Um dos sintomas mais graves da crise religiosa do nosso tempo é o abandono da oração. Havia rotinas e gestos na vida pessoal, familiar e comunitária, que sustentavam a vida da fé, e criavam um ambiente propício ao relacionamento com Deus e de uns com os outros. A falta de abertura à transcendência e a submissão a determinados meios técnicos fizeram com que as práticas ancestrais fossem desaparecendo e, com esta perda, também os nossos pequenos hábitos de oração deixaram de fazer parte da nossa vida.
Ainda assim, há que admitir que um dos elementos essenciais da vida cristã é a oração. Os que fazem a experiência da proximidade de Deus, são pessoas de oração. Para rezar, é preciso sentir Deus próximo, perceber que Ele é alguém presente, com quem se pode estabelecer uma relação, a quem se podem colocar questões, perguntar, dialogar… O livro do Genesis dá um belo exemplo deste relacionamento com Deus quando apresenta Abraão a interceder por Sodoma e Gomorra. E quando Jesus ensina os discípulos a dirigir-se a Deus chamando-o de Pai significa que a nossa relação com Deus é tão intima que se situa no âmbito das mais estreitas relações familiares…
1. A imagem de Deus
– Muita gente fabrica imagens de Deus e, por vezes, também se dirige a Ele usando a chamada “oração mercantil”, que pretende obter de Deus determinadas concessões oferecendo coisas em troca para alcançar benefícios…
– A própria Bíblia também nos transmite diversas imagens e, a partir de algumas, há gente que vai fazendo as suas representações de Deus: justiceiro, vingativo, com traços humanos (antropomorfismos) e com todas as consequências que daí se podem tirar…
– Mas, a imagem mais completa de Deus na Bíblia é a que nos apresenta Deus a comunicar com o seu povo, a falar com Moisés como quando um homem fala com o seu amigo (Ex 33,11-13), a dialogar com Abrão (1ª leitura) à maneira de uma conversa entre amigos, a falar com toda a humanidade em Jesus como um Deus que é amor, que ama curando, perdoando, que dá de comer aos famintos, que acolhe as crianças, que chora, que tem compaixão das multidões…
– Com a manifestação de Deus em Jesus acabam-se todos os mitos, todas as representações de seres superiores que jogam arbitrariamente com a humanidade… O rosto de Deus em Jesus acaba com todas as superstições e manipulações…
2. Deus é Pai
– Os discípulos de Jesus, como todos os seus contemporâneos, eram pessoas de oração: fixavam orações de memória, que repetiam em determinadas horas do dia, participavam nas celebrações familiares e na sinagoga, dirigiam-se ao templo de Jerusalém nas principais festividades…
– Mas havia novidades em Jesus que levam estes discípulos a perguntar sobre como haviam de rezar… E o dado mais relevante é o título que Jesus propõe para se dirigir a Deus: Abba, Pai… É este nome que dá à oração de Jesus uma nova tonalidade e um novo conteúdo…
– É com Jesus que nos podemos dirigir a Deus chamando-o ‘Pai’: com Ele é que se estabelece a relação de amor e de comunhão com Deus… E porquê? Porque em Jesus nos tornamos filhos adoptivos (Rm 8,15-17)…
– Chamar a Deus, Pai, implica fundamentalmente duas coisas: que a Deus nos devemos dirigir com proximidade, ternura e carinho; que todos somos irmãos e temos compromissos que nos envolvem a todos: de fraternidade e de responsabilidade comum…
3. Orar sempre
– Sabendo que Deus está sempre presente, que Ele nos acompanha e a toda a humanidade, a oração é uma exigência da vida cristã porque nos faz tomar consciência das nossas fragilidades, das nossas dificuldades e dos nossos problemas…
– A oração leva-nos a colocar a nossa vida nas “mãos de Deus”, não para que Ele resolva todos os nossos problemas mas para que nós os encaremos com Ele, com uma grande confiança, pedindo que se faça a sua vontade…
– Ir a casa de um amigo a horas inoportunas, confiando que ele nos ajude a resolver um problema, é já uma boa base de apoio porque acreditamos nas regras da hospitalidade. No entanto, pode ser sempre necessário insistir, sobretudo quando se parte da certeza de que Deus escuta e acolhe todos os que Lhe suplicam com confiança…
– Em três verbos Jesus caracteriza a atitude daquele que se dirige a Deus para ser atendido: pedir, procurar, bater ou chamar. Quem pede é porque precisa de alguma coisa e se reconhece necessitado; procurar implica colocar-se em movimento, deixar uma atitude passiva de aguardar que os outros apresentem a solução; bate à porta ou chama quem se dá conta das contradições e dos problemas do mundo actual que requerem uma intervenção de Deus na nossa história…
– A oração deve ter como ponto de partida a consciência do dom do Espírito, da graça de Deus… A partir daqui, ela pode expressar-se por palavras, no silêncio, em comunidade ou individualmente; pode ser de louvor e de admiração ou de súplica insistente…
– Num mundo dominado pela técnica e pela economia, a oração continua a fazer sentido e é eficaz… É ela que nos permite sair dos bloqueios que nos são impostos, ganhar confiança e experimentar o silêncio e a paz…