NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO
A fraqueza que salva o mundo
A história dos homens está repleta de situações em que pedras preciosas, metais nobres, terras enriquecidas, pessoas fabulosas, foram rejeitadas pela sua aparente inutilidade. O ouro e a prata, os diamantes e as esmeraldas, Pedro e Paulo, Gandhi, Madre Teresa, Nelson Mandela e tantos outros, foi no fogo da dor e do sofrimento que revelaram a grandeza que transportavam dentro. Na cruz, sem aparência de homem, menos ainda de Messias e rei, Jesus salva o homem da cegueira que o impede de ver o amor que salva.
LEITURA I 2Sm 5, 1-3
Naqueles dias,
todas as tribos de Israel
foram ter com David a Hebron e disseram-lhe:
«Nós somos dos teus ossos e da tua carne.
Já antes, quando Saul era o nosso rei,
eras tu quem dirigia as entradas e saídas de Israel.
E o Senhor disse-te:
‘Tu apascentarás o meu povo de Israel,
tu serás rei de Israel’».
Todos os anciãos de Israel foram à presença do rei, a Hebron.
O rei David concluiu com eles uma aliança diante do Senhor,
e eles ungiram David como rei de Israel.
As tribos de Israel vão junto de David convidá-lo para ser o seu rei. Recordam-lhe que são da mesma família, que já no tempo de Saúl ele os governava e o Senhor também manifestou a sua vontade quando lhe disse: “Tu apascentarás o meu povo de Israel, tu serás rei de Israel”.
Salmo 121 (122), 1-2.4-5 (R. cf. 1)
Depois de ungido, David, dirigiu-se a Jerusalém (2Sm 5,6) e conquistou-a, fazendo dela a sua cidade. Os peregrinos que se deslocam para a cidade santa não esquecem que esta é a cidade de David, o ungido, e também não esquecem que foi ele quem trouxe a paz a todo o território. O salmista traduz os sentimentos do peregrino que, desde o momento da partida, experimenta a alegria da chegada, de tal modo que, já se vê a entrar nas portas da cidade santa que é casa do Senhor. Ele contempla antecipadamente, o que os seus olhos poderão verificar à chegada, e reconhece que ali está o coração do povo. Ali estão os tribunais da casa de David, ali está a casa do Senhor, ali nasce a paz para todo o povo.
LEITURA II Col 1, 12-20
Irmãos:
Damos graças a Deus Pai,
que nos fez dignos de tomar parte
na herança dos santos, na luz divina.
Ele nos libertou do poder das trevas
e nos transferiu para o reino do seu Filho muito amado,
no qual temos a redenção, o perdão dos pecados.
Cristo é a imagem de Deus invisível,
o Primogénito de toda a criatura;
Porque n’Ele foram criadas todas as coisas
no céu e na terra, visíveis e invisíveis,
Tronos e Dominações, Principados e Potestades:
por Ele e para Ele tudo foi criado.
Ele é anterior a todas as coisas
e n’Ele tudo subsiste.
Ele é a cabeça da Igreja, que é o seu corpo.
Ele é o Princípio, o Primogénito de entre os mortos;
em tudo Ele tem o primeiro lugar.
Aprouve a Deus que n’Ele residisse toda a plenitude
e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas,
estabelecendo a paz, pelo sangue da sua cruz,
com todas as criaturas na terra e nos céus.
Contra a ideia de que Jesus é apenas um mediador, como outros, entre Deus e os homens, Paulo reafirma a filiação divina de Jesus, a sua participação imprescindível na criação e a sua centralidade na redenção. É por ele e nele que todas as coisas criadas, permanecem na existência.
EVANGELHO Lc 23, 35-43
Naquele tempo,
os chefes dos Judeus zombavam de Jesus, dizendo:
«Salvou os outros: salve-Se a Si mesmo,
se é o Messias de Deus, o Eleito».
Também os soldados troçavam d’Ele;
aproximando-se para Lhe oferecerem vinagre, diziam:
«Se és o rei dos Judeus, salva-Te a Ti mesmo».
Por cima d’Ele havia um letreiro:
«Este é o rei dos Judeus».
Entretanto, um dos malfeitores que tinham sido crucificados
insultava-O, dizendo:
«Não és Tu o Messias?
Salva-Te a Ti mesmo e a nós também».
Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o:
«Não temes a Deus,
tu que sofres o mesmo suplício?
Quanto a nós, fez-se justiça,
pois recebemos o castigo das nossas más ações.
Mas Ele nada praticou de condenável».
E acrescentou:
«Jesus, lembra-Te de Mim, quando vieres com a tua realeza».
Jesus respondeu-lhe:
«Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso».
Jesus vê-se confrontado com a multidão, os chefes dos judeus, os soldados romanos e o ladrão condenado que, cada um à sua maneira, o insultam desafiando-o a provar ser o Messias, filho de Deus, o rei, o salvador, saindo da cruz. Todos de algum modo reconhecem que Jesus “salvou os outros” e não se salva a si. O bom ladrão vê em Jesus o que ninguém mais parece reconhecer, que é ele quem o pode salvar e, por isso, ouviu Jesus dizer: “Hoje estarás comigo no Paraíso”.
Reflexão da Palavra
Os livros de Samuel, tal como outros da escola Deuteronimista, foram compilados no final do exílio de Babilónia ou logo após o regresso a casa. A intenção de narrar os acontecimentos passados tem como finalidade responder à grande interrogação do povo: “Porque nos sucedeu esta desgraça?” A resposta é dada nestes livros contando a história da monarquia com as suas virtudes e fracassos. Uma resposta simples e direta: a causa do exílio foi a infidelidade à aliança sobretudo com a idolatria.
Estes livros narram acontecimentos que teriam sucedido por volta do ano 1000 a. C., quando a situação política de Israel era caótica. Saúl, o primeiro rei de Israel fracassa na sua missão e morre no campo de batalha. Apresentam-se como sucessores dois candidatos, David e o filho de Saúl, Isbaal. David é ungido rei em Hebron, para a casa de Judá, mas a norte, Israel, aclama o filho de Saúl.
O texto, que surge como primeira leitura, refere-se aos acontecimentos que se deram após a morte de Isbaal. As tribos do norte, Israel, vendo-se sem rei que os defenda, vão ter com David a Hebron, estabelecendo com ele uma aliança, de modo que David passa a ser rei das doze tribos.
O argumento apresentado para que David aceite ser rei de todo o povo é fundamental para o povo do exílio: “Nós somos dos teus ossos e da tua carne”. É também a concretização da vontade de Deus que não quer divisão, quer unidade. Esta fraternidade fundamental, assente nos laços familiares, é um sinal para o povo que regressa à sua terra com vontade de reconstruir a cidade e restaurar o reino.
Por outro lado, David é um rei legítimo porque: “Já antes, quando Saul era o nosso rei, eras tu quem dirigia as entradas e saídas de Israel” e este encargo não é apenas da vontade dos homens, pois, “o Senhor disse-te: Tu apascentarás o meu povo de Israel, tu serás rei de Israel”. A função de apascentar, que os profetas hão de salientar, atribuída ao rei, indica claramente que a autoridade de que foi investido pela unção, “ungiram David como rei de Israel”, deve ser exercida como um serviço, que o configura como um verdadeiro pastor, à imagem de Deus, o verdadeiro pastor de Israel.
O salmo 122 manifesta os sentimentos dos peregrinos de Jerusalém. Está estruturado em três partes: o convite à peregrinação, o louvor de Jerusalém e as bênçãos. O salmista revela o entusiasmo dos que partem: “Que alegria quando me disseram…”. A casa do Senhor é Jerusalém, assim identificada porque ali habita o Senhor no seu templo. Depois desta introdução o salmista avança para as portas da cidade. Rapidamente o peregrino chega ao seu destino ou, antecipa os sentimentos que vai viver quando chegar: “os nossos pés detêm-se às tuas portas Jerusalém”.
Depois segue-se o elogio da cidade, “bem construída”, “bem edificada”, “harmoniosa” de modo que atrai para si todas as tribos de Israel a fim de louvarem o Senhor e manifestarem a união entre todos. No coração da cidade está o templo do Senhor, a casa onde ele habita e o palácio do rei lugar onde se administra a justiça.
Finalmente o salmista desenvolve uma série de bênçãos centradas na paz. Jerusalém (Yeru – cidade | Shalem – Paz) é a cidade da paz. Esta deve ser desejada e pedida na oração, e é, simultaneamente, uma tarefa de todos. Havendo paz haverá prosperidade e felicidade para todos.
Refletindo a teologia paulina, a carta aos Colossenses, escrita possivelmente na prisão em Roma, reflete a dificuldade que a comunidade de Colossos vive por causa de algumas ideias que misturam judaísmo com paganismo, “que não haja ninguém a enredar-vos com a filosofia… fundado na tradição humana ou nos elementos do mundo, e não em Cristo”.
Está em causa a mistura de elementos judaicos como o calendário, as leis alimentares e a circuncisão, com elementos pagãos como o fascínio pela sabedoria, práticas ascéticas, veneração de poderes cósmicos, que relativizam a Cristo, considerando-o apenas um mediador entre muitos.
O hino, que faz a segunda leitura da liturgia deste domingo, apresenta-se contrário a estas ideias, centrando tudo em Cristo. No início, como uma introdução, o autor dá graças ao Pai porque “nos fez dignos de tomar parte na herança… na luz”. A “herança” é a Terra Prometida, que aqui é “na luz”, o Reino de Deus. Repete-se a ação de Deus a favor do seu povo. Como outrora na libertação do Egito, agora “Ele nos libertou do poder das trevas e nos transferiu…” para uma nova terra, pelo batismo.
O hino propriamente dito, apresenta Cristo como o Senhor da criação. Ele “é a imagem de Deus invisível” na sequência do “quem me vê, vê o Pai”. Ele não é o primeiro a ser criado, é o “Primogénito”, soberano, o herdeiro, porque “n’Ele foram criadas todas as coisas…”. Está acima, portanto, de tudo o que foi criado: “Tronos e Dominações, Principados e Potestades”, insistindo-se que, “por Ele e para Ele tudo foi criado” e é ele quem mantém todas as coisas, “n’Ele tudo subsiste”.
Do mesmo modo que tem o primeiro lugar na criação tem também o primeiro lugar na ordem da redenção. “Ele é a cabeça da Igreja, que é o seu corpo”. Criação e nova criação estão centradas em Cristo. Ele é o primeiro a ressuscitar, “Ele é o Princípio, o Primogénito de entre os mortos” e a garantia da nossa ressurreição.
O autor termina com a afirmação mais importante, dizendo: “n’Ele residisse toda a plenitude”, ou seja, “toda a plenitude” de Deus está em Cristo e não nas criaturas. É nesta plenitude que todos são reconciliados com Deus, graças ao “sangue da sua cruz”. É verdade que outros também deram o seu sangue para alcançar objetivos louváveis, mas no sangue de Cristo não se alcançou apenas um objetivo, realizou-se a vontade de Deus que é salvar definitivamente o homem e todos os homens.
Escrevendo para uma comunidade maioritariamente não judaica, Lucas, preocupa-se em mostrar que Jesus é o salvador e fá-lo também no contexto da paixão. O texto deste domingo, tirado da cena do calvário, quando Jesus já está crucificado, é muito significativo. Lucas preocupa-se em distanciar a sentença de morte que caiu sobre Jesus, da possibilidade de culpa por parte dele, colocando na boca do malfeitor a sua inocência: “Quanto a nós, fez-se justiça, …Mas Ele nada praticou de condenável”, como já tinha feito com Pilatos, “não encontrei nele nenhum dos crimes de que o acusais”.
O momento retratado no texto é de humilhação e zombaria. Lucas acentua este pormenor colocando na boca dos diversos intervenientes o desafio humilhante: “salva-te a ti mesmo”. No entanto, no meio da humilhação sobressai a verdadeira grandeza de Jesus: “salvou os outros”. A sua missão messiânica não consiste em salvar-se a si, mas em salvar os outros, por isso, Lucas está a afirmar que Jesus é o ungido, o esperado, o Messias, ainda que os homens não o reconheçam.
É isto que a multidão e os chefes não compreendem, do mesmo modo que os soldados. Obcecados em condenar Jesus, não admitem que o Messias não se salve a si mesmo. É ridícula a morte de um rei. No entanto, para Jesus é precisamente o contrário, como afirmou várias vezes no caminho de Jerusalém: “o Filho do homem: vai ser entregue…”. O poder manifestado na cruz é o risco definitivo de aniquilação de Deus para a salvação do homem. Um rei não morre a não ser que esse rei seja Deus. Por isso, todas as palavras proferidas para humilhar e salientar o fracasso de Jesus, tornam-se lugar de revelação da verdadeira identidade de Jesus, incluindo as palavras que Pilatos mandou colocar sobre a cruz: “Este é o Rei dos judeus”.
O primeiro malfeitor que se dirige a Jesus, usando as mesmas palavras, “salva-te a ti mesmo”, manifesta uma certa esperança de se salvar, “e a nós também”, não porque esteja interessado em seguir Jesus acreditando nele, mas uma esperança pagã que garanta, por meio de alguma magia, fugir daquele suplício. O seu companheiro, pelo contrário, parece ser o único que compreende o verdadeiro sentido da cruz. Desde logo percebe que Jesus é santo enquanto ele merece aquele castigo por causa das suas ações. Por isso, embora Jesus se apresente como um messias fracassado e um rei moribundo, ele, na sua súplica, reconhece que é o único que o pode salvar e que a sua realeza não é deste mundo: “lembra-Te de Mim, quando vieres com a tua realeza”.
É da profundidade do mistério do sofrimento que este malfeitor escuta as palavras mais importantes: “Hoje estarás comigo no Paraíso”. A salvação não é para amanhã, mas para já, e consiste em estar com Jesus na harmonia do Jardim em que Deus colocou o homem ao princípio, o paraíso.
Meditação da Palavra
Ao encerrar o Ano Litúrgico, a Igreja convida-nos a aclamar: “Viva Cristo Rei!”. A palavra “rei” projeta em nós imagens de poder, tronos de ouro, coroas e exércitos. Lembra autoridade e domínio. No entanto, a liturgia de hoje pega em todas estas imagens e vira-as do avesso. Leva-nos numa viagem que começa no palácio de David, mas que termina, de forma escandalosa mas sublime, no Calvário, para nos revelar um Rei cujo trono é uma cruz, cuja coroa é de espinhos e cujo poder é o amor que se entrega até ao fim.
A primeira leitura apresenta-nos o ideal de realeza segundo o coração humano. As tribos de Israel, cansadas da divisão, vão ter com David e ungem-no como rei. Procuram um líder forte, um pastor que os guie e unifique. O Salmo canta a alegria deste reino, centrado em Jerusalém, a cidade da justiça e da paz. Esta era a esperança de Israel: um Messias, filho de David, que restaurasse um reino de glória terrena. Esta era a expectativa.
O Evangelho transporta-nos para a cena da “coroação” de Jesus. E o contraste não podia ser mais chocante. O Rei, que Israel espera, está pregado numa cruz. A sua única inscrição real é um título de escárnio: “Este é o Rei dos judeus”. Em vez de aclamações, recebe zombarias. E todos, dos chefes aos soldados, passando por um dos ladrões crucificados com Ele, lhe fazem o mesmo desafio: “Se és Rei, salva-Te a Ti mesmo!”.
Esta frase revela a lógica do mundo: o poder serve para auto-proteção, para dominar, para escapar ao sofrimento. Um rei que não se consegue salvar a si mesmo é, para o mundo, um fracasso, uma fraude. Mas Jesus permanece no seu trono, recusando-se a descer, porque a sua realeza não se baseia nesta lógica. O seu poder não é para Si, é para os outros.
No meio da escuridão, uma voz interrompe o ruído de escárnios. É o outro malfeitor, o “bom ladrão”. Ele, na sua agonia, é o único com olhos para ver. Reconhece a sua própria culpa e a inocência de Jesus. E depois, faz a mais bela profissão de fé de todo o Evangelho: “Jesus, lembra-Te de Mim, quando vieres com a tua realeza”. Ele não pede para ser libertado do seu sofrimento. Pede para ser lembrado, para ser incluído no Reino daquele Rei crucificado.
E é então que Jesus exerce o seu primeiro ato real a partir do trono da cruz. A sua palavra não é de condenação nem de auto-defesa, mas de pura misericórdia: “Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso”. O poder deste Rei é o poder de perdoar pecados, de abrir as portas do Céu, de transformar criminosos arrependidos em santos. A sua realeza consiste em dar a vida, não em preservá-la, como disse: “quem quiser salvar a vida há de perdê-la”.
Mas como pode este homem, na sua aparente derrota, ser o Rei de tudo? A carta aos Colossenses oferece-nos um hino que explica este mistério. Jesus não é apenas um rei humano; Ele é “a imagem de Deus invisível”, o centro e o fim de toda a criação. “Tudo foi criado por Ele e para Ele”. Ele é a cabeça da Igreja e o “Primogénito de entre os mortos”. A sua soberania é absoluta.
Paulo insiste que esta glória infinita está diretamente ligada ao acontecimento da cruz: é “pelo sangue da sua cruz” que Ele reconcilia o universo e estabelece a paz. A cruz não é um acidente de percurso; é o momento em que a sua realeza se manifesta da forma mais intensa, como amor que recria e reconcilia todas as coisas.
Rezar a Palavra
Que ao terminar este Ano Litúrgico, Senhor, eu seja capaz de fixar o meu olhar em ti, como o bom ladrão, e dizer-te as mesmas palavras: “lembra-Te de Mim”. Que este domingo, último do ano, reconhecendo-te como rei do universo, eu escute de ti, sem medo, as mesmas palavras: “Hoje estarás comigo no Paraíso“
Compromisso semanal
Ensino o meu coração a ver na fragilidade, minha e dos irmãos, a presença salvadora de Jesus pobre e sofredor.






