Um poder que dá a vida
De rosto iluminado pelo sol que se levanta, de olhar firme no infinito horizonte, de cajado nas mãos, o pastor segue lentamente os passos das ovelhas que ponteiam os verdes prados de erva fresca.
A beleza dos campos com as suas lindas flores e a melodia das aves em busca apressada pelo alimento, não esquecem os perigos que se escondem em cada passo pondo em risco a vida das frágeis ovelhas.
O passo apressado desta e daquela ovelha, o olhar assustado de uma e outra, alerta o pastor que levanta o cajado intimidatório a quem se atreve a perturbar o sossego do rebanho. O pastor, de olhar meigo e simples, enfrenta-se o medo e o inimigo, mas não negoceia nenhuma das suas ovelhas.
LEITURA I Atos 4, 8-12
Naqueles dias, Pedro, cheio do Espírito Santo, disse-lhes: «Chefes do povo e anciãos, já que hoje somos interrogados sobre um benefício feito a um enfermo e o modo como ele foi curado, ficai sabendo todos vós e todo o povo de Israel: É em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos, é por Ele que este homem se encontra perfeitamente curado na vossa presença. Jesus é a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que veio a tornar-se pedra angular. E em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos».
Confrontados pelas autoridades que os mandaram prender, Pedro e João aproveitam o momento para anunciar a ressurreição de Jesus e o poder do ressuscitado que continua a atuar através deles, porque são testemunhas.
Salmo Responsorial Sl 117 (118),1 e 8-9.21-23.26.28cd.29 (R. 22)
O salmo 117 recorda que a pedra rejeitada veio a revelar-se a pedra fundamental. Esta pedra, fundamental na arquitetura da fé, é Jesus, o rejeitado pelas autoridades mas ressuscitado por Deus.
LEITURA II 1 Jo 3, 1-2
Caríssimos: Vede que admirável amor o Pai nos consagrou em nos chamarmos filhos de Deus. E somo-lo de facto. Se o mundo não nos conhece, é porque não O conheceu a Ele. Caríssimos, agora somos filhos de Deus e ainda não se manifestou o que havemos de ser. Mas sabemos que, na altura em que se manifestar, seremos semelhantes a Deus, porque O veremos como Ele é.
João convida a “ver” como tudo decorre do amor do Pai que, na sua iniciativa, nos faz Filhos e nos oferece a vida eterna em Jesus que venceu o mundo.
EVANGELHO Jo 10, 11-18
Naquele tempo, disse Jesus: «Eu sou o Bom Pastor. O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas. O mercenário, como não é pastor, nem são suas as ovelhas, logo que vê vir o lobo, deixa as ovelhas e foge, enquanto o lobo as arrebata e dispersa. O mercenário não se preocupa com as ovelhas. Eu sou o Bom Pastor: conheço as minhas ovelhas, e as minhas ovelhas conhecem-Me, do mesmo modo que o Pai Me conhece e Eu conheço o Pai; Eu dou a vida pelas minhas ovelhas. Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil e preciso de as reunir; elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só Pastor. Por isso o Pai Me ama: porque dou a minha vida, para poder retomá-la. Ninguém Ma tira, sou Eu que a dou espontaneamente. Tenho o poder de a dar e de a retomar: foi este o mandamento que recebi de meu Pai».
Somos a grande riqueza de Jesus, o bom pastor. Ele tem por nós um amor capaz de dar a sua vida e não se cansa nem desiste de fazer ouvir a sua voz aonde quer que nos encontremos para chegarmos a ser, “um só rebanho e um só pastor”.
Reflexão da Palavra
Um dia após a cura do paralítico que estava sentado na entrada do templo, as autoridades “fizeram comparecer Pedro e João” para os questionar: “com que poder ou em nome de quem fizestes isso?”. Convém anotar que o Sinédrio está todo reunido para deliberar o que fazer com aqueles que, abertamente, por mais de uma vez, anunciam ao povo o nome de Jesus com sinais e prodígios. A pergunta é acusatória.
Diante da pergunta, e antes que Pedro responda, cumpre-se a promessa de Jesus “sereis levados perante governadores e reis, por minha causa, para dar testemunho diante deles… não vos preocupeis nem como haveis de falar nem com o que haveis de dizer… o Espírito Santo é que falará por vós”. Pedro experimenta-se cheio do Espírito Santo e começa a desenvolver um discurso que é mais anúncio de Jesus do que defesa.
Pedro capta a atenção dos presentes “ficai sabendo todos vós e todo o povo de Israel“, depois dirige-se a quem lhe pergunta, os “chefes do povo e os anciãos” e apresenta a prova do que aconteceu ali, “este homem”. Pedro explica que está em causa “um benefício feito a um enfermo”. O homem ali presente é o enfermo e foi curado. A segunda parte da resposta de Pedro aponta para Jesus. Pedro especifica que aquele poder é de Deus e não dos homens e Deus atua em Jesus, “é por Ele que este homem se encontra perfeitamente curado”. Quem é este Jesus? É o mesmo “que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos”.
Agora, do mesmo modo que “este homem” todos podem encontrar no nome de Jesus a salvação. Basta aceitar e não recusar “a pedra”. Aqueles que rejeitarem ficam do lado dos que o mataram e os que aceitarem serão salvos, “pois não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos”.
O salmo 117, um hino de ação de graças com indicações de utilização litúrgica, como já tivemos oportunidade de salientar em domingos anteriores, foi inserido nesta celebração por causa da referência cristológica da “pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular” citada por Paulo na primeira leitura e citada anteriormente pelo próprio Jesus a propósito da parábola dos vinhateiros homicidas.
Ao escrever a primeira carta, João tem diante de si a realidade de um mundo criado e amado por Deus, cuja existência, de acordo com o prólogo do seu evangelho, se deve ao Verbo “por Ele é que tudo começou a existir”. Mas existe outro mundo, o daqueles que não acreditam, a quem chama “anticristos”, mundo que é vencido pelos que creem porque neles permanece a palavra de Deus. Jesus veio para salvar o mundo dos que não creem. Os discípulos de Jesus, como recorda o evangelho, não são deste mundo, pois, eles creem. O desejo de salvar o mundo é o desejo do amor de Deus. Deus ama o mundo “amou tanto o mundo que lhe entregou o seu próprio filho”, mas o mundo, este do anticristo, não conhece a Deus. Mas Deus quer que o mundo o conheça.
João recorda aos cristãos a sua condição de filhos de Deus. Esta filiação tem a sua origem, as suas raízes e a sua fonte no amor de Deus. É fruto do amor e não do merecimento do homem, menos ainda da sua conquista.
O mundo que não conhece a Deus também não conhece os cristãos, os filhos de Deus. Os cristãos, que não são do mundo, estão no mundo e são chamados a dar testemunho. Na luta entre o mundo e os filhos de Deus, estes são chamados a viver da confiança que brota da fé em Jesus, que os faz ver o que hão de ser, “semelhantes a Deus”, “quando ele se manifestar”.
O evangelho coloca diante de nós uma realidade que vai mais longe do que uma simples comparação entre Jesus e o pastor das ovelhas. A imagem do pastor atravessa todo o Antigo Testamento, marca a relação de Deus com o seu povo, Israel, define a grandeza, o poder e o valor das pessoas.
São efetivamente muitas as expressões veterotestamentárias que recordam a relação de Deus com o seu povo a partir da imagem do pastor. O povo que escuta Jesus conhece expressões como as que encontramos no salmo 23 “o Senhor é o meu pastor nada me falta” ou no salmo 94 quando diz “Ele é o nosso Deus e nós somos o seu povo, as ovelhas do seu rebanho”. As palavras de Jesus levam os ouvintes até à vida real onde, quem tem um rebanho tem uma segurança económica, porque as ovelhas são uma riqueza para a família. Abraão tinha rebanhos “era muito rico em rebanhos, prata e ouro” (Gn 13,2). Job é descrito a partir dos filhos “tinha sete filhos e três filhas” e dos seus bens, contando-se em primeiro lugar na lista “sete mil ovelhas” (Jb 1,2). Urias tinha apenas uma ovelha, mas esta “era para ele como uma filha” (2Sm 12,3).
As palavras de Jesus recordam o cuidado com que Deus trata o seu povo, liberta-o do Egito, condu-lo através do deserto, instala-o numa terra, está presente na sua história e vela por ele como um pastor faz com o seu rebanho enfrentando os inimigos. O povo é o seu rebanho, as ovelhas são uma riqueza para Deus, cada uma delas tem um valor inestimável.
Por isso, quando Jesus afirma “Eu sou o Bom Pastor. O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas” os seus ouvintes sabem do que ele está a falar. Recordam que também os reis de Israel são pastores que o Senhor colocou à frente do povo em seu lugar, mas que nem sempre cumpriram a missão de conduzir o rebanho e dar a vida pelas ovelhas, procuraram, sim, o seu próprio interesse.
Ao escutar as palavras de Jesus o povo compreende que ele não se apresenta como os reis, os chefes e as autoridades de Israel. Ele “dá a vida pelas suas ovelhas”. Não coloca o seu interesse, o seu poder nem a sua glória acima do interesse das ovelhas, nem constrói o seu reino à custa dos sacrifícios das suas ovelhas. Jesus é o pastor ao jeito da profecia de Jeremias “eu mesmo me ocuparei das minhas ovelhas e as reunirei de onde se dispersaram” (Jr 23,3).
Meditação da Palavra
O conteúdo da pregação de Pedro diante dos “chefes do povo e anciãos” é Jesus Cristo, aquele “que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos”. É o mesmo “que vós, os construtores, desprezastes”, mas que “veio a tornar-se pedra angular”. Deste modo, “em nenhum outro há salvação”, porque “não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos”. Foi ele quem atuou através dos apóstolos para que aquele homem, outrora sentado na entrada do templo a pedir esmola, porque paralítico, “se encontra perfeitamente curado na vossa presença”.
O Cristo anunciado por Pedro é o mesmo que se apresenta a si próprio no evangelho como “bom Pastor”. De facto, o evangelista João que apresenta Jesus em várias circunstâncias como o “eu sou”, “eu sou a água viva”, “eu sou o pão vivo”, “eu sou a porta”, “eu sou o caminho, a verdade e a vida”, “eu sou a videira”, “eu sou a luz do mundo”, mostra-o também na figura do pastor “Eu sou o bom pastor” como acontece no evangelho deste domingo, conhecido como o domingo do Bom Pastor.
Esta identificação de Jesus com o pastor não é um genérico, trata-se de uma encarnação que na sua vida tem consequências visíveis nas caraterísticas apresentadas por ele mesmo. Ser o “bom pastor” significa e implica “dar a vida”, reconhecer como “suas as ovelhas”, conhecer as ovelhas e ser conhecido por elas do mesmo jeito que o Pai conhece o filho e o filho conhece o Pai, implica ainda a preocupação pelas ovelhas que se tresmalharam, se afastaram ou passaram para outro redil, exige fazer ouvir a sua voz lá onde quer que seja que as suas ovelhas se encontrem.
O interesse de Jesus, o bom pastor, não é outro além de constituir com todas as ovelhas “um só rebanho e um só pastor”, ou seja, uma relação próxima e feliz, familiar, livrando-as do mundo e de todos os perigos que nele se escondem e ameaçam. Porque este é o desejo de Deus, o Pai, que no seu amor, ama o filho que dá a vida por todos, como se lê no evangelho “o Pai me ama: porque dou a minha vida”. E nos ama a nós, como afirma João na segunda leitura “vede que admirável amor o Pai nos consagrou em nos chamarmos filhos de Deus”. Este amor com que Deus nos consagrou é a revelação plena do cuidado que tem para connosco, e a manifestação da sua bondade e misericórdia, que nos fazem sentir total segurança, pois sabemos que não só “não existe debaixo do céu outro nome no qual possamos ser salvos”, como não tememos qualquer perigo, nem qualquer inimigo, “porque vós, Senhor, estais comigo”.
Por isso, neste domingo, damos graças “porque me ouvistes e fostes o meu Salvador”, porque “Vós sois o meu Deus”, porque “é eterna a sua misericórdia”, porque “somos filhos de Deus e ainda não se manifestou o que havemos de ser” e porque “seremos semelhantes a Deus” e “O veremos como Ele é”.
Rezar a Palavra
Cuida de nós, Senhor, como o pastor faz com o seu rebanho. Testemunhas do evangelho, somos conduzidos à presença de governadores e reis, somos questionados sobre as nossas palavras e os nossos compromissos. Acusados e desvalorizados no testemunho que damos, precisamos do teu Espírito para que, ainda assim continuemos a missão de anunciar a tua ressurreição. No meio do mundo, que não te conhece nem nos conhece, precisamos da força que nos vem da certeza do amor que nos faz filhos e da esperança que nos faz ver o que havemos de ser quando contemplarmos o teu rosto. Ovelhas frágeis e fáceis de enganar carecemos do olhar atento do Bom Pastor, sempre disposto a dar a vida por nós.
Compromisso semanal
Testemunho com a minha vida a certeza de ser filho e a esperança de chegar a ser como o Bom Pastor.