Mistagogia da Palavra

A forma de rezar de maneira agradável ao Senhor desde sempre preocupou o homem. Fazer-se ouvir junto de Deus e ser atendido é a grande aspiração do homem que reza. Na Liturgia de hoje vamos aprender como deve ser a nossa oração. Não deve ser uma espécie de devoção supersticiosa e comercial, mas, sem deixar de ser pedido, é essencialmente acção de graças. E, na justa medida em que é pedido, é também compromisso: Comprometemo-nos a repartir o pão, a perdoar as ofensas, a respeitar a dignidade humana.
A 1ª leitura é do Livro do Génesis. Os habitantes de Sodoma, pela sua vida, fizeram da cidade o símbolo do pecado. A sua condenação parece iminente e inevitável. Não haverá nada a fazer? Abraão pensa que sim. Se há mal, também existe o bem, a virtude, a justiça. E estes valores podem redimir o pecado, podem obter o perdão de Deus. Outrora a pedido de Abraão, hoje por intercessão de Cristo – o Justo por excelência – o Pai perdoa ao homem pecador.
A 2ª leitura é de S. Paulo aos Colossenses. Pelo Baptismo a nossa vida ficou intimamente unida à de Cristo. Com Ele somos chamados à ressurreição depois de termos morrido para o pecado. Pelo Baptismo fomos integrados numa comunidade – a Igreja – onde permanentemente se fala de Vida. Vida que é graça, alegria, inter-ajuda.
A 3ª leitura, o Evangelho, é de S. Lucas, como acontece durante todo este ano litúrgico. Jesus ensina os seus discípulos a orar. Antes de mais ensina-lhes a forma correcta de dialogar com o Senhor. Deus é Pai, nós somos filhos. E as relações entre pais e filhos devem ser íntimas, comunicativas, portadoras de amor. Deste modo não tem o homem que recear aproximar-se do Senhor para Lhe apresentar as suas aspirações e necessidades.

A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra

Vem, Espírito Santo, geme em mim a divina filiação, ensina-me a pronunciar: “Abba, Pai!”


Evangelho    Lc 11, 1-13
Naquele tempo, estava Jesus em oração em certo lugar. Ao terminar, disse-Lhe um dos discípulos: «Senhor, ensina-nos a orar, como João Baptista ensinou também os seus discípulos». Disse-lhes Jesus: «Quando orardes, dizei: ‘Pai, santificado seja o vosso nome; venha o vosso reino; dai-nos em cada dia o pão da nossa subsistência; perdoai-nos os nossos pecados, porque também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende; e não nos deixeis cair em tentação’». Disse-lhes ainda: «Se algum de vós tiver um amigo, poderá ter de ir a sua casa à meia-noite, para lhe dizer: ‘Amigo, empresta-me três pães, porque chegou de viagem um dos meus amigos e não tenho nada para lhe dar’. Ele poderá responder lá de dentro: ‘Não me incomodes; a porta está fechada, eu e os meus filhos estamos deitados e não posso levantar-me para te dar os pães’. Eu vos digo: Se ele não se levantar por ser amigo, ao menos, por causa da sua insistência, levantar-se-á para lhe dar tudo aquilo de que precisa. Também vos digo: Pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei à porta e abrir-se-vos-á. Porque quem pede recebe; quem procura encontra e a quem bate à porta, abrir-se-á. Se um de vós for pai e um filho lhe pedir peixe, em vez de peixe dar-lhe-á uma serpente? E se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião? Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem!».


Caros amigos e amigas, ver Jesus em oração conduz os discípulos também ao desejo de rezar. Então, o Mestre ensina, como arte da oração, o Pai-nosso, “síntese de todo o Evangelho” (Tertuliano).

Interpelações da Palavra

“Senhor, ensina-nos a rezar” 
Quem me dera ter este desejo dos discípulos, eu que me perco nos labirintos das minhas palavras e infindáveis ladainhas, numa tentativa de corrupção do Altíssimo, apresentando-lhe a minha lista de pedidos. Na verdade, «não sabemos o que havemos de pedir, para rezarmos como deve ser; mas [ainda bem que] o próprio Espírito intercede por nós» (Rom 8, 26). Sim, a oração não se aprende repetindo fórmulas, em livros ou com técnicas, mas só a partir da vida, num diálogo e numa relação de confiança e de realismo, de afecto e de alegria, de entrega e de compromisso. Só se aprende a rezar, rezando… e contemplando Jesus.

“Rezai: Pai!” 
Papá é a palavra da criança, o balbuciar do filho, o sorriso do encontro quando o pequeno vê os braços estendidos do pai. Papá é uma palavra de casa e não da igreja. É feita de vida e de coração. Papá fala de colo, dos primeiros passos, do dar a mão, do pão. Papá nunca pode ser juiz distante ou verdugo insensível. Papá nosso é rezar sem nunca dizer eu, meu, mas sempre Tu: o teu nome, tu dá, tu perdoa. Rezar Papá nosso é ter consciência da própria pobreza, fragilidade, fome! Sim, sem pão, sem Pai, sem perdão não se pode viver! «Levantar-me-ei, e irei ter com meu Papá» (Lc 15, 18) gritam angustiados os filhos pródigos deste mundo.

“Pedi e dar-se-vos-á” 
No coração da noite, após longa viagem, cansado e esfomeado, chega o amigo. Por causa dele, corre o seu amigo junto a outro amigo, pondo em rede a amizade, a fome e o pão, a insistência e a escuta, o pedir, o dar e o receber, que só os amigos conhecem e entendem. Rezar é história de amizade, de gente pobre de pão, mas rica de relações! O amigo importunado atenderá o pedido de quem teve a audácia confiante, sem medo ou vergonha de o acordar a meio da noite. Os amigos podem invadir os espaços, de noite ou de dia, com os próprios gritos de fome ou com os de um outro amigo. A oração não convida à insistência árida, mas à certeza da escuta; não é fruto da ascese mística ou da força da vontade, mas é confiança que a porta da casa do Papá se abre e acolhe. Quem bate à porta pede apenas 3 pães, mas recebe muito mais do amigo que lhe dá tudo aquilo que precisa. A resposta à oração supera sempre o que pedimos: o pão recebe o abraço do Pai, a noite mostrará a luz do seu belo rosto, a fome dará lugar à comunhão. Ainda hoje, Deus também bate à porta do sepulcro, como o fez com Jesus, e incomoda a morte, para levantar os seus filhos do meio da noite. E não se irá embora sem que ela tenha escutado a sua voz e sem que os filhos regressem à vida. Aí, caros amigos e amigos, só poderemos repetir uma palavra: Papá!, aquela secreta do Evangelho.


Rezar a Palavra

Senhor Jesus, rosto da misericórdia do Pai, ensina-me a rezar.
Ensina-me a dizer Abbá, Papá, a viver a experiência de ser filho e a tarefa de ser irmão.
Ensina-me a alegre humildade do pedir e a gratuidade do oferecer,
Ensina-me a feliz esperança do procurar e a gratidão do encontro,
Ensina-me a audaz coragem do bater à porta e a alegria do abrir de cada surpresa,
que desen    na minha história de aprendiz, discípulo-missionário da Tua Misericórdia.

Viver a Palavra

Vou reavivar em mim a surpresa da oração que o Senhor nos ensinou!