Convidaram-no…

A festa mal tinha começado quando vieram dizer: “Ele não vem”.

Apoderou-se de todos uma grande tristeza. Estranhando a notícia, perguntou um: “Não vem porquê?”. Ao que todos responderam em uníssono: “Não sei!”.

“Mas ele sabia que era para vir?”, questionou um dos presentes. Uns responderam “sim”, outros “não sei”. Alguém se lembrou de perguntar: “Convidaram-no?”. “Acho que sim” disse um deles. “Quem o convidou?”. “Eu não”, disse um; “Eu também não”, disse outro e alguém acrescentou “Pensei que vocês o tinham convidado”.

“Não acredito que ninguém o convidou!” exclamou um. “Liguem-lhe, a ver se ele ainda vem. Sem ele isto não tem graça”.

LEITURA I Is 62, 1-5

Por amor de Sião não me calarei,
por amor de Jerusalém não terei repouso,
enquanto a sua justiça não despontar como a aurora
e a sua salvação não resplandecer como facho ardente.
Os povos hão de ver a tua justiça
e todos os reis a tua glória.
Receberás um nome novo,
que a boca do Senhor designará.
Serás coroa esplendorosa nas mãos do Senhor,
diadema real nas mãos do teu Deus.
Não mais te chamarão «Abandonada»,
nem à tua terra «Deserta»,
mas hão de chamar-te «Predileta»
e à tua terra «Desposada»,
porque serás a predileta do Senhor
e a tua terra terá um esposo.
Tal como o jovem desposa uma virgem,
o teu Construtor te desposará;
e como a esposa é a alegria do marido,
tu serás a alegria do teu Deus.

Aos judeus regressados de Babilónia, Isaías, anuncia que Deus escolheu o seu povo e tem com ele uma relação semelhante à dos esposos. Deus é o esposo que transforma a vida da esposa por amor e o povo, como uma esposa, é a alegria do seu Deus.

Salmo 95 (96), 1-3.7-8a.9-10a.c (R. 3)

Quem sabe olhar para a vida, como o salmista, encontra razões para louvar o Senhor. Do mesmo modo que a terra, o céu, o mar, os campos e as árvores, sabem que são criaturas da mão de Deus e o louvam, também os homens de todos os povos são convidados a reconhecer as maravilhas que o Senhor faz e a louvá-lo com cânticos.

LEITURA II 1 Cor 12, 4-11

Irmãos:
Há diversidade de dons espirituais,
mas o Espírito é o mesmo.
Há diversidade de ministérios,
mas o Senhor é o mesmo.
Há diversidade de operações,
mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos.
Em cada um se manifestam os dons do Espírito
para o bem comum.
A um o Espírito dá a mensagem da sabedoria,
a outro a mensagem da ciência, segundo o mesmo Espírito.
É um só e o mesmo Espírito
que dá a um o dom da fé, a outro o poder de curar;
a um dá o poder de fazer milagres,
a outro o de falar em nome de Deus;
a um dá o discernimento dos espíritos,
a outro o de falar diversas línguas,
a outro o dom de as interpretar.
Mas é um só e o mesmo Espírito que faz tudo isto,
distribuindo os dons a cada um conforme Lhe agrada.

O Espírito Santo que recebemos no Batismo, atua em todos os membros da comunidade cristã, dando a cada um os dons necessários para pôr ao serviço do bem comum. A beleza da comunidade está na harmonia da variedade de dons que o Espírito distribui por todos.

EVANGELHO Jo 2, 1-11

Naquele tempo,
realizou-se um casamento em Caná da Galileia
e estava lá a Mãe de Jesus.
Jesus e os seus discípulos
foram também convidados para o casamento.
A certa altura faltou o vinho.
Então a Mãe de Jesus disse-Lhe:
«Não têm vinho».
Jesus respondeu-Lhe:
«Mulher, que temos nós com isso?
Ainda não chegou a minha hora».
Sua Mãe disse aos serventes:
«Fazei tudo o que Ele vos disser».
Havia ali seis talhas de pedra,
destinadas à purificação dos judeus,
levando cada uma de duas a três medidas.
Disse-lhes Jesus:
«Enchei essas talhas de água».
Eles encheram-nas até acima.
Depois disse-lhes:
«Tirai agora e levai ao chefe de mesa».
E eles levaram.
Quando o chefe de mesa provou a água transformada em vinho,
_ ele não sabia de onde viera, pois só os serventes, que tinham tirado a água, sabiam _
chamou o noivo e disse-lhe:
«Toda a gente serve primeiro o vinho bom
e, depois de os convidados terem bebido bem,
serve o inferior.
Mas tu guardaste o vinho bom até agora».
Foi assim que, em Caná da Galileia,
Jesus deu início aos seus milagres.
Manifestou a sua glória
e os discípulos acreditaram n’Ele.

A presença de Jesus nas bodas de Caná passa despercebida àqueles que se julgam o centro de tudo e àqueles que se deixam absorver pelo trabalho. O noivo e o chefe de mesa não se apercebem que faltou o vinho nem se preocupam em saber a origem do vinho bom que lhes é servido. Os serventes sabem de onde vem o vinho mas não reconhecem aquele que lhes manda servir o vinho novo. Só os discípulos veem naquela cena a manifestação da glória de Jesus e acreditaram nele.

Reflexão da Palavra

O texto da primeira leitura faz parte do terceiro livro de Isaías. É um poema de amor. O autor serve-se de realidades próprias entre pessoas apaixonadas para falar da relação entre Deus e o seu povo.

Estamos no pós-exílio, 538 a.C., tempo difícil para os judeus regressados de Babilónia. Ocupam-se na reconstrução da cidade, mas não sem dificuldades. Entendem que, se Deus estivesse com eles tudo seria resolvido mais depressa, mas os impasses, os obstáculos, os problemas que se levantam fazem-nos crer que os abandonou.

O profeta Isaías não se cansa de animar o povo. O profeta é animado por uma esperança que o leva a anunciar a chegada de um tempo novo e empenha-se nessa esperança ao ponto de dizer “por amor de Sião não me calarei, por amor de Jerusalém não terei repouso, enquanto a sua justiça não despontar como a aurora e a sua salvação não resplandecer como facho ardente”, tal é a sua certeza.

Deus ama o seu povo e, por isso, não o abandona. Pelo contrário, o Senhor vai dar-lhe um nome novo, vai dar-lhe uma nova condição e uma nova vida. Vai chamar-se “predileta”, “desposada”, será esposa e razão da alegria do Senhor. Israel, Jerusalém, o povo, terá um esposo, viverá para o seu Deus e será a proferida entre todas as cidades, entre todos os povos.

O salmo é um hino construído em quatro partes. Começa com um convite a cantar os louvores do Senhor. Depois apresenta as razões desse louvor, “porque o Senhor é grande e digno de louvor”, “o Senhor é rei”, “criou os céus”. De seguida convida todos os povos a dar glória ao Senhor e no final convida toda a criação, “alegrem-se os céus…, ressoe o mar…, alegrem-se os campos…, exultem de alegria as árvores dos bosques”.

O louvor do Senhor faz-se cantando, bendizendo, proclamando, publicando, reconhecendo, adorando, tremendo, dizendo, alegrando-se, exultando, gritando… e é feito pelo povo, por todas as nações, todos os povos, as criaturas, os campos, as florestas. A razão fundamental do louvor é porque o Senhor está no meio do seu povo, governa e salva “exultem de alegria… na presença do Senhor, que se aproxima e vem governar a terra”.

Paulo, na carta aos coríntios recorda que na vida do cristão há apenas um ator, o Espírito Santo, e tudo vem dele. Habituados à filosofia e inclinados para a procura do conhecimento, os coríntios julgavam poder chegar lá por si mesmos. Paulo adverte que a vida dos membros da comunidade cristã deve ser como uma sinfonia, em que cada um toca um instrumento diferente, mas, porque todos procuram tocar no mesmo tom, a melodia é agradável ao ouvido. A vida cristã é como um hino de amor (1ª leitura) e de alegria (salmo), no Espírito Santo.

Assim, o mais importante não é o que cada um faz, mas se o que faz serve para o bem comum, pois, tudo é dom do mesmo Espírito e ele dá a cada um o dom que entende para que todos, cada um a seu modo, sirvam com a sua vida o bem dos outros membros da comunidade. Os dons enunciados por Paulo são “os ministérios”, “a sabedoria”, “a ciência”, “a fé”, “o poder de curar, “o poder de fazer milagres”, “falar em nome de Deus”, “o discernimento dos espíritos”, “falar diversas línguas”, “interpretar.

O evangelho coloca-nos no terceiro dia da vida pública de Jesus, uma cronologia interessante. Há um primeiro dia em que as autoridades interrogam João querendo saber se ele é o Messias. No dia seguinte João dá testemunho de Jesus. No dia seguinte João indica aos seus discípulos que Jesus é o Cordeiro de Deus” e com eles começa o grupo dos doze. No dia seguinte Jesus encontra Filipe e chama-o dizendo-lhe “segue-me”, aumentando com ele e com Natanael, o número dos discípulos. No terceiro dia Jesus realiza o primeiro dos sinais miraculosos num casamento em Caná da Galileia. Em três dias Jesus passa do anonimato para figura central do evangelho, “manifestou a sua glória e os discípulos creram nele”.

O terceiro dia é o dia da manifestação, dia que revela Jesus como aquele em que se acredita, o dia que anuncia a vitória final em que Jesus, depois de passar pela paixão, onde não se parece em nada com um filho de Deus, ressurge vivo, ressuscitado, como aquele em quem se pode acreditar.

A narração das bodas de Caná revela-se de grande interesse e profundidade. Em primeiro lugar o importante no texto é o leitor, ele é um espetador privilegiado que se dá conta de tudo o que se passa, enquanto os intervenientes não estão a par dos acontecimentos. O noivo não sabe que não têm vinho, Maria não sabe que ainda não chegou a hora de Jesus, o chefe de mesa e o noivo não sabem de onde vem aquele vinho.

Jesus é o principal interveniente na cena e parece estar ausente. A Maria diz “Mulher, que temos nós com isso? Ainda não chegou a minha hora”, mas depois manda aos criados que encham as talhas de água e sirvam como se serve o vinho. O chefe de mesa dá-se conta de que este vinho é melhor que o anterior e questiona o noivo e não Jesus, o verdadeiro autor da mudança da água em vinho. Os discípulos não falam nem intervêm, mas estão presentes, são como o leitor, veem tudo, por isso veem a glória de Jesus e acreditam, como se espera que aconteça com o leitor.

Tudo se passa como se Jesus não estivesse visível e atuando em favor de todos, no entanto, é ele quem opera a mudança necessária para que não falte a alegria e a festa possa continuar.

Meditação da Palavra

Os evangelistas relatam muitas situações em que Jesus realiza milagres. Dá vista aos cegos, faz ouvir os surdos e falar os mudos, levanta do chão os paralíticos, ressuscita os mortos. Naquele tempo, tal como hoje, as pessoas ficam maravilhadas e acorrem a Jesus à procura de milagres que alterem o curso da sua vida, libertando-as das suas limitações, sobretudo limitações físicas, sempre difíceis de suportar.

João, no seu evangelho, fala de sinais. “Em Caná da Galileia, Jesus realizou o primeiro dos seus sinais”. A cena que João narra, e que nós escutamos este domingo, é curiosa por diversas razões como podemos ver: Primeiro podemos salientar o facto de que em toda a cena, Jesus passa despercebido à grande maioria das pessoas, mesmo aos mais importantes, o chefe de mesa e o noivo. Só Maria se dá conta de que falta o vinho. A ação de Jesus não tem como primeiro objetivo revelar quem ele é, mas resolver um detalhe na vida dos noivos. Os serventes fazem mecanicamente o que Jesus lhes manda fazer. Só os discípulos reconhecem no sinal realizado por Jesus a manifestação da sua glória e só eles fazem a experiência da fé.

Fugindo às ideias que já temos preconcebidas quando escutamos este evangelho, podemos compreender que, na maior parte das situações da nossa vida, a ação de Deus passa despercebida ao nosso olhar e ao olhar da maioria das pessoas. É preciso um olhar atento ao mistério para se perceber quantas maravilhas faz o Senhor a nosso favor. Por isso é tão necessário anunciar, como convida o salmo “anunciai dia a dia a sua salvação, publicai entre as nações a sua glória, em todos os povos as suas maravilhas”, para que todos vejam e vendo acreditem.

É mais fácil pensar que tudo se resolve com o tempo, acreditar que há pessoas boas que são como anjos, que somos capazes de resolver todos os problemas, que a ciência e a técnica têm resposta para tudo ou que o acaso gere toda a nossa existência. Para o chefe de mesa o vinho novo foi uma surpresa do noivo, para o noivo foi, talvez, a oferta inesperada de algum amigo. Para os serventes que faziam um trabalho, o vinho novo foi um acaso ou uma sorte. Para reconhecer que é Jesus, que é Deus, quem faz as pequenas maravilhas do nosso dia a dia e que são essas pequenas maravilhas que nos enchem de alegria, é preciso um olhar espiritual.

Na reconstrução das muralhas de Jerusalém, os israelitas regressados de Babilónia não conseguem ver esta presença de Deus nas pequenas conquistas de cada dia. Veem apenas trabalho para fazer e obstáculos que nem sempre conseguem contornar com facilidade, sentindo-se abandonados, mas a muralha vai crescendo. Só o profeta consegue ver que Deus está com o seu povo e o transforma, pelo amor, em verdadeira esposa, em razão da sua alegria.

Do mesmo modo os cristãos, nas suas comunidades, olham uns para os outros na esperança de que algum deles sejam fonte de solução para os problemas. Algum iluminado, cheio de qualidades e capacidades inatas que possa enriquecer a comunidade e alegrar a todos. Na realidade, não são as capacidades de cada um a solução para os múltiplos problemas das comunidades cristãs. É o Espírito Santo quem distribui os dons e inspira cada um a colocá-los ao dispor de todos para o bem comum. O segredo está, pois, em reconhecer e acolher os dons. A solução está naquele olhar espiritual que vê as dificuldades como o profeta e é capaz de perceber que só o Espírito Santo distribui os verdadeiros dons necessários a todos.

Sem vinho, as bodas, em qualquer parte do mundo e da história são uma experiência de abandono, um fracasso, uma experiência triste, como a experiência dos israelitas que reconstroem as muralhas de Jerusalém carregados de um sentimento de abandono e rejeição.

O que muda a vida de cada homem é o amor de Deus. A diferença entre a vida do crente e dos outros é a certeza de ser amado. Já não sou um abandonado, não sou um deserto, não sou um rejeitado. Sou desposado, escolhido, predileto, como uma jovem desposada pelo seu amado.

A diferença não está nas capacidades que temos ou nos faltam, mas no Espírito que atuam e faz capazes aqueles que se abrem aos seus dons e se dispõem a partilhá-los. A diferença está em deixar entrar Jesus na festa e estar atento aos gestos e palavras com que ele vai transformando a água em vinho.

Os discípulos veem e creem que o que ali se passou foi ação de Deus. As comunidades cristãs precisam deste olhar para ver como Deus está agindo em sinais simples e pequenos que parecem insignificantes, mas têm o valor do amor de Deus que neles se manifesta. Quem vê, tem que ser capaz de anunciar o que Deus faz e cantar os louvores do Senhor, para que se reconheçam que vem dele e não de nós o poder com que se transforma a vida.

Para acreditar o importante não é ser mãe de Jesus, nem criado que faz o que Jesus manda, nem chefe de mesa que percebe de vinhos e declara este melhor que o anterior. Para a fé é necessário saber de onde vem o vinho, a sua origem, e reconhecer naquele por quem a água se transforma em vinho, o Senhor em quem se pode acreditar. Os criados fizeram como Jesus disse, mas não acreditaram, o chefe de mesa provou e reconheceu ser bom o vinho, mas não acreditou, porque não sabia de onde viera. O noivo, dono da festa, nem se apercebe que Jesus está presente e que é ele a razão da alegria. Só os discípulos sabem, conhecem e, por isso, acreditam.

Rezar a Palavra

Entra na minha festa, Senhor. Entra na festa da minha vida onde tantas vezes falta o vinho, a alegria, a razão e o sentido. Entra na minha vida e faz-me perceber o porquê de cada coisa, de cada pessoa, de cada momento. Entra na minha vida e lava os meus olhos para ver-te presente, para compreender as tuas palavras, para identificar os teus gestos, para acolher os sinais da tua glória e acreditar que és tu e não eu quem transforma a água em vinho.

Compromisso semanal

Quero acreditar que Jesus é quem traz alegria à minha vida.