Prometeste vir… prometeste esperar
Tinham combinado ir ao cinema juntos. Marcaram o lugar e a hora do encontro. Sabem ambos quem vai atrasar-se. São amigos e conhecem-se desde a infância. Há entre eles um código sem palavras. Um sabe que o outro se atrasa e o outro sabe que ele espera. Não é necessário mandar mensagem a avisar porque está estabelecido. É sempre o mesmo a atrasar-se e sempre o mesmo a esperar.
Naquele dia não foi diferente. Ele chegou invariavelmente antes da hora marcada e percebeu que era o primeiro. Ia ter que esperar. Sabe-se lá porquê, ficou nervoso, andou de um lado para o outro, o tempo tornou pesado o seu coração, inquieto tomou a inesperada pensou “prometeste vir…” e tomou uma decisão e foi-se embora. Em pouco minutos chega o amigo e não o encontra. Que terá acontecido? Pensou “prometeste esperar…”.
LEITURA I Jr 33, 14-16
Eis o que diz o Senhor:
«Dias virão, em que cumprirei a promessa
que fiz à casa de Israel e à casa de Judá:
Naqueles dias, naquele tempo,
farei germinar para David um rebento de justiça
que exercerá o direito e a justiça na terra.
Naqueles dias, o reino de Judá será salvo
e Jerusalém viverá em segurança.
Este é o nome que chamarão à cidade:
‘O Senhor é a nossa justiça’».
A visão de horror e de guerra que os judeus contemplam no seu dia a dia faz com que o profeta se levante para anunciar que Deus vai cumprir a sua promessa. É a promessa feita a David. A promessa de um descendente que se sentará no trono de Israel para sempre, instaurando uma época de segurança e paz, num reino inabalável de justiça.
Salmo 24 (25), 4bc-5ab.8-9.10.14 (R.1b)
O salmista, angustiado por alguma razão, tem os olhos postos no Senhor e reconhece que ele é bom e reto, compassivo e justo e, por isso, pede que o guie e lhe ensine os seus caminhos. Sabendo-se pecador pede a Deus que olhe para ele e veja a sua miséria e o livre dos seus muitos inimigos.
LEITURA II 1 Ts 3, 12 – 4, 2
Irmãos:
O Senhor vos faça crescer e abundar na caridade
uns para com os outros e para com todos,
tal como nós a temos tido para convosco.
O Senhor confirme os vossos corações
numa santidade irrepreensível,
diante de Deus, nosso Pai,
no dia da vinda de Jesus, nosso Senhor,
com todos os santos.
Finalmente, irmãos,
eis o que vos pedimos e recomendamos no Senhor Jesus:
recebestes de nós instruções
sobre o modo como deveis proceder para agradar a Deus,
e assim estais procedendo;
mas deveis progredir ainda mais.
Conheceis bem as normas que vos demos
da parte do Senhor Jesus.
Paulo convida os tessalonicenses e progredir cada vez mais na caridade, dando um verdadeiro testemunho e mantendo-se firmes no cumprimento das normas que lhes foram dadas da parte do Senhor, para serem santos e irrepreensíveis .
EVANGELHO Lc 21, 25-28.34-36
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas
e, na terra, angústia entre as nações,
aterradas com o rugido e a agitação do mar.
Os homens morrerão de pavor,
na expetativa do que vai suceder ao universo,
pois as forças celestes serão abaladas.
Então, hão de ver o Filho do homem vir numa nuvem,
com grande poder e glória.
Quando estas coisas começarem a acontecer,
erguei-vos e levantai a cabeça,
porque a vossa libertação está próxima.
Tende cuidado convosco,
não suceda que os vossos corações se tornem pesados
pela intemperança, a embriaguez e as preocupações da vida,
e esse dia não vos surpreenda subitamente como uma armadilha,
pois ele atingirá todos os que habitam a face da terra.
Portanto, vigiai e orai em todo o tempo,
para que possais livrar-vos de tudo o que vai acontecer
e comparecer diante do Filho do homem».
Jesus convida os discípulos a dar testemunho da esperança diante das perseguições que se levantam contra eles por causa do seu nome. Serão fortes e permanecerão de pé e cabeça levantada, se forem vigilantes e não se deixarem enganar. No dia do Senhor, ele virá e dará a libertação a todos os que tiverem sabido esperar.
Reflexão da Palavra
O texto da primeira leitura, terá sido escrito por um discípulo do profeta Jeremias que escreve muitos séculos depois, num contexto histórico semelhante ao do profeta. Estamos provavelmente no século II a.C.. Afirmando a sua qualidade de profeta que fala em nome de Deus, começa por dizer “Eis o que diz o Senhor”. Desta forma alerta de imediato os ouvintes para receberem a palavra como palavra do Senhor e não sua, de modo que devem prestar atenção. Não se trata de uma palavra para animar aqueles a quem é dirigida, mas uma palavra que exige a fé para acolher a mensagem, o anúncio que vai ser feito, porque se vai cumprir o que o Senhor diz.
Deus fala, através do profeta, num tempo de ruína. Tudo foi devastado, ficando apenas um pequeno resto incapaz e derrotado. A promessa do Senhor, apresentada por Natan a David, de uma terra prometida, de um reino eterno, de paz e de justiça, tornou-se uma ilusão. É uma promessa que nunca mais se cumpre. Deus anuncia que se vai realizar, mas quando? “Naqueles dias, naquele tempo, farei germinar para David um rebento de justiça”. Parece que a resposta do Senhor é sempre num futuro desconhecido. É verdade que o Senhor diz “cumprirei a promessa que fiz à casa de Israel e à casa de Judá”, mas quando será isso?
Precisamente no tempo de Jeremias o reino está dividido e o reino de Judá desfeito, como pode ele afirmar que o Senhor vai trazer a paz e a união de todas as tribos de Israel? Acreditar é um desfio quase impossível. O crente, no entanto, não mantém acesa a chama da esperança por ver cumprirem-se as promessas, mas porque a promessa é feita pelo Senhor. Se é o Senhor quem diz, então, pode levar tempo mas a sua palavra vai cumprir-se. Por outro lado, diz o profeta “o Senhor é a nossa justiça”, o que significa que tudo será feito por ele e não por nós, de modo que “neste lugar – que vós dizeis ser um deserto sem homens nem animais – nas cidades de Judá e nas ruas desoladas de Jerusalém, sem homens e sem animais, ouvir-se-ão novamente gritos de alegria, cânticos de júbilo” (Jr 33,10-11).
O salmo 24 é uma súplica confiante, construído em ordem alfabética, que pode dividir-se em três partes. Uma invocação inicial onde surge também a súplica com expressões como “mostrai-me os vossos caminhos… guiai-me na vossa verdade… lembra-te da tua compaixão… não recordes os meus pecados”. Uma segunda parte que apresenta uma reflexão de tipo sapiencial “o Senhor é bom e justo… os caminhos do Senhor são amor e fidelidade… o Senhor comunica os seus segredos aos que o temem”. E, uma terceira parte, que contém a súplica final “volta-te para mim… afasta as angústias do meu coração… vê a minha miséria… salva-me… livra Israel das suas angústias”.
O salmista, muito provavelmente um ancião, parece viver num momento de grande angústia, tanto ele como o seu povo, por isso, pede a Deus que afaste “as angústias do seu coração” e livre “Israel de todas as suas angústias”. Reconhecendo que o Senhor “é bom e reto”, “compassivo e justo”, dirige-lhe a sua súplica porque só nele pode encontrar o guia para o seu caminho, “o Senhor ensina o caminho”. O salmista percebe que a sua condição é a de um pecador e, por isso, suplica ao Senhor “perdoa o meu pecado, pois é muito grande” e “volta-te para mim… vê a minha miséria e o meu sofrimento… vê os meus inimigos… guarda a minha vida” porque “os meus olhos estão sempre postos” em ti e “eu confio em ti”.
Tessalónica foi evangelizada por Paulo cerca do ano 50 d.C., tendo consigo Silas e Timóteo. Muitos judeus e pagãos se converteram ali ao anúncio de Jesus, o Messias ressuscitado, depois de ter passado pela morte. Mas a oposição de alguns obrigou-o a seguir viagem e a mandar mais tarde Timóteo para confortar a comunidade que ali ficou (Ts 3,1). Esta carta foi motivada precisamente pelas boas notícias que Paulo recebeu de Timóteo, “vós fizestes-vos imitadores nossos e do Senhor, acolhendo a palavra em plena tribulação… tendo-vos tornado modelo… partindo de vós, a palavra do Senhor ecoou na Macedónia e na Acaia e por toda a parte se propagou a fama da vossa fé” (1Ts 1,6-8)
A boa notícia trazida por Timóteo a Paulo leva-o a reconhecer que os tessalonicenses estão no bom caminho. Apesar de ter tido pouco tempo para lhes anunciar o nome do Senhor, eles aderiram com toda a fé à proposta do evangelho que lhes foi feita. Por isso Paulo os convida a progredir no caminho iniciado “deveis progredir ainda mais”. Progredir em quê? “na caridade uns para com os outros e para com todos”, “numa santidade irrepreensível” e, no “modo como deveis proceder para agradar a Deus”. Paulo recorda que este esforço para progredir deve ser feito sem desanimo, até ao “dia da vinda de Jesus, nosso Senhor”.
No início de um novo ano litúrgico recebemos a presença de um novo evangelista. Desta vez é Lucas quem nos vai acompanhar ao longo de todo o ano. Estamos em Jerusalém e Jesus, depois de comentar a oferta da pobre viúva que deitou na arca do tesouro tudo o que tinha, anuncia a destruição do templo “virá o dia em que, de tudo o que estais a contemplar, não ficará pedra sobre pedra” (Lc 21, 6). As palavras de Jesus provocam a pergunta “quando sucederá isso?” (Lc, 217). A partir daqui desenvolve-se o discurso escatológico de Jesus no evangelho de Lucas. Jesus exorta os discípulos à vigilância “tende cuidado… não vos alarmeis” (v. 8.9), depois anuncia terramotos, fomes, epidemias e guerras (v. 10-11). Seguidamente anuncia a perseguição aos discípulos “vão deitar-vos as mãos e perseguir-vos” (v. 12-19) e a destruição da cidade (v. 20-24).
O texto deste domingo é tirado do final do capítulo 21 (v. 25-28.34-36), na parte em que se anuncia a vinda do Filho do Homem e se exorta à vigilância.
A linguagem apocalítica, (que significa revelar – levantar o véu e não desgraça e horror), serve a Lucas para apresentar a vinda do Filho do Homem como o Senhor que põe fim ao caos, à desordem que os poderes do mal provocam continuamente para destruir o projeto de harmonia e paz que Deus tem para o homem. De facto, o texto apresenta os “sinais no sol, na lua e nas estrelas e, na terra, angústia entre as nações, aterradas com o rugido e a agitação do mar”, como indicadores da situação que impõe a chegada daquele que traz a libertação. É o Filho do Homem, que todos podem ver, quem vem “numa nuvem, com grande poder e glória”, é a libertação que chega e põe fim as forças adversas.
Como é próprio da linguagem apocalítica, a intenção não é assustar, mas consolar aqueles que enfrentam situações dramáticas de guerra, perseguição e outras, como é o caso dos primeiros cristãos. Lucas escreve o evangelho no ano 90, quando os cristãos são perseguidos por causa do nome de Jesus. Nestas circunstâncias, os discípulos não podem desanimar mas, pelo contrário, “erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima”. A situação pode parecer difícil mas a vitória não é do mal, é daquele que vem numa nuvem, porque vem mudar a página da história numa nova história, um mundo novo.
Saber que o Filho de Homem vem salvar, não dispensa os discípulos da vigilância, pois esse dia “atingirá todos os que habitam a face da terra” e, portanto, também os discípulos podem ser encontrados de coração pesado. A certeza de que “os homens morrerão de pavor” só deve tornar os discípulos ainda mais atentos “tende cuidado convosco”, “vigiai e orai em todo o tempo”, porque só assim podeis “livrar-vos de tudo o que vai acontecer”e ser dignos de “comparecer diante do Filho do homem”.
Meditação da Palavra
A promessa da vinda do Senhor não pode deixar os crentes numa atitude passiva, de desânimo ou indiferença perante a realidade. Muitas vezes o mundo apresenta-se hostil à presença dos crentes, aos sinais de amor e ao desejo da paz e da justiça. A hostilidade e a indiferença provocam sofrimento nos que creem ser possível construir um mundo novo, uma sociedade fraterna onde a lei é o amor e o critério mais importante o da atenção aos mais pequenos.
A promessa de Deus é um compromisso a colaborar connosco na construção deste mundo novo. Mas, não pode significar abandono da nossa responsabilidade e contributo. Deus não faz o que nos pertence a nós fazer. Acabar com as guerras e hostilidades, ultrapassar as diferenças e divisões, vencer as inimizades, conflitos e intolerâncias depende de nós. Trata-se de uma cura do coração para que ele não se torne pesado.
A promessa do Senhor visa particularmente esta transformação do coração. Ele estará connosco transformando cada um no seu interior para que, de nós brotem os frutos da fé firme e confiante, da caridade fraterna dedicada a todos sem distinção de pessoas, da esperança alegre e sem limites que aguarda a chegada da nova terra e dos novos céus. É para aqui que aponta a palavra deste primeiro domingo do Advento.
A pequena comunidade de Tessalónica acolhe o evangelho e adere à fé em Jesus no meio de tribulações. Aquela experiência dolorosa não foi impedimento para permanecerem no amor e no cumprimento das normas que lhes foram transmitidas por Paulo e seus companheiros. Por isso, Paulo, na carta que lhes escreve, os elogia porque a sua fidelidade e firmeza se espalhou por toda a parte como um verdadeiro testemunho de fé. As dificuldades não esfriaram a sua adesão a Cristo e dedicação aos irmãos. Pelo contrário, enraizaram ainda mais a sua opção e aumentaram a sua caridade. Agora, Paulo incentiva-os a progredir ainda mais até ao “dia da vinda de Jesus, nosso Senhor”.
Os judeus, a quem são dirigidas as palavras da primeira leitura, estão a viver um momento dramático da sua história. Perante os horrores da destruição [“as casas desta cidade e os palácios dos reis de Judá, que foram demolidos” (Jr 33,4) e da guerra que deixa as ruas cheias “com os cadáveres dos homens” (Jr 33, 5)] as pessoas têm dificuldade em acreditar que o Senhor se lembra deles. Foram já muitos os momentos e as circunstâncias em que o Senhor prometeu cumprir as suas promessas, mas os olhos não veem a sua realização. O Senhor tarda enquanto o povo é devastado.
É a este povo desanimado, caído, a chorar e a lamentar-se que o profeta anuncia em nome do Senhor “cumprirei a promessa que fiz à casa de Israel e à casa de Judá… farei germinar para David um rebento de justiça que exercerá o direito e a justiça na terra”. Parece difícil de acreditar, mas a fé é isso mesmo, ver sem ver, esperar contra toda a esperança, aguardar confiantes, porque não é o homem quem fala, mas o Senhor. É o próprio Senhor que faz justiça, “o Senhor é a nossa justiça”.
Os discípulos de Jesus, os cristãos das primeiras comunidades, a quem Lucas dirige o seu evangelho, vivem também no meio de perseguições. Para eles as palavras de Jesus não são um imaginário, mas uma realidade. Experimentam diariamente a violência das forças do mal dirigida contra eles e vivem refugiando-se no escuro, noite e dia, para não serem capturados. Sentem medo diante da possibilidade da tortura e da morte e o chão foge-lhes debaixo dos pés como acontece nos terramotos.
A eles é dirigida a palavra como uma consolação. Este tempo de medo, de violência, de incerteza, vai acabar porque o Senhor vem “numa nuvem, com grande poder e glória”. A certeza da libertação há de provocar neles a confiança de quem sabe que o Senhor é mais forte que todas as forças do mal que atuam no mundo. Os que confiam no Senhor não receiam, não temem os homens, não desanimam no meio das dificuldades, enfrentam com coragem as adversidades. É esta a mensagem do Senhor, “quando estas coisas começarem a acontecer, erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima”.
Este tempo não é de medo mas de vigilância. Estai atentos, “tende cuidado”, “vigiai e orai” para não serdes surpreendidos, para que o coração não se torne pesado e poderdes “comparecer diante do Filho do homem”. Estai atentos para que o mal não venha de vós nem por vossa causa.
Esta é também a mensagem para nós. A vigilância ativa faz-nos permanecer na fé e confiantes no cumprimento das promessas do Senhor. E faz-nos progredir na caridade a fim de sermos irrepreensíveis na santidade “diante de Deus, nosso Pai, no dia da vinda de Jesus, nosso Senhor” e faz-nos alegres na esperança para nos livrarmos “de tudo o que vai acontecer ecomparecermos diante do Filho do homem” e eficazes na caridade que destrói o mundo da violência, da guerra e da intolerância e constrói o mundo novo onde reina o amor, a paz e a justiça. Jesus nascido em Belém é a nossa paz, a nossa justiça e a fonte de todo o amor.
Rezar a Palavra
Quando se abre um tempo de esperança diante de mim, neste tempo litúrgico do Advento, no início de mais um ano, levanto para ti os meus olhos, Senhor, certo de que também para mim diriges o teu olhar. Como o povo que sente os horrores da perseguição, sinto necessidade de libertação. Vem, Senhor, sobre a nuvem, e domina as forças do mal que provocam a noite em mim para me afastarem de ti. Ensina-me os teus caminhos e guia-me para não me perder no desalento. Anima em mim a fé para que progrida na caridade e permaneça vigilante na esperança.
Compromisso semanal
Escuto o convite à vigilância e dirijo o meu olhar para o Senhor que vem salvar.