Grávidas de esperança

Encontraram-se na sala da esperança. As duas grávidas de alegria. Estranhas, como estranhas são todas as que se alegram, encontraram facilmente as palavras para vencer o silêncio. Depressa perceberam que entre elas havia algo especial. O meu é menino. E o meu também. O meu é João. E o meu é Jesus. Esperei muito tempo por este momento. Pois eu foi sem esperar. O pai já não acreditava. O meu sabia tudo, ele é que quis. Mantive-me em segredo até agora. E eu não disse a ninguém. É já a minha última consulta. Eu venho pela primeira vez. Isabel…! Olha chamam por mim, é a minha vez. Vai correr tudo bem.

LEITURA I Miq 5, 1-4ª

Eis o que diz o Senhor:
«De ti, Belém-Efratá,
pequena entre as cidades de Judá,
de ti sairá aquele que há de reinar sobre Israel.
As suas origens remontam aos tempos de outrora,
aos dias mais antigos.
Por isso Deus os abandonará,
até à altura em que der à luz
aquela que há de ser mãe.
Então voltará para os filhos de Israel
o resto dos seus irmãos.
Ele se levantará para apascentar o seu rebanho
pelo poder do Senhor,
pelo nome glorioso do Senhor, seu Deus.
Viver-se-á em segurança,
porque ele será exaltado até aos confins da terra.
Ele será a paz».

As invasões assírias, no século VIII a. C., deixam o povo desanimado, incapaz de acreditar que a promessa de Deus se vai cumprir. Comentam uns com os outros que, o menino prometido como descendente de David, dificilmente nascerá. O Profeta Miqueias tem palavras de esperança. Haverá um tempo de abandono, mas depois virá a restauração, um futuro de segurança e de paz, para tempos messiânicos.

Salmo 79 (80), 2ac.3b.15-16.18-19 (R.4)

Em situação de perigo, de total abandono de Deus, o povo sabe que não consegue alcançar a salvação só pelos seus meios. O Senhor é quem pode libertá-lo da angústia do momento. Por isso o povo suplica ao Senhor que venha em seu auxílio.

LEITURA II Hebr 10, 5-10

Irmãos:
Ao entrar no mundo, Cristo disse:
«Não quiseste sacrifícios nem oblações,
mas formaste-Me um corpo.
Não Te agradaram holocaustos nem imolações pelo pecado.
Então Eu disse: ‘Eis-Me aqui;
no livro sagrado está escrito a meu respeito:
Eu venho, ó Deus, para fazer a tua vontade’».
Primeiro disse: «Não quiseste sacrifícios nem oblações,
não Te agradaram holocaustos nem imolações pelo pecado».
E no entanto, eles são oferecidos segundo a Lei.
Depois acrescenta: «Eis-Me aqui:
Eu venho para fazer a tua vontade».
Assim aboliu o primeiro culto
para estabelecer o segundo.
É em virtude dessa vontade
que nós fomos santificados
pela oblação do corpo de Jesus Cristo,
feita de uma vez para sempre.

A carta aos Hebreus mostra que, na vida de Jesus, não há outro projeto a não ser o de fazer a vontade do Pai. Olhando para ele percebemos que também na nossa vida não há outro caminho seguro senão a entrega de tudo o que somos ao serviço do projeto de Deus para a humanidade.

EVANGELHO Lc 1, 39-45

Naqueles dias,
Maria pôs-se a caminho
e dirigiu-se apressadamente para a montanha,
em direção a uma cidade de Judá.
Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.
Quando Isabel ouviu a saudação de Maria,
o menino exultou-lhe no seio.
Isabel ficou cheia do Espírito Santo
e exclamou em alta voz:
«Bendita és tu entre as mulheres
e bendito é o fruto do teu ventre.
Donde me é dado
que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?
Na verdade, logo que chegou aos meus ouvidos
a voz da tua saudação,
o menino exultou de alegria no meu seio.
Bem-aventurada aquela que acreditou
no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito
da parte do Senhor».

A disponibilidade de Maria, habitada por Jesus, transforma a vida de Isabel. Ao ouvir a saudação da mãe de Jesus, Isabel fica cheia do Espírito Santo e torna-se a profetiza que anuncia a divindade de Jesus.

Reflexão da Palavra

O livro do profeta Miqueias, de onde é tirado o texto da primeira leitura, recolhe, não apenas as palavras do profeta, mas palavras de outros profetas que são difíceis de identificar. O profeta Miqueias exerceu o seu ministério pelo século VIII a.C. Um tempo difícil por causa da corrupção política e económica, pela gritante desigualdade social e por causa da ameaça constante do império assírio. A profecia dirige-se a um povo desanimado que já não acredita que a promessa do Senhor se realize e o perigo espreita a cada passo. Afinal o rei pastor, descendente de David, nunca mais vem e o trono ameaça ficar vazio.

A profecia de Miqueias que lemos na primeira leitura é quase decalcada na de Isaías ou vice-versa. De facto, também Isaías fala da mulher que está para dar à luz “a jovem está grávida e vai dar à luz um filho, e há de pôr-lhe o nome de Emanuel” (Is 7,14) e, mais à frente “um menino nasceu para nós” (Is 9,5) e adianta também o regresso dos deportados “um resto voltará para o Deus forte” (Is 10,21).

Miqueias encoraja o povo dizendo-lhe que tudo se vai realizar, o Messias vai chegar, “de ti sairá aquele que há de reinar sobre Israel”, mas antes haverá um tempo de abandono pois “Deus os abandonará”. Trata-se de uma promessa de Deus e ele não falha. Tudo se passa de acordo com o tempo de Deus. Quando chegar o tempo, o menino vai nascer e o resto de Israel vai regressar à sua terra.

O menino que vai nascer, segundo a profecia, é descendente de David. Foi a Belém, terra de Jesse, pai de David, que o profeta Samuel foi enviado por Deus para ungir o sucessor de Saúl. Por isso, ao falar da promessa de Deus, Miqueias aponta para aquela cidade que, sendo a mais pequena das cidades de Judá, nem por isso é a menos importante pois “de ti sairá aquele que há de reinar sobre Israel”, aquele que irá “apascentar o seu rebanho pelo poder do Senhor”. Vai trazer a paz e a segurança. “Ele, próprio, será a paz”.

Desta forma, o profeta, diz aos poderosos de Jerusalém, que eles serão humilhados. Deus rejeita a grandeza de Jerusalém e escolhe a pequenez de Belém para vir ao encontro do seu povo. Foi assim que Deus fez quando escolheu David rejeitando os seus irmãos.

O salmo 79 revela um povo em situação de emergência. É todo o povo quem clama ao Senhor “escuta, mostra-te, desperta, vem”. O desespero do povo faz com que grite “vinde em nosso auxílio”. A quem suplica o povo? Ao Senhor, que é “pastor de Israel”. Um pastor que conduz o seu povo. Um Deus que tem poder, “mostra a tua grandeza às tribos de Efraim… desperta o teu poder”. O povo que suplica aflito é o reino do norte, Israel, que se encontra desfeito, destroçado, em ruína.

O salmista mostra que tudo tem origem na indignação de Deus “até quando te mostrarás indignado”, por causa do seu povo, ao ponto de não responder. É aquele tempo de abandono de que fala Miqueias. Mas o povo atribui a Deus a culpa “deste-nos a comer o pão das lágrimas e a beber copioso pranto. Tornaste-nos presa disputada”. Israel sente-se uma vinha a quem o Senhor derrubou a vedação e a expôs a todos quantos “passam pelo caminho”.

Finalmente o povo clama ao Senhor “olhai dos céus e vede, visitai esta vinha… protegei a cepa… Estendei a mão sobre o homem que escolhestes” e assume um compromisso “nunca mais nos apartaremos de Vós”.

O autor da carta aos Hebreus encontra no salmo 40 as expressões ideais para falar da atitude de Jesus diante do Pai e diante dos homens. Deus não quer sacrifícios e a salvação dos homens não se realiza através de holocaustos. Não é o sangue dos animais oferecidos em sacrifício que purifica o homem dos seus pecados, mas o sangue de Cristo. Por isso, o autor coloca as palavras do salmo na boca de Cristo, para dizer que é ele, enquanto Deus feito homem, no seu corpo humano, quem nos purifica de todos os pecados. É na obediência à vontade do Pai, entregando o seu próprio corpo, que Cristo nos santifica a todos.

A passagem do evangelho de Lucas, conhecida por “visitação” coloca diante de nós um quadro inesperado em que se manifesta de modo extraordinário o Espírito Santo. Maria a “cheia de graça”, com a sua presença plena do mistério de Deus, mexe com Isabel ao ponto de o menino lhe saltar no seio. “Isabel ficou cheia do Espírito Santo” que a transformou em profetiza. Num tempo em que já não havia profetas, Isabel “exclamou em alta voz”, para que a notícia chegue a todos. Que proclama Isabel? Que Maria é “bendita”, que “bendito é o fruto do teu ventre” e que esse fruto é o “meu Senhor”. Esta é uma notícia feliz, alegre, de tal modo grandiosa que “o menino exultou de alegria no meu seio”.

Isabel, cheia do Espírito Santo, proclama Maria “Bem-aventurada”. Ser Bem-aventurado é ser feliz. Ninguém é feliz, bem-aventurado, só porque sim, sem mais, mas por causa das escolhas que faz. É assim que Jesus proclama as bem-aventuranças. São bem-aventurados aqueles que escolhem um determinado caminho. Maria é bem-aventurada porque escolheu o caminho da fé, porque “acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor”. Maria eleva-se acima do povo que espera, mas duvida que se venha a cumprir a promessa feita a David. Para o povo, o menino da promessa nunca mais virá, não chega a nascer. Maria, porém, “acreditou e, por isso, é chamada “mãe do meu Senhor”.

Meditação da Palavra

Quando no evangelho de Lucas, Isabel proclama Maria como “bem-aventurada” porque reconhece que ela “acreditou que havia de cumprir-se tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor”, está a revelar que Maria escolheu seguir por um caminho diferente daquele que seguem as pessoas do seu povo. Há uma distância entre Maria que acolhe na fé as palavras da promessa e o povo que desacreditou dessa possibilidade, como se percebe através dos profetas. Os tempos de abandono, como refere Miqueias, dias em que o Senhor se retira e faz silêncio, são tempos amargos para o povo. Nestes tempos os profetas tentam reanimar a esperança de Israel na promessa feita a David. No entanto, o povo desacredita da possibilidade de esse menino, descendente de David, rebento de Jesse, rei pastor, filho de uma virgem, vir a nascer.

Os profetas dão sinais concretos do como e onde este menino vai nascer. Hoje a primeira leitura é do profeta Miqueias, que diz “de ti [Belém] sairá aquele que há de reinar sobre Israel” quando “der à luz aquela que há de ser mãe”, mas podíamos ter lido um texto semelhante, de Isaías “a jovem está grávida e vai dar à luz um filho, e há de pôr-lhe o nome de Emanuel” (Is 7,14) ou de Jeremias “dias virão em que farei surgir para David um rebento justo. Será um verdadeiro rei e governará com sabedoria” (Jr 23,5). O menino da promessa há de nascer em Belém, de uma virgem, e será descendente de David.

A verdade é que o menino já veio e o evangelho relata os acontecimentos em torno da sua chegada e apresenta Maria como a virgem que o dá à luz porque acredita que se cumprem as promessas feitas a Israel, o seu povo. Ela é a bem-aventurada, ou seja, ela é aquela que fez uma opção diferente do seu povo. Eles preferiram desacreditar, duvidar, pôr em causa o cumprimento da promessa. Ela, Maria, faz a opção pelo caminho da fé. É um caminho mais difícil. É preciso subir a montanha e dizer a cada passo um sim, afirmar continuamente que vai cumprir-se, Deus não falta à sua promessa.

Com Maria vem o tempo da segurança e da paz prometido para a vinda do Messias “Viver-se-á em segurança, porque ele será exaltado até aos confins da terra. Ele será a paz”. O encontro de Maria com Isabel em Ain Karem anuncia o fim do tempo de abandono e o início de um tempo de alegria e de festa.

Com a chegada de Maria a casa de Isabel quebra-se o silêncio de Deus e transforma-se aquela casa no lugar do anúncio, alegre e festivo, de exaltação e glorificação daquele que vem “apascentar o seu rebanho pelo poder do Senhor”. A saudação de Maria não é mais do que a comunicação da paz, como fazem todos os judeus, Shalom, a paz esteja em ti, na tua casa. No entanto, nunca aquelas palavras foram tão verdadeiras como quando Maria as pronunciou, porque ela transporta no seu seio aquele que é a paz, “Ele será a paz”. Por isso Isabel fica cheia do Espírito Santo e começa a profetizar dizendo “Bendita és tu entre as mulheres” e reconhecendo que aquele que Maria traz no seu seio também o é “e bendito é o fruto do teu ventre” e mais, ele é “o meu Senhor” e Maria “a mãe do meu Senhor”.

Com Maria, quem entra na casa de Isabel é Jesus, que ela transporta no seu seio. É o Deus que dança que entra na casa de Isabel e, à sua chegada, João dança no seio de sua mãe. É desde ali que João aprende a dançar com Deus as acrobacias da fé que o Espírito revela aos que sabem caminhar para lá das montanhas até chegarem ao coração do mistério.  

Ao aproximar-se a celebração do Natal e contemplando o encontro das duas mulheres grávidas, inundadas pelo Espírito Santo e enriquecidas pela alegria da presença do Messias, somos convidados a fazer a mesma experiência que elas viveram em Ain Karem, a terra de Isabel. Nunca naquele lugar se viu tanta abundância como quando elas experimentaram o abraço da alegria e dançaram ao ritmo do sonho de Deus que se revela aos humildes e simples do seu povo.

Também nós reconhecemos hoje, como Isabel, que Maria é “a mãe do meu Senhor”, a bem-aventurada que preferiu o caminho da fé e, por isso, acreditou. E reconhecemos que em Jesus, “o fruto do teu ventre” se cumpre a promessa de Deus porque ele é o Messias, rei e pastor, que vem trazer a paz. Por isso, também nós, como João exultamos de alegria, dançamos ao ritmo de Deus e proclamamos profeticamente que Jesus é o “bendito fruto”.

A carta aos hebreus diz-nos como se dança ao ritmo da vontade de Deus. De facto, recorda que, “ao entrar no mundo, Cristo disse: «Não quiseste sacrifícios nem oblações». Então Eu disse: ‘Eis-Me aqui; Eu venho, ó Deus, para fazer a tua vontade”. Dançar, ou exultar de alegria, ao ritmo da vontade de Deus significa entregar-se todo inteiro à disposição daquele que, como a Isabel, nos enche do Espírito Santo e como em Maria faz acontecer em nós o Messias salvador.

Esta experiência não pode ser apenas uma intenção do momento, mas uma decisão de fé para toda a vida. Tenhamos a coragem de dizer, hoje, como o salmista “nunca mais nos apartaremos de Vós, fazei-nos viver e invocaremos o vosso nome

Rezar a Palavra

Quero alegrar-me, Senhor. Quero vencer o rosto fechado, o coração frio, o olhar amortecido, o sentimento de desilusão que me habita. Quero alegrar-me e exultar, dançar e proclamar, por causa das maravilhas que fazes em mim. Quero sentir-me abençoado, bem-aventurado por acreditar que tudo o que dizes se cumpre. Quer ser entrega total de tudo o que sou à tua vontade. Quero ser dom. Quero ser paz.

Compromisso semanal

Descubro à minha volta a presença daquele que me pode dar a paz.