A questão da fé coloca-se sempre enquanto caminharmos neste mundo. Ouvimos pessoas a dizer que têm muita fé, outras que têm pouca e pedem para ser aumentada e, independentemente da quantidade, ela não resolve todos os problemas; apenas nos dá coragem para os enfrentar e, porventura, para os superar. Todos passamos por momentos dolorosos e difíceis em que nos questionamos sobre a presença ou ausência de Deus, a sua acção ou a aparente passividade perante a guerra, a doença e a morte de inocentes, o sofrimento dos justos e das pessoas boas, o bem-estar dos criminosos que continuam impunes enquanto muitos outros sofrem as consequências da sua conduta recta, o drama das migrações forçadas, catástrofes que atingem todos, sem distinção… Quantas vezes perguntamos como o profeta Habacuc: “Até quando, Senhor, chamarei por vós e não me ouvis? Até quando clamarei contra a violência e não me enviais a salvação? Porque me deixas ver a iniquidade e contemplar a injustiça? Diante de mim, está a opressão e a violência…” O profeta assiste à sequência ininterrupta da iniquidade e da injustiça sem perceber como é que Deus permite essas coisas. As suas interrogações são as de um homem de fé, de alguém que, apesar das dúvidas, confia. As questões são colocadas não por alguém que quer afrontar Deus, mas por alguém que, na sua fé, com sinceridade, procura respostas. Como a pergunta de Jesus na cruz, “meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” Ou do Papa Bento XVI quando visitou Auchwitz: “onde estavas, Senhor?” Todos nós, já fizemos alguma vez perguntas deste género…

  1. Fé num Deus que é amor

– Como é possível acreditar ainda na bondade da humanidade? Como é possível ter esperança num mundo mais justo, mais livre e mais fraterno?
– A fé leva-nos a reconhecer que, mesmo nas noites mais escuras, Deus caminha connosco… O nosso Deus não é como nós, que fazemos contas e actuamos quando nos parece bem a nós: o nosso Deus é livre e misericordioso e não está sujeito às variações da nossa existência…
– Onde há amor não pode existir temor… E o juízo de Deus não se realiza sem amor. É este amor da ternura de Deus que leva a enfrentar as diferentes situações da vida acreditando na bondade, na libertação e na alegria…
– Apesar do presente ser doloroso, como a situação que o povo vivia no tempo de Habacuc, derrotado e desesperado pela violência, a opressão, as contendas e a discórdia; nesses tempos em que os campos não produziam e os celeiros estavam vazios, em que a crise persistia, a voz do profeta aponta para uma saída: o que não tem alma recta sucumbe, mas “o justo viverá pela fé”…
– A fé é dom e graça de Deus como o Evangelho deixa claro: a amoreira não é para ser cultivada no mar mas, a confiança no amor de Deus pode transformar o ciclo negativo da nossa vida e abrir para outras perspectivas…
– A fé brota da confiança absoluta em Deus e da luz que Ele dá para manter viva a esperança com a força para vencer as dificuldades…
– A fé é sempre uma vantagem, um acrescento positivo na vida: diante das dificuldades, só podemos pedir como os discípulos de Jesus: “aumenta a nossa fé”…

  1. Uma fé que cresce

– A consciência de ter uma fé débil e pequena é também um dado animador… É como o grão de mostarda que há-de desenvolver-se e crescer… O dinamismo da nossa confiança em Deus empurra-nos sempre para diante… Há sempre mais qualquer coisa, uma novidade que não faz parte dos nossos cálculos… A fé está sempre apoiada pela esperança.
– O Papa Francisco, nas suas reflexões, recorda-nos que a vida comporta certezas e dúvidas: “Se alguém disser que encontrou Deus com uma certeza absoluta sem admitir uma margem de incerteza, é porque há alguma coisa que não está bem… Se alguém tiver as respostas todas para todas as perguntas, provavelmente Deus não está com essa pessoa”.

  1. A fé é compromisso

– A fé mora no coração de cada homem e pode manifestar-se de muitas maneiras de acordo com o contexto social e cultural em que cada um vive: há a fé dita religiosa, por vezes com coloridos pietistas ou de simples defesa dos dogmas, e a fé que leva a pessoa a comprometer-se com a construção de uma humanidade livre e responsável…
– A fé verdadeira é a que ajuda a crescer, a comprometer-nos com um mundo mais justo e solidário, a sentir-nos unidos aos que são excluídos e marginalizados… Parece que ainda há muita gente a dizer que tem fé, mas são poucos os que se comprometem com o que quer que seja… A grande falha, na Igreja e na sociedade, é o compromisso: muitos ideais, muitas convergências, belas palavras, mas, onde está essa vontade manifesta de fazer crescer o grão de mostarda?
– Quando Jesus diz: “somos inúteis servos: fizemos o que devíamos fazer”, não é para nos rebaixar ou desvalorizar as nossas acções… É, isso sim, para nos manter activos e comprometidos, com o único objectivo de fazer aquilo que estamos obrigados a fazer em razão da fé que professamos…