respondeu-lhes:
«Isso não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais;
mas aconteceu assim
para se manifestarem nele as obras de Deus.
É preciso trabalhar, enquanto é dia,
nas obras d’Aquele que Me enviou.
Vai chegar a noite, em que ninguém pode trabalhar.
Enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo».
Dito isto, cuspiu em terra,
fez com a saliva um pouco de lodo e ungiu os olhos do cego.
Depois disse-lhe:
«Vai lavar-te à piscina de Siloé»; Siloé quer dizer «Enviado».
Ele foi, lavou-se e ficou a ver.
Entretanto, perguntavam os vizinhos
e os que antes o viam a mendigar:
«Não é este o que costumava estar sentado a pedir esmola?».
Uns diziam: «É ele».
Outros afirmavam: «Não é. É parecido com ele».
Mas ele próprio dizia: «Sou eu».
Perguntaram-lhe então:
«Como foi que se abriram os teus olhos?».
Ele respondeu:
«Esse homem, que se chama Jesus, fez um pouco de lodo,
ungiu-me os olhos e disse-me:
‘Vai lavar-te à piscina de Siloé’.
Eu fui, lavei-me e comecei a ver».
Perguntaram-lhe ainda: «Onde está Ele?».
O homem respondeu: «Não sei».
Levaram aos fariseus o que tinha sido cego.
Era sábado esse dia em que Jesus fizera lodo
e lhe tinha aberto os olhos.
Por isso, os fariseus perguntaram ao homem
como tinha recuperado a vista.
Ele declarou-lhes: «Jesus pôs-me lodo nos olhos;
depois fui lavar-me e agora vejo».
Diziam alguns dos fariseus:
«Esse homem não vem de Deus, porque não guarda o sábado».
Outros observavam:
«Como pode um pecador fazer tais milagres?».
E havia desacordo entre eles.
Perguntaram então novamente ao cego:
«Tu que dizes d’Aquele que te deu a vista?».
O homem respondeu: «É um profeta».
Os judeus não quiseram acreditar
que ele tinha sido cego e começara a ver.
Chamaram então os pais dele e perguntaram-lhes:
«É este o vosso filho? É verdade que nasceu cego?
Como é que ele agora vê?».
Os pais responderam:
«Sabemos que este é o nosso filho e que nasceu cego;
mas não sabemos como é que ele agora vê,
nem sabemos quem lhe abriu os olhos.
Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós».
Foi por medo que eles deram esta resposta,
porque os judeus tinham decidido expulsar da sinagoga
quem reconhecesse que Jesus era o Messias.
Por isso é que disseram:
«Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós».
Os judeus chamaram outra vez o que tinha sido cego
e disseram-lhe: «Dá glória a Deus.
Nós sabemos que esse homem é pecador».
Ele respondeu: «Se é pecador, não sei.
O que sei é que eu era cego e agora vejo».
Perguntaram-lhe então:
«Que te fez Ele? Como te abriu os olhos?».
O homem replicou:
«Já vos disse e não destes ouvidos.
Porque desejais ouvi-lo novamente?
Também quereis fazer-vos seus discípulos?».
Então insultaram-no e disseram-lhe:
«Tu é que és seu discípulo; nós somos discípulos de Moisés.
Nós sabemos que Deus falou a Moisés;
mas este, nem sabemos de onde é».
O homem respondeu-lhes:
«Isto é realmente estranho: não sabeis de onde Ele é,
mas a verdade é que Ele me deu a vista.
Ora, nós sabemos que Deus não escuta os pecadores,
mas escuta aqueles que O adoram e fazem a sua vontade.
Nunca se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos
a um cego de nascença.
Se Ele não viesse de Deus, nada podia fazer».
Replicaram-lhe então eles:
«Tu nasceste inteiramente em pecado e pretendes ensinar-nos?».
E expulsaram-no.
Jesus soube que o tinham expulsado
e, encontrando-o, disse-lhe:
«Tu acreditas no Filho do homem?».
Ele respondeu-Lhe:
«Quem é, Senhor, para que eu acredite n’Ele?».
Disse-lhe Jesus:
«Já O viste: é quem está a falar contigo».
O homem prostrou-se diante de Jesus e exclamou:
«Eu creio, Senhor».
Então Jesus disse:
«Eu vim a este mundo para exercer um juízo:
os que não vêem ficarão a ver;
os que vêem ficarão cegos».
Alguns fariseus que estavam com Ele, ouvindo isto, 
perguntaram-Lhe:
«Nós também somos cegos?».
Respondeu-lhes Jesus:
«Se fôsseis cegos, não teríeis pecado.
Mas como agora dizeis: ‘Nós vemos’,
o vosso pecado permanece».